JF está abaixo da média nacional em reciclagem de lixo

“Catar o lixo antes que ele chegue ao mar”. Tendo apenas as mãos como ferramenta e o objetivo bem traçado, a administradora Natália Polisseni Cavalieri, idealizadora do @_ecoleta, sai às ruas, recolhendo aquilo que muitos jogam pelo caminho. E foi uma imagem de uma tartaruga envolta em plástico postada na rede social que deu pontapé que mobilizou a jovem a recolher o lixo das ruas. Mas a preocupação é necessária. Somente no ano passado, das mais de 172 mil toneladas de resíduo domiciliar recolhidos em Juiz de Fora, apenas 403 toneladas foram de material reciclável, o equivalente a 0,23%. Os dados foram solicitados pela Tribuna ao Departamento Municipal de Limpeza Urbana (Demlurb). O número está bem abaixo da média nacional, que é de 3%, de acordo com estudo mais recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Quando se trata de lixo plástico, relatório divulgado, este ano, pelo Fundo Mundial para a Natureza, cujo tema é “Solucionar a poluição plástica – transparência e responsabilização” mostra que apenas 1,2% tem destino correto no Brasil. Os dados reforçam a urgência de um acordo global para conter a poluição pelo material, considerado um dos maiores vilões do meio ambiente. A poluição pelo plástico, como demonstrou o estudo, afeta a qualidade do ar, do solo e dos sistemas de fornecimento de água, uma vez que o material absorve diversas toxinas e pode levar até 100 anos para se decompor na natureza. Sem a destinação adequada, boa parte dos resíduos acabam nos oceanos e, neste contexto, o trabalho do @_ecoleta, iniciado em novembro de 2018, surge como uma alternativa importante.

Natalia Polisseni Cavalieri (ao centro) criou o grupo @_ecoleta, que az trabalho voluntário de recolhimento de lixo nas ruas da cidade (Foto: Arquivo Pessoal)

Nos últimos 30 anos, a geração de resíduos nas cidades aumentou três vezes quando comparada à população urbana. Os números ajudam a encorpar os 1,4 bilhão de toneladas de lixo produzidos por ano no mundo. Isso significa que cada um dos sete bilhões de habitantes do planeta é responsável por produzir mais de um quilo de lixo por dia. Informações do Panorama de Resíduos Sólidos de 2017 da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), mostra que o descarte incorreto dos materiais, gera um gasto médio de 25% do orçamento dos municípios com gestão de resíduos sólidos e faz do lixo um dos grandes desafios para a sustentabilidade global. A análise da associação mostra ainda que, mesmo com todos os esforços de governos e da iniciativa privada, das 214 mil toneladas/dia de resíduos gerados, 196 mil toneladas não foram coletadas, ou seja, não tiveram o destino correto e, provavelmente foram parar na rede pluvial e, por consequência, nos rios e mares.

Na tentativa de desviar esse trajeto, surgiu o @_ecoleta que, como um trabalho de formiguinha, vem se destacando como protagonista para a cidade e para a natureza. “Eu sou fascinada com flora e fauna. E, diante da postagem sobre poluição dos mares, precisava fazer alguma coisa. Foi aí que chamei minha prima, que já desenvolve um trabalho ligado à reciclagem, e, sem planejar muito, fomos ao Morro do Cristo”, disse ela, contando que a escolha do lugar se deu após participar de um evento e percebeu que muito lixo foi jogado ao longo do caminho. “Tinha chovido muito naquele dia, e a água carregou tudo. Tirei roupa, camisinha, garrafas, latas.” Esse foi o primeiro lugar de tantos outros que o grupo já percorreu na cidade. “Já fomos várias vezes à Via São Pedro, pois sempre que vamos encontramos muito lixo. Se a comunidade nos apontar outros locais nesta mesma situação, fica bem mais fácil e direcionado nosso trabalho”. Após o recolhimento, o lixo é colocado em sacos plásticos e deixado em pontos de coleta para serem recolhidos pelo Demlurb.

“A gente é muito pequeno perto do lixo que produz”

Depois do start de Natália ao assumir seu compromisso com o meio ambiente, alguns interessados foram se juntando a ela e, atualmente, o grupo reúne pessoas em suas expedições de coleta de lixo para tentar frear a poluição ambiental. ” Inicialmente, não quis colocar a foto do primeiro dia que saímos, com medo de as pessoas me julgarem, dizendo que isso não seria meu papel. Mas, ela (a prima) me incentivou e tornei a foto pública. Neste mesmo dia, durante uma coleta, uma menina me abordou e disse que queria ir na próxima data. Desde então, criamos um dia para coletar e, assim, as pessoas começaram a se interessar em fazer parte”, disse Natália.

Para consolidar o grupo, a administradora decidiu que iria sair às ruas, todas às quintas-feiras, mas, devido ao período de aulas, passou para os domingos, quando, segundo ela, muitos interessados estariam de folga e, por isso, teriam mais disponibilidade. Uma das regras do grupo, portanto, é não convidar as pessoas, mas, deixar que elas se sintam tocadas. “Apesar de ainda sermos poucos, tenho muitos planos. Quero fazer parceria com o Demlurb, já que temos muita vontade, porém não dispomos de maquinário. Minha meta é chegar à Ilha do Lixo”, disse a administradora, fazendo referência ao endereço no Oceano Pacífico, considerado uma das catástrofes ambientais produzidas pela humanidade. A região fica na costa do estado norte-americano da Califórnia e possui 80 mil toneladas de lixo plástico, que compõem uma área de 1,6 milhão de quilômetros quadrados.

“A gente é muito pequeno perto do lixo que produz. Acredito que essa questão deva ser tratada de forma mais severa. As pessoas falam sobre lixo de maneira branda. Temos que entender que este é um problema grave e, se não cuidar, teremos mais lixo do que peixes no mar. Sem falar nos inúmeros problemas causados pela falta de consciência humana”, asseverou.

Coleta seletiva em JF caminha a passos lentos

Implantada há mais de 20 anos, a coleta seletiva em Juiz de Fora não atinge toda a extensão da cidade. Integram este tipo de coleta as regiões Norte, Centro, Oeste e Sul. Já as zonas Leste e Nordeste estão de fora da rota dos caminhões do serviço seletivo. Os problemas parecem estar em todas as etapas do processo, começando desde por quem está disposto a separar o lixo em casa até a falta de regularidade no recolhimento. A Prefeitura, entretanto, reivindica a adesão dos moradores, assim como os catadores se queixam de falta de apoio da sociedade. A ampliação do serviço seletivo de coleta poderia reduzir o envio de lixo e dar uma sobrevida importante para o aterro sanitário de Dias Tavares, inaugurado em 2010 e previsto para operar até o ano de 2035, menos de 20 anos. Já a coleta domiciliar atende 100% da cidade. Todavia, apesar de mais de duas décadas existente na cidade, a coleta seletiva segue em processo lento. Apenas 62% dos bairros de Juiz de Fora são contemplados com o serviço.

Meta é fazer parceria com o Demlurb (Foto: Arquivo Pessoal)

As mais de 400 toneladas de lixo aproveitável recolhidas em 2018 foram entregues em forma de doação à Associação Municipal de Catadores de Papel e Materiais Reaproveitáveis de Juiz de Fora (Ascajuf), conforme o Demlurb. Doutor em saneamento, meio ambiente e recursos hídricos e também professor do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFJF, Samuel Castro, considera essencial a consciência desde o consumo ao descarte dos resíduos. “A Política Nacional de Resíduos Sólidos (2010) salienta bem a necessidade de uma gestão integrada, com os papéis bem definidos e a responsabilidade compartilhada ao longo do ciclo de vida dos produtos. Investimentos e infraestrutura são essenciais, mas também, talvez no mesmo patamar, é necessário conscientização, educação ambiental e envolvimento de todos.”

Ele também critica o consumo de bens e serviços, que, de forma exagerada, leva à exploração excessiva dos recursos naturais e interfere no equilíbrio do planeta. “Todos nós, como consumidores, temos um papel muito importante, que vai desde a seleção do produto nas lojas, supermercados e demais estabelecimentos, à destinação final ambientalmente adequada dos resíduos. Ou seja, o consumo movimenta o mercado e, consequentemente, fomenta produtos e marcas que têm maior ou menor responsabilidade ambiental, comprometimento com uma produção mais limpa e sustentável. É importante saber escolher, priorizar empresas com certificação ambiental e que possuem programas com foco na redução de resíduos, produtos com maior versatilidade e multiusos, que tenham maior durabilidade. Por outro lado, penso que o poder público local, dentro de sua responsabilidade, precisa investir em infraestrutura e corpo técnico especializado capaz de apresentar soluções integradas.”

Neste sentido, destaca-se também o gerenciamento de resíduos químicos e biológicos gerados no Campus da UFJF, que tem acompanhamento e destinação ambientalmente adequada em função do potencial de periculosidade à saúde humana.

Baixa a consciência ambiental e social

De acordo com a Prefeitura, foi identificado crescimento na adesão da coleta seletiva dos condomínios fechados. No entanto, não há um estudo que aponte o número de pessoas que realizam essa separação do lixo. O departamento encontra barreiras para a ampliação do serviço, como, por exemplo, o alto custo da manutenção e combustível dos caminhões. “Toda vez que um bairro novo é incorporado à rota, existe um trabalho de panfletagem e mobilização da comunidade local. Outro ponto importante está relacionado à participação popular. De modo geral, ainda é baixa a consciência ambiental e social”, garantiu o Demlurb em nota.

A questão foi evidenciada em um estudo realizado pelo Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFJF, em parceria com o Demlurb, em que mais de 40% do resíduo domiciliar gerado em Juiz de Fora no ano de 2015 era composto pela fração de orgânicos, ou seja, restos de alimentos. “Evitar o desperdício reduz a fração de orgânicos nos resíduos domiciliares que, além de ocupar um volume considerável em nosso aterro, em seu processo de decomposição, contribui na emissão de gases de efeito estufa para a atmosfera”, declara Samuel. “É importante ter em mente a hierarquia prioritária na gestão de resíduos: não gerar, reduzir, reutilizar, reciclar, tratar e dispor os rejeitos de forma ambientalmente adequada.

Muitos autores incrementam tal hierarquia com o “repensar” e, nesse sentido, ficam algumas questões: “Realmente, você precisa de um celular novo? Por que não optar pelo refil? Por que não levar sua bolsa reutilizável ao fazer compras?”. Enfim, o conjunto de pequenas ações podem fazer a diferença, cada um assumindo a sua responsabilidade, fazendo o seu papel, multiplicando boas ações e iniciativas, monitorando e cuidando do meio ambiente e, assim, garantindo um futuro com recursos em qualidade e quantidade suficientes para as próximas gerações”, finalizou Samuel.

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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