Servidores da segurança cobram atenção ao sofrimento mental

Aumento do suicídio entre profissionais estaria ligado à sobrecarga e a uma cultura de descaso com problemas emocionais.

Com 34 casos registrados este ano até a primeira semana de outubro, segundo dados da ONG Defesa Social, o suicídio entre policiais e agentes penitenciários e socioeducativos precisa ser combatido com suporte emocional, enfrentamento do machismo, combate ao assédio moral nas corporações e melhorias nas condições de trabalho.

Ao lado de maior transparência e menos tabu para falar sobre o assunto, medidas como essas foram defendidas por parlamentares e entidades da categoria, em audiência pública que discutiu o assunto nesta sexta-feira (4/10/19), na Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).

A reunião teve momentos de emoção em alguns dos relatos, que culminaram com a defesa de que seja implementada no Estado uma política pública voltada para a saúde mental desses servidores, de forma a favorecer não só o diagnóstico de doenças como a depressão, que podem levar ao autoextermínio, mas também a prevenção.

“O problema tem que ser olhado no conjunto, levando em conta o parcelamento dos nossos salários, a falta de efetivo, a sobrecarga, a pressão da gestão dos quartéis e as transferências que mudam a vida do policial”, afirmou Álvaro Rodrigues Coelho, presidente do Centro Social dos Cabos e Soldados da Polícia Militar e Bombeiros Militares de Minas Gerais.

Segundo Robert Carvalho, presidente da ONG Defesa Social, em todo o ano passado, vieram a público sete casos de suicídio entre servidores da segurança pública, número muito inferior aos 34 casos registrados apenas até outubro deste ano.

Para Carvalho, ainda não há um trabalho sistemático de prevenção, apenas intervenções esporádicas.

Agentes penitenciários – Especificamente na Polícia Civil, ele apontou como uma das maiores pressões no ambiente de trabalho a falta de efetivo. Contudo, a situação mais grave com relação ao adoecimento e à ausência de assistência estaria entre os agentes penitenciários, conforme relatou Adeilton Rocha, que preside o sindicato da categoria em Minas.

Ele informou que, este ano, 1.891 agentes foram afastados do trabalho em algum momento por transtornos mentais e comportamentais, o que representa quase 10% de todo o efetivo. Somente entre a categoria, destacou Adeilton, foram registrados quatro suicídios e oito tentativas em 2019.

PM – Entre policiais militares até haveria a oferta de atendimento psicológico e de saúde pelas corporações ou na rede conveniada, segundo o presidente da Associação dos Servidores do Corpo de Bombeiros e Polícia Militar de Minas Gerais (Ascobom), sargento BM Alexandre Rodrigues.

Contudo, o modelo institucional, no seu entender, não gera a confiança necessária para que o servidor busque atendimento. “Tenho depressão e me cuido com profissional particular, porque tinha medo do sistema”, desabafou, ao denunciar que as juntas médicas e os profissionais de saúde, apesar de competentes, não serviriam à categoria, mas ao comando das corporações.

Um indício disso estaria no fato de colegas doentes não terem a coragem de buscar ajuda, por medo de represálias, como troca de postos de trabalho, ou mesmo para não serem vistos como preguiçosos ou ruins de serviço.

Na mesma linha, Iderli Rocha, mãe do soldado Felipe, que já tentou se matar inúmeras vezes desde 2011, fez um relato emocionado. Acompanhada de seu filho, que estava com o pé imobilizado, fruto da última tentativa de suicídio, ela se queixou do tratamento que ele vem recebendo do serviço médico da PM.

Conforme relatou, Felipe, atualmente lotado em Divinópolis (Centro-Oeste), já teve negadas a transferência para Belo Horizonte, solicitada para que ele pudesse ter um acompanhamento mais presente da família, e licenças médicas, tendo em vista que seu sofrimento mental não poderia ser comprovado por exames físicos, como raio-X, ou não seria resultado de transtornos de personalidade diferentes dos já identificados.

Parlamentares defendem mudanças na cultura das corporações

O deputado federal Subtenente Gonzaga (PDT-MG) pediu que os próprios policiais tenham autocrítica para avaliar que tipo de comportamento têm com os colegas que estão em tratamento ou que retornam ao trabalho após alta médica.

Ele disse que a discriminação é quase um senso comum, e que isso, somado ao preconceito social e à vigilância institucional, faz com que o servidor procure ajuda só quando a situação já chegou ao limite.

Já o deputado Sargento Rodrigues (PTB) mencionou pesquisas para mostrar que o número de suicídios é cinco vezes maior entre policiais do que no restante da população. “É preciso tratar o tema com transparência, mas, ao longo de décadas, os comandos não quiseram fornecer dados sobre o assunto”, criticou.

Em consonância com depoimentos apresentados na audiência, o parlamentar destacou que, muitas vezes, um policial que fica afastado por questões de saúde encontra no retorno não o acolhimento, mas punições, como a mudança para um posto pior.

Sargento Rodrigues também alertou para o machismo que ainda existe no ambiente policial, o que impede o militar de demonstrar fragilidade ou a necessidade de tratamento.

Para reverter esse quadro, ele defendeu ações preventivas cotidianas, com início ainda na academia, como parte da formação do servidor.

“Temos que ter uma política de prevenção, e não jogar a poeira para debaixo do tapete”, endossou o deputado Bruno Engler (PSL).

Executivo apresenta medidas em curso

Representantes da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública, das Polícias Civil e Militar e do Corpo de Bombeiros apresentaram ao público presente as medidas que estão sendo tomadas em Minas Gerais para a prevenção e o combate ao problema.

Andreza Rafaela Gomes, subsecretária de Prevenção à Criminalidade, informou que estão sendo revisados os procedimentos de atendimento aos agentes prisionais e socioeducativos e realizadas visitas às unidades, com a disponibilização de atendimentos individuais ou em grupo.

A tenente-coronel PM Elaine Andrade destacou a reformulação de programas da PM para o acompanhamento psicológico de servidores em situação de estresse agudo, a oferta de 1,2 mil psicólogos e de cerca de 400 psiquiatras na rede conveniada para o atendimento da tropa, assim como a inclusão da saúde mental entre os temas trabalhados ainda no treinamento básico dos policiais.

A médica-legista Naraí Paulino, por sua vez, explicou que a Polícia Civil trabalha hoje com uma linha de estudo dividida em três subtemas: os casos de suicídio consumados, o reconhecimento das doenças mentais e o apoio às famílias.

No Corpo de Bombeiros, de acordo com a coronel BM Andréia Batista, o programa de saúde ocupacional incorporou instrumentos para rastrear o sofrimento mental nos servidores, os quais, a partir de uma consulta compulsória com um psicólogo, podem ser liberados para o trabalho, receber acompanhamento médico na própria corporação ou mesmo fora, na rede conveniada.

 

 

Fonte: Assembleia Legislativa de Minas Gerais

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