Folha de S. Paulo descobre esquema de venda de canais clandestinos de televisão

Políticos, empresários e igrejas fazem parte do mercado clandestino que vendem canais com sinal digital a R$ 1 milhão e sinal analógico a R$ 100 mil, de acordo com a reportagem 


Uma investigação feita pelo jornal Folha de S. Paulo e divulgada no último domingo, 16 de setembro, constatou que pelo menos 1.200 emissoras de televisão no Brasil operam com concessões ilegais. Em um dos casos, a Folha de S.Paulo ligou para o prefeito licenciado de Aracati (CE), Bismarck Maia (PDT), se passando por um comprador de uma rede religiosa registrada em nome da esposa de Bismarck chamada Fundação Vale do Jaguaribe, citada nos bastidores do mercado clandestino de operadores. A conversa aconteceu na quinta-feira, 13 de setembro, e foi gravada pelo veículo. O repórter demonstrou interesse em 14 retransmissoras do prefeito, porém, ele afirmou que possuía uma geradora e 16 repetidoras. O prefeito confirmou que faria o negócio, mas desconversou sobre valores. A informação recebida pela Folha é de que ele pedia R$ 5 milhões.

A conversa terminou com a promessa de novo contato diretamente com o pastor da igreja. Logo depois, a Folha ligou no celular de Maia para retomar o assunto. Foram várias chamadas sem sucesso. Posteriormente, o prefeito enviou uma mensagem por aplicativo a reportagem afirmando que não faz parte da diretoria, conselho ou administração da Fundação Vale do Jaguaribe, e disse que apenas quis ser cortês.

A Fundação Vale do Jaguaribe está registrada na Receita Federal em nome da mulher do prefeito, como presidente, e seus dois filhos como diretores. Eduardo Bismarck, filho mais velho, disputa as eleições para deputado federal pelo PDT. Maia se licenciou do cargo para acompanhá-lo na campanha. A legislação proíbe que políticos tenham emissoras de rádio e TV. Mas como meio de burlar a lei, empresas são criadas em nome de laranjas. A  reportagem entrou em contato com Glaucia Bismarck, esposa do prefeito, mas não obteve resposta.

O mercado de canais clandestinos englobam empresários, igrejas e políticos que vendem e alugam emissoras. Segundo apurado pela reportagem, o canal com sinal digital pode chegar a R$ 1 milhão, já o analógico não custa menos de R$ 100 mil. Existem milhares de interessados em uma fila no Ministério das Comunicações para conseguir uma concessão, porém as facilidades que o mercado pirata proporciona os levam a recorrer a ilegalidade. .

Como funciona o esquema

Primeiro: o Ministério das Comunicações concede a instalação de retransmissoras de TV, gratuitamente, desde que esteja associada a uma geradora (emissora produtora de programação).

Segundo: o dono da retransmissora deve investir em até um ano pelo menos R$ 70 mil para instalar a estação e solicitar à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) o direito de uso das frequências e por onde vai trocar o sinal com a geradora.

Terceiro: como há falta de fiscalização, o dono do canal não instala as estações, nem solicita frequências à Anatel e começa a negociar o arrendamento/venda com políticos, igrejas ou empresários por meio de contratos de gaveta (quando o proprietário só emite uma procuração para que o novo dono possa administrar o canal, inclusive perante órgãos do governo). Sendo ilegal esta atitude.

Quarto: Instalada a retransmissora, o vendedor pode solicitar a troca junto ao Ministério das Comunicações. Quando se passa dois anos, o comprador pode ser legalizado como proprietário da mesma concessão.

Canais anunciados e dados do Ministério 

A reportagem da Folha de S. Paulo apurou com quatro operadores, que pediram para não ser identificados, que hoje existem ao menos 1.200 canais anunciados. As brechas legais do Ministério das Comunicações é o que movimenta o negócio ilegal. Os canais são concedidos pelo Ministério gratuitamente e só podem ser transferidos depois de três anos de operação. Os titulares não constroem nem solicitam a autorização, como citado acima. O prazo legal de regulamentação é de um ano, e não há punição prevista em lei para quem descumprir as regras. A pesquisa constatou a proliferação do comércio clandestino. Em cidades do interior, um canal analógico custa ao menos R$ 100 mil, segundo pessoas envolvidas nas operações de compra e venda. Caso a autorização possibilite a migração para o digital, a concessão de televisão chega a R$ 1 milhão.

De acordo com o MCTIC, atualmente existem 9.300 canais. Pelo menos 1.650 (18%) destes, não têm autorização da Anatel. Ou seja, não cumpriram questões burocráticas para ir ao ar. Nos bastidores apurados pela Folha, técnicos afirmam que o número aumenta para 3.000 devido à variação de dados. Os 1.200 canais negociados atualmente são parte do ‘estoque de outorgas’.

Outra causa para a expansão do comércio ilegal de concessões foi a partir de 2012, quando o então ministro Paulo Bernardo implantou uma política para que todos os locais de baixa renda no país tivessem acesso aos sinais de TV aberta. Após esta determinação, emissoras piratas com instalação nesses locais tiveram chance de sobreviver desde que se regularizassem. Um acordo feito com a Anatel garantiu que elas não seriam fechadas e, sim, multadas somente nas localidades que houvessem até três canais.

A.W

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