Casal quadragenário remonta união nipo-brasileira no Vale do Aço

Fernando Lopes

Há sessenta anos o engenheiro Amaro Lanari Júnior e o representante do governo japonês Teizo Horikoshi celebravam um acordo que mudaria a história da siderurgia brasileira e, principalmente, do pacato distrito de Ipatinga. Assim, a Usiminas deixava o plano das ideias para o mundo concreto e de aço.

Aos poucos, a Usina Intendente Câmara foi adquirindo forma e cinco anos depois da assinatura do acordo Lanari-Horikoshi foi realizada a primeira corrida de gusa. A cooperação entre mineiros e japoneses extrapolou os portões da siderúrgica e se perpetuou na união destes dois povos também na cidade, que cresceu ao seu redor.

A história do desenvolvimento de Ipatinga e da Usiminas é contada com nomes ilustres, a exemplo: os presidentes do Brasil, Juscelino Kubitscheck e João Goulart, o imperador japonês Showa (Hirohito); além dos célebres engenheiros Márcio Aguiar da Cunha e Kioshi Tsunawaki. Porém, esta história também foi feita por pessoas anônimas, como a senhora Lucimar Borges, 74 anos, e o senhor Keihashiro Honda, 88 anos. Em junho deste ano, os dois comemoram quarenta anos de casados e relembram a trajetória até os dias atuais.

Mudanças e um futuro promissor

Ela é mineira da tradicional cidade de Itabirito, ele da cidade de Saitama, capital da província homônima. Os destinos dos dois foram traçados com percalços e aventuras, e foram, justamente, em Ipatinga, que se encontraram para felizes momentos vindouros.

Nascido no ano de 1929, o pequeno Keihashiro foi obrigado a cruzar os oceanos junto à sua família para fugir dos fortes conflitos travados durante a Segunda Guerra Mundial, na terra do Sol Nascente. Em meados da década de 1930, a família Honda se estabeleceu no estado de São Paulo. Os pais deixaram a profissão de farmacêuticos e pegaram firme na enxada em solo brasileiro.

Lucimar nascida em 1943, a mais velha de oito irmãos, passou a infância e adolescência em Itabirito. Na década de 1970, a jovem, filha de educadores, deixou a pequena cidade para estudar Enfermagem na Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte. Profissionalizou-se e mudou-se para a cidade de Uberlândia, quase 600km de distância dos familiares, para atuar em um hospital.

“Foi muito complicado ficar longe da minha família. Eu costumava juntar todas as folgas de dois meses para ir a Itabirito. Também foi um período de crescimento e aprendizado”, enfatiza Lucimar.

Poucos anos depois da emancipação da cidade de Ipatinga, no fim da década de 1960, o senhor Honda deixou a lavoura no interior de São Paulo e seguiu rumo ao Vale do Aço com esperança de uma vida melhor. A convite do velho amigo Sakagama, que se tornara engenheiro na Usiminas, Honda depositou na siderúrgica e no município de nome indígena o seu futuro e se tornou intérprete na empresa, atuando especialmente ao lado dos funcionários japoneses da Nippon Steel & Sumitomo Metal Corporation, na época Yawata Iron and Steel.

Na década de 1970 foi a vez de Lucimar ter a sua oportunidade no pujante município. Especializada em esterilização, a enfermeira compôs o quadro do Hospital Márcio Cunha e em seguida iniciou a carreira na rede municipal de saúde, sendo uma das primeiras profissionais da área contrata pela Prefeitura de Ipatinga.

Encontro para a vida

A enfermeira mineira e o intérprete japonês moraram no bairro Cariru, famoso por abrigar muitos imigrantes nipônicos na cidade. Foi em um jantar na casa do vizinho senhor Noto, também nascido no Japão, que os dois foram apresentados. O conhecido em comum apostou que o casal daria certo e chegaria longe, ele estava certo.
“No ano de 1977, eu e mais seis enfermeiras morávamos em uma casa onde é a Igreja Católica do Cariru. Honda morava com Sakagama, também no bairro. Um dia, Noto, nosso vizinho, quis apresentá-lo a mim e desde então a gente começou a se conhecer. Gostávamos de ir em danceterias em Coronel Fabriciano e participar das festividades da Associação Nipo-Brasileira de Ipatinga”, rememora Lucimar.

Com poucos meses, Lucimar e Honda estavam casados. Um foi se adaptando e apreciando os costumes do outro. Ele se rendeu ao arroz com feijão e ela passou a não dispensar um prato de yakisoba. Assim foram construindo uma nova e bela fase da vida. Mudaram-se para os primeiros apartamentos do Imbaúbas e depois para o bairro Cidade Nobre, onde vivem atualmente.

Em 1990, o casal adotou sua única filha, Heloísa, que cresceu no rico ambiente cultural da tradição mineira e dos milenares costumes japoneses. Lucimar atuou durante 35 anos como funcionária pública e acompanhou de perto o crescimento populacional e da estrutura do serviço público da cidade. Senhor Honda trabalhou até se aposentar na Usiminas, vendo a prosperidade da siderúrgica.

A enfermeira ainda possui o primeiro crachá utilizado no serviço e lembra com satisfação do começo de tudo. Com mal de Alzheimer há quase 10 anos, o senhor Honda ainda reconta histórias do tempo de Usiminas, quando facilitava a comunicação entre os colegas conterrâneos e os mineiros.

Usiminas e Ipatinga construíram histórias, assim como japoneses e mineiros desenharam juntos os diversos contos da cidade e indústria. São momentos públicos, privados, conhecidos ou não que demonstram o sucesso do casamento dos dois povos.


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