Uso obrigatório de simuladores nas autoescolas pode acabar

A obrigatoriedade dos simuladores nas autoescolas do país pode ser extinta. A medida foi defendida pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, em evento da Convenção Nacional da Confederação dos Transportadores Autônomos (CNTA), em fevereiro. A intenção do ministro é reduzir a burocracia e os custos para trabalhadores do setor e para a população em geral. O discurso deu novo fôlego ao debate sobre o uso do equipamento que se prolonga há uma década. A Tribuna ouviu cinco autoescolas de Juiz de Fora para entender o que pensam os profissionais da área sobre a utilização do equipamento e como avaliam a possível medida do Governo federal.

Em vigor desde julho de 2015, a Resolução 543 prevê que o candidato à habilitação na categoria B realize cinco das 25 aulas obrigatórias no simulador. Durante o período de regularização, os proprietários tinham duas opções para obtenção do equipamento: por meio do aluguel ou da compra definitiva. No primeiro caso, a empresa fornecedora estabelece um valor mínimo de aulas a serem pagas mensalmente. Caso a autoescola não consiga cumprir o número estipulado, a cota deve ser paga da mesma forma, configurando prejuízo.

Um dos proprietários que optaram pelo aluguel foi Wanderson Luiz da Costa, da Autoescola Minas Gerais. Ele conta que precisa pagar o equivalente a 120 aulas mensalmente à empresa fornecedora. “Mesmo não atingindo (essa quota), tenho que dar à empresa o valor de 120 aulas. Nós sentimos (o impacto) nos últimos meses, principalmente no fim do ano passado. Oscila muito (o número de aulas), e vou ser sincero, não notei diferença”, relata, ao analisar o impacto sobre o uso e a eficiência dos simuladores.

Quem também optou pelo modelo de locação foi Rosana Alves, da autoescola Rosana. Assim como Wanderson, ela também aponta uma variação no volume de uso do equipamento. “Dos últimos seis meses para cá, oscilou muito, e, na maioria das vezes, não tivemos lucro. No geral, está todo mundo com baixas”, ressalta. A empresária ainda fala sobre os possíveis problemas logísticos que surgirão caso a medida se concretize: “Vai criar transtorno tanto para quem fornece quanto para as autoescolas, que precisarão devolver. Não é um extintor pequenininho, mas uma coisa grande e cara”, complementa relembrando outro tema alvo de polêmica.

“Até o endereço mudou”

A autoescola deve seguir normas técnicas específicas para comportar o equipamento, como refrigeração e área exclusiva. Por conta disso, muitos proprietários precisaram realizar obras e investimentos em suas autoescolas. Uma delas é Layza Gomes, dona da autoescola Manchester, que precisou efetuar mudanças em sua sede para conseguir se adaptar à nova ferramenta, ainda em 2015, sendo a primeira autoescola da cidade a comprar o equipamento, no valor de R$ 45 mil – na época, preço equivalente a um automóvel 1.6, quatro portas.

“Realizamos uma mudança enorme por conta de espaço. Estávamos na Floriano Peixoto, com aluguel mais barato, mas precisávamos de mais espaço para colocar o simulador. Aumentou o aluguel, aumentou tudo por conta do simulador. Até o endereço mudou”, relata. Quem também precisou adaptar o espaço da empresa para atender as especificações exigidas foi Wanderson. “Investimos na construção de uma nova sala que ficará sem uso, a princípio”, projeta o proprietário, caso a resolução seja efetivada.

Algumas autoescolas tiveram que fazer investimentos para adaptar o espaço físico e instalar o simulador (Foto: Olavo Prazeres)

Eficiência em debate

O proprietário da autoescola Andorinha, Sebastião Luiz de Souza – conhecido como Tião Gato -, acredita que o simulador pode desestabilizar alguns candidatos e defende uma melhor divisão das aulas práticas. “O simulador é mais sensível do que o carro, alguns candidatos ficam assustados e outros até desanimam. Seria melhor as 25 aulas na rua do que 20 na rua e cinco no simulador”, afirma.

“A princípio, tirar as cinco aulas do carro e passar para o simulador não foi bom. Se somasse (às 25) seria melhor”, corrobora Rosana Alves, que ainda atribui ao equipamento uma função diagnóstica. “Nós conseguimos perceber o aluno que vai ter dificuldade no carro. Acaba sendo pequena a vantagem, mas ajuda nesses casos”, complementa.

Para o instrutor da autoescola Manchester, Silvio Fonseca, o simulador tem ajudado alunos que nunca tiveram contato com um automóvel. “O que pega mais é o medo de entrar no carro, alguns travam. Com o simulador, muitos alunos agradecem por ir para a rua mais tranquilos e conscientes”, relata. A proprietária da autoescola VM2, Mayara Moura, defende a importância do simulador para a aproximação do candidato com a direção. “A implantação foi benéfica para os alunos que diminuíram a necessidade de aulas práticas da categoria B, por já chegarem nessa etapa mais confiantes e por dentro da dinâmica de direção”.

Usuários falam sobre suas experiências

“Estávamos na Floriano Peixoto, com aluguel mais barato, mas precisávamos de mais espaço para colocar o simulador. Aumentou o aluguel, aumentou tudo por conta do simulador. Até o endereço mudou” afirma Layza Gomes, proprietária de autoescola (Foto: Olavo Prazeres)

O estudante de engenharia civil Wesley Do Vale, já habilitado a conduzir motocicletas (categoria A), passou pelo processo de formação em 2017 para dirigir carros (categoria B). Segundo ele, a etapa no simulador surtiu efeitos positivos por ser seu primeiro contato com o veículo. “Quando eu fui para o carro já tinha certa noção devido ao período no simulador. Acho que entre ir direto para a rua e para o simulador, é melhor o simulador”, afirma.

Para quem já possuía familiaridade com o volante antes de ingressar no processo de formação, Lincoln Bermudes, estudante de Farmácia, conta que a diferença entre o virtual e realidade é notável. “Entendo que é uma simulação, mas quando você pega o carro sente a diferença. No meu caso o equipamento que eu fiz as aulas ainda estava com uma folga no volante. Acho que a retirada não faria tanta falta. Mais aulas a noite e na estrada fariam mais diferença”, pontua.

A Tribuna realizou um levantamento com as autoescolas ouvidas para fazer uma estimativa dos valores cobrados por aula na rua e no simulador. Para aulas práticas o valor é de aproximadamente R$ 50, com algumas variações de até R$ 55. Já no equipamento, foi encontrado o valor médio de R$ 60, mas há um caso de valor superior. Projetando um retorno ao modelo original de 25 aulas práticas obrigatórias e comparando ao modelo vigente, haveria uma redução no valor final de R$ 50.

Entidade manifesta preocupação

Em nota, a Associação Nacional de Fabricantes de Simuladores Profissionais (Anfasp) expressou preocupação com a fala do ministro e defendeu o uso do equipamento. “A entidade acredita que, em nome de supostos processos mais facilitados, a população não possa ficar vulnerável nos aspectos que envolvem segurança, bem-estar social e aumento dos índices de mortes no trânsito”.

Ainda conforme o texto, a organização defende que o simulador não é o responsável por tornar mais lento o processo de obtenção da CNH. “Ao contrário disso, exatamente por possibilitar ao aluno fazer aulas noturnas em qualquer horário do dia, treinando sua segurança sem se expor aos riscos dessa prática nas vias públicas, a tecnologia acelera o processo de obtenção do certificado”.

Especialista diz que trânsito deve ser melhor

Segundo a doutora em Sociologia e especialista em violência no trânsito, Andreia dos Santos, ainda não há comprovação de que os simuladores são melhores para o processo de seleção e formação dos condutores. “Temos um problema muito mais de fundo, mais macro. Se tivéssemos um trânsito melhor gestado, com uma engenharia de tráfego melhor elaborada, ruas mais largas e uma outra proposta de infraestrutura de circulação de veículos essa questão de simulador e de um processo tão burocratizado não iam fazer a mínima diferença”, explica.

Para a especialista, o Brasil possui um grande processo de habilitação e talvez um dos mais burocráticos do mundo, mas que não qualificam nosso trânsito para ser um trânsito melhor. “Eu me pergunto, sai um condutor melhor desse processo todo? Será que nós temos um trânsito condizente com tanta exigência para habilitação? A gente precisa simplificar e desburocratizar e criar mecanismos mais seguros de trânsito que eu acho o mais importante nesse processo”, conclui.

 

* estagiário sob orientação do editor Eduardo Valente

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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