Semana Nacional de Combate ao Alcoolismo chama atenção para consequência do uso abusivo da bebida

Droga lícita, socialmente aceita e de fácil acesso: o álcool é responsável por acabar com muitas vidas e traz tristeza para várias famílias. Além dos danos físicos, existem também os psíquicos e sociais que ele causa. Nas proximidades do início da “Semana Nacional de Combate ao Alcoolismo”, que começa a partir deste próximo domingo, 18, o tema volta à tona e faz uma reflexão sobre um malefício que tem atingido cada vez mais pessoas, principalmente os jovens.

“Os especialistas mostram que a adolescência é um período caracterizado pelo uso do álcool e de outras drogas. A exposição e o consumo nessa faixa etária são fatores de riscos para que na idade adulta, esses jovens venham se tornar dependentes dessas substâncias. Quanto mais cedo experimentam, estão propensos a ter problemas à frente”, afirma o médico psiquiatra e coordenador do Ambulatório de Álcool e Drogas do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU-UFJF), Alexandre de Rezende.

Na avaliação do médico, o alcoolismo é um problema crônico, grave e complexo, assim como deve ser o tratamento. “É classificado como um transtorno psiquiátrico, que tem algumas dimensões biológicas. O uso prolongado e contínuo ocasiona adaptações em circuitos cerebrais que fazem com que o indivíduo busque essa substancia até depois de um dado momento de uso para evitar abstinência. É uma doença complexa, com várias nuances, mas alguns elementos podem descrevê-la: primeiro, a perda do controle. O indivíduo, depois de um tempo de dependência, não consegue ter controle sobre a quantidade que vai ingerir, o momento que vai usar, começa a ter um estreitamento no repertorio de atividades e tudo vai se limitando ao uso do álcool. Ele vai abandonando a rotina, a família e começa a ter prejuízos no trabalho”, explica ele, reforçando a necessidade de intensificar o tratamento para as pessoas que têm tendências a se tornarem dependentes. “Vivemos uma certa contradição, pois, pela legislação, os estabelecimentos são proibidos de venderem álcool para menores de 18, mas acaba que temos uma cultura permissiva em relação a isso. Não só a cultura, como um momento oportuno. No carnaval, por exemplo, cria-se essa ideia coletiva de que todos bebem e que o consumo tem que ser alto. O adolescente acaba sendo alvo disso. Existe todo um contexto social que é permissivo”, diz.

TRATAMENTO

Em Juiz de Fora, algumas instituições oferecem acompanhamentos para os dependentes. No bairro Dom Bosco, o Ambulatório de Álcool e Drogas funciona semanalmente e, desde a sua criação em 2009, já atendeu a cerca de 550 pacientes. Atualmente, 100 pessoas são atendidas. Elas recebem atendimento multidisciplinar, com acompanhamento de médico psiquiátrico, atendimento do serviço social e enfermagem, atividades da psicologia em grupos e individuais.

Segundo a assistente social do ambulatório, Lesliê Freitas, discutir esse assunto é a chance de sensibilizar e alertar a população sobre a dependência do alcoolismo. “Por ser uma droga lícita, as pessoas vêem o uso abusivo com naturalidade. As campanhas ajudam a reconhecer a doença e mostrar para as pessoas que ela tem tratamento. Hoje, é muito fácil o acesso ao álcool, especialmente para os mais jovens. Apesar da existência de leis de proteção, os estabelecimentos não cumprem. Fazendo esse alerta, podemos ter um ganho futuro e reprimir essa dependência”, cometa.

Os grupos dos Alcoólicos Anônimos (AA) são outros espaços onde as pessoas conseguem tratamento. De acordo com o diretor administrativo do AA na cidade, Luiz de Brito, a organização tem realizado diversos trabalhos. Através do Comitê Trabalhando com Outros (CTO), é desenvolvido um trabalho direto com o alcoólatra, chamado de 12 passos. “Esse é o programa de recuperação, onde as pessoas experimentam um despertar espiritual, no qual procuramos transmitir a mensagem a esse alcoólatra que ainda sofre. Muitas vezes, também vamos à casa das pessoas que pedem ajuda e oferecemos um convite para entrar no grupo”, explica.

Na cidade, a equipe possui 30 salas de reuniões, atendendo a mais de 450 pessoas. Os grupos se reúnem semanalmente para trocar experiências. Brito lembra que é preciso a força de vontade do alcoólatra para procurar ajuda. “Acredito que o alcoólatra, muita das vezes, precisa chegar até o ‘fundo do poço’ para pedir ajuda. As pessoas estão procurando nossos serviços, seja ela jovem, idosa, mulher ou homem. O único requisito que solicitamos é querer parar de beber”, afirma.

E LÁ SE VAI 32 ANOS SEM BEBER

E foi o fundo do poço que fez Antônio (nome fictício por conta do anonimato) procurar ajuda. Ele conta que primeiro contato com álcool foi aos 13 anos de idade por um motivo simples: Ele estava em um lugar que tinha bebida e provou. “Era vinho. Bebi bastante. Fui reprimido pelo ‘porre’. Mas, no outro dia, quando me reuni com meus amigos, as maiorias dos meninos sequer podiam sentir cheiro de uva. Eu tentava entrar no galpão onde havia bebido na noite anterior para ver se tinha mais vinho”, diz o alcoólatra em recuperação.

Ele revela que conhecer o álcool foi um “despertar para vida”. “A vida só fazia sentido com o copo na mão. Nunca mais perdi a oportunidade para beber. Sempre criava uma. Hora fazia festa em minha casa, na dos amigos, tudo para beber. No início, trazia vantagens, que eram ilusórias. Tornava-me mais bonito, dançante, falante, inteligente, e isso me atraia. A principal característica do alcoólatra é a resistência. Ninguém se preocupava com minha forma de beber. Sempre levava ‘tapinhas’ nas costas dos colegas e das mães, ainda mais quando os levava para suas casas, e elas me diziam: ‘Não deixa meu filho beber com você, pois ele não sabe e você tem resistência. Bebe e continua inteiro, enquanto que meu garoto está passando mal’. Aquilo me trazia sentimento de grandeza. Era forte para ingerir álcool. Só que com o passar dos tempos os problemas surgiram”, lembra Antônio.

O ex-alcoólatra conta que como um “nadador distraído” foi puxado pela correnteza, e quando percebeu estava no fundo do mar. “Só percebi depois de perder um casamento por conta do álcool, e depois de estar internado no hospital por problemas de saúde. Quando fui receber alta, o médico me chamou do lado de fora e disse: ‘Sei que você pode beber, tem dinheiro nos bolsos, os botecos estão abertos e a vida e sua. Você pode fazer o que bem entender. Agora, se eu fosse você, parava’. Eu disse para ele que não ia beber e dei minha palavra. Porém, ele me falou que as coisas não eram tão fáceis e que precisaria de ajuda. Respondi, em tom de ironia, que ele não me conhecia e que não precisa disso. Nem percebi que havia saído andando e que no final do corredor ele tinha dito que o AA poderia me ajudar. sai dali para provar que ele estava errado. Sabia que estava com problemas cardíaco, gástrico, e que se bebesse era quase suicídio, pois poderia morrer aos 28 anos de idade”, revela. No entanto, 21 dias depois, Antônio se convenceu de que se tomasse três doses de pingas por dia não iria fazer mal. “Até que veio o primeiro descontrole, o segundo e a cada porre que tomava lembrava da fala do médico. Em um determinado dia, pedi para alguém me apresentar ao AA, pois estava ficando louco e não conseguia parar de beber”, relata.

Nos grupos dos AA, o ex-alcoólatra descobriu que o alcoolismo era uma doença: progressiva, incurável e de terminação fatal. “Até então, a ideia que tinha de alcoolismo era que era falta de vergonha, juízo e caráter. Não conseguia aceitar, pois tinha tudo isso, e também não compreendia o fato de que depois de ‘tomar uma’, todas essas virtudes sumiam. Mas, o AA tinha a resposta para isso. O dono do boteco já não me suportava, ele falava: Careca, -como me chamava-, não te aguento mais. Você está deitado no balcão e pedindo para colocar mais’. No AA, descobrir uma dica simples: tinha que evitar o primeiro gole, pois ele que provoca o transtorno. Um dia, de cada vez, fui me adaptando. O início foi difícil, mas hoje, faz 32 anos que não coloco uma gota de álcool na boca”, conclui.

Para conhecer ou visitar o AA, os interessados podem ligar para os telefones (32) 3215-8503 ou (32) 98897-4103.

Postado originalmente por: Diario Regional – Juiz de Fora

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