Produtores de leite afetados na tragédia de Mariana esperam reparação

Quatro anos após o rompimento da barragem da Samarco, ocorrido em Mariana (MG), produtores rurais que trabalhavam com gado leiteiro na região atingida não se sentem acolhidos pelo processo de reparação de danos. Eles reclamam, principalmente, do atraso nas indenizações e também da falta de uma solução para as suas propriedades. Todo este processo é conduzido pela Fundação Renova. A entidade foi criada conforme acordo firmado em março de 2016 entre a mineradora, suas acionistas Vale e BHP Billiton, o governo federal e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo.

Os 39 milhões de metros cúbicos de rejeitos que se espalharam pelo meio ambiente causaram perdas para além dos limites das comunidades de Bento Rodrigues, Paracatu e Gesteira, municípios que estão sendo reconstruídos para abrigarem cerca de 400 famílias que perderam suas casas. “Centenas de fazendas foram invadidas pela lama. Animais morreram. Foram destruídas estruturas como cercas, mata-burros, currais e casas”, lamenta Marino D’Angelo. No seu terreno, a lama levou a vida de cabras, porcos, galinhas. Sua área de pasto não foi atingida, mas bois morreram atolados quando tentaram se aproximar do rio para beber água.

A produção leiteira é a principal atividade agropecuária nas fazendas que ficam no trecho mais atingido, que vai de Mariana até a Usina de Candonga, no município de Santa Cruz do Escalvado. Atualmente membro da comissão de atingidos da tragédia, Marino é ex-presidente da Associação dos Produtores de Leite de Águas Claras e Região (Aplacar). Através da entidade, o produto dos associados é distribuído em diversos distritos das cidades de Mariana e Barra Longa. Graças à Aplacar, eles conseguiam um preço mais competitivo do leite, o que beneficiava a todos, sobretudo os pequenos produtores.

Após a tragédia, todo o leite extraído foi perdido, já que não era possível escoá-lo com as estradas obstruídas. Os terrenos de aproximadamente metade dos associados foram invadidos pela lama. Com a queda na produção, a sustentabilidade da entidade foi prejudicada. Para Marino, mesmo os associados que não tiveram o terreno invadido pela lama também devem ser reconhecidos como atingidos, pois o impacto na Aplacar afetou a todos.

“Toda a estrutura que montamos foi comprada em conjunto graças à associação. Nós chegamos a vender 10 mil litros por dia e um único ponto de coleta, o que é raro. Agora as pessoas perderam a capacidade de produção. Muitos já desistiram da atividade. E alguns dos maiores produtores estão deixando a Aplacar porque ela deixou de ser atraente. Acham melhor vender leite sozinhos. Sempre que sai um produtor, todos perdem”, explica. Marino foi presidente da Aplacar durante 12 anos. Após a tragédia, teve que deixar a função porque ficou inadimplente e a entidade precisou ser desvinculada de seu CPF para receber recursos destinados a um projeto selecionado em edital da Fundação Banco do Brasil.

“Foi como se eu tivesse perdido um filho, porque eu me dediquei muito à associação. E graças a ela, cheguei a produzir em torno de 800 litros de leite por dia. Tinha mês que minha receita era R$ 23 mil bruto. Agora tem mês que eu fecho no negativo. Eu precisava produzir no mínimo 400 litros por dia pra não fechar no vermelho e manter a estrutura que eu tinha. Mas não consigo. E o maior bem que nós temos aqui na roça é a palavra. Eu nunca fiquei inadimplente na vida. É a primeira vez. Precisei vender minhas coisas. Eu tinha um gado bom e vendi novilhas para segurar meu nome, mas chegou um ponto que a renda não é mais suficiente”, lamenta o produtor.

Wilson dos Santos, de 78 anos, também era membro da Aplacar. Mais da metade da sua propriedade foi tomada pela lama. A casa onde morava não caiu, mas está interditada porque a estrutura foi afetada e as paredes estão rachando. Sobreviveram em sua propriedade cerca de 30 cabeças de gado, que foram levadas para uma fazenda da Fundação Renova, onde estão reunidos animais de diversos atingidos. Sua filha, Sônia dos Santos, afirma que as vacas emagreceram.

“Meu pai vivia do leite e agora só conta com o auxílio emergencial mensal que é uma mixaria. Além disso, ele também plantava de tudo. Não faltava nada pra gente. Arroz, feijão, mandioca. Agora ele não mexe com mais nada”, lamenta. O auxílio mensal emergencial garantido pela Fundação Renova correspondente a um salário mínimo, acrescido de 20% para cada dependente, além do valor de uma cesta básica. Ele é pago aos atingidos que perderam sua renda profissional, mas não se confunde com a indenização que envolve uma outra negociação.

Aos 32 anos, Sônia já vivia no centro de Mariana quando ocorreu a tragédia. No entanto, ela entende que deveria ter sido reconhecida pela Fundação Renova como atingida. “Eu não tive direito a receber nenhum auxílio. E lá também era minha casa, onde eu cresci. Todo fim de semana estava lá. E tudo que meu pai plantava ele dava pros filhos. Era tudo do bom e do melhor e eu levava o que eu precisava. Não comparava quase alimento nenhum em mercado. Agora preciso tirar do bolso”.

O terreno de Wilson, segundo sua filha, não é passível de recuperação e ele foi incluído no programa de reassentamento familiar, que pressupõe a aquisição de outra propriedade. “Nós já achamos um terreno compatível com o que tínhamos. Lá cabe as criações do meu pai, dá para ter a horta que ele tinha. Mas o processo não avança”, lamenta Sônia. Ela afirma que a Fundação Renova quer comprar uma propriedade com 50% do tamanho original, já metade do terreno pertenceria a uma tia, que também requereu indenização. “Mas quem produzia na terra era meu pai e ele não vai conseguir retomar a produção em metade da área que possuía”, pondera.

Reparação

O processo de reparação das propriedades rurais conduzido pela Fundação Renova envolve, inicialmente, a elaboração um Plano de Adequação Socioeconômica e Ambiental das Propriedades Rurais (Pasea) para cada terreno. Ele elenca medidas a serem adotadas na propriedade. Marino, no entanto, afirma que não aderiu ao Pasea porque não concordou com condições que foram exigidas. “A primeira coisa que tem que prevalecer é a confiança. Essa relação não foi construída. A impressão é de que estamos sempre sendo enrolados”, avalia Marino.

De acordo com Gabriel Kruschewsky, engenheiro florestal da Fundação Renova, 168 das 235 propriedades que a entidade mapeou como atingidas já aderiram ao Pasea na íntegra. Ações já estariam em curso desde 2017, com previsão para serem concluídas em 2021. Também é garantida assistência técnica até 2023. Entretanto, segundo Kruschewsky, há produtores que exploravam área de proteção ambiental contra o programa.

“A adesão é voluntária. E para receber o Pasea como um todo, os produtores precisam aceitar a adequação ambiental. Cerca de 40 produtores não aceitam as ações de adequação ambiental e, assim, deixam de receber uma série de medidas propostas no Pasea. Nessas propriedades, serão feitas apenas ações reparatórias. Ou seja, recuperação da área que foi atingida pela lama e reconstrução de estruturas atingidas. Isso será feito. É nossa obrigação. Mas as melhorias que poderiam ter a partir do Pasea, deixam de receber”, disse o engenheiro florestal.

Kruschewsky conta que o trabalho com os produtores de leite se dá em três eixos. O primeiro é a recuperação das pastagens, que inclui as áreas atingidas pela lama e também outras que já estavam degradadas em decorrência de um manejo inadequado no processo de produção. “Outro eixo é a infraestrutura, melhorando currais, fornecendo tanque de leite. Um produtor que fazia a ordenha na mão pode passar a fazer a ordenha mecânica. São melhorias que podem ocorrer se o Pasea indicar que elas são importantes para a retomada da produção. E o terceiro eixo é o melhoramento genético do rebanho, a partir de técnicas de inseminação artificial. Então a expectativa é de que não apenas recupere, mas aumente a produção leiteira na bacia”, acrescenta Kruschewsky.

Agência Brasil 

 

 

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