Tecnologia amplia inclusão de deficientes no TJMG

Diretoria de Informática da Casa investe no potencial desses profissionais

Adoniran Ênio Alves Andrade tinha 15 anos quando descobriu uma doença na retina, seguida de um prognóstico sombrio: perderia a visão dos dois olhos. Adolescente, não acreditou no que o destino havia traçado para ele, até que, com pouco mais de 20 anos de idade, os sintomas começaram, e, com eles, as angústias e as limitações.

Aos poucos, barreiras foram sendo impostas: primeiro, parou de dirigir; pouco depois, não conseguia mais ler. Doze anos atrás, com 30 anos de idade, já não enxergava. “Eu tinha um filho pequeno e me perguntava: ‘Como farei para sustentá-lo?’ Essa era a minha maior preocupação”, lembra.

Em busca de segurança para o futuro, Adoniran resolveu estudar para concursos públicos. “Ficar deprimido não me ajudaria em nada, então decidi ir à luta”, conta. E foi assim que conquistou, em 2013, uma vaga no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

Assistente técnico de sistemas, o servidor é hoje uma das 10 pessoas portadoras de deficiência que atuam na Diretoria Executiva de Informática (Dirfor) – outras cinco delas são deficientes visuais, como Adoniran. Trata-se de um universo de profissionais cujas possibilidades no mundo do trabalho têm sido ampliadas pelas novas tecnologias.

“Logo que comecei aqui, recebi uma tarefa pequena, simples, e me senti frustrado, porque sempre trabalhei muito e fui muito produtivo”, conta Adoniran. Aos poucos, com conhecimento do funcionamento de todo o setor, ele foi pedindo acessos a mais sistemas “e conseguindo carta branca da chefia”.

Mas, ressalta Adoniran, não só a postura dele foi importante nesse processo. “As tecnologias assistidas, como os softwares de leitores de tela e de voz, permitem a nós, deficientes visuais, atuar em praticamente todas as atividades e nos sentir efetivamente úteis e produtivos.”

Hoje, o servidor conta que há atividades na Dirfor que são exclusivas dele. “São tarefas que se encontram sob minha responsabilidade. Tenho um espaço de produtividade à altura da minha capacidade, estou na linha de frente do que acontece no setor”, diz.

Tecnologia assistida

Juiz auxiliar da Presidência do TJMG e coordenador da Dirfor, Delvan Barcelos Júnior observa que a maioria das atividades do Judiciário mineiro é feita em meio eletrônico, o que facilita o desenvolvimento das atividades profissionais por esses servidores, sendo o público formado pelos deficientes visuais um dos grandes favorecidos pelas novas tecnologias.

“Os portadores de deficiência apresentam um rendimento sempre muito bom, em comparação com os demais servidores, e executam as tarefas com muita precisão, o que é muito importante para nós”, afirma. Para garantir o pleno acesso dessas pessoas às atividades que irão desenvolver no Tribunal mineiro, a Dirfor prospecta as ferramentas disponíveis no mercado, acrescenta o magistrado.

Para servidores com variados níveis e tipos de limitação, a Dirfor adquiriu equipamentos como softwares leitores de voz, ampliadores de tela, sintetizadores de voz e equipamentos como scanner com voz, lupas para baixa visão, fones especiais de ouvido e uma impressora em braile, entre outros itens.

O diretor da Dirfor, Antônio Francisco Moraes Rolla, explica que a diretoria avalia as soluções tecnológicas para cada deficiência e, ao adquirir equipamentos e softwares, leva em conta as necessidades individuais do servidor portador de deficiência.

“Buscamos estar sempre preparados para acolher essas pessoas, quando elas chegam aqui, e temos liberado nossos profissionais portadores de algum tipo de deficiência para fazer a orientação a outros setores e a outros servidores com a mesma deficiência”, conta.

Essa troca de experiência, avalia, permite que tecnologias, boas práticas e bons procedimentos da Dirfor possam ser replicados para outro setores. “Esse legado abre a perspectiva para esses servidores e seus gestores sobre como o potencial desses profissionais pode ser melhor utilizado pelo setor”, acrescenta.

Oportunidades de trabalho

“Quando você fecha os olhos, você continua sendo a mesma pessoa”, observa Leonardo Pinto Ribeiro, servidor do TJMG desde 2009, em um esforço para explicar para as pessoas que não têm deficiência visual e que, excluindo o fato de ele não enxergar, as outras capacidades estão preservadas.

De acordo com Leonardo, não é assim que o mundo enxerga o deficiente visual. Por isso, ele nunca conseguiu uma oportunidade de trabalho em empresas privadas. “As pessoas não acreditam na nossa capacidade”, diz. Por isso, ele decidiu cursar Direito, com o objetivo de fazer concursos públicos.

Ao ser nomeado no TJMG, Leonardo iniciou suas atividades em um setor no qual, afirma, não foi bem aproveitado, recebendo como tarefa uma atividade extremamente aquém de suas potencialidades. Ao se transferir para a Dirfor, novas oportunidades se abriram para ele.

“Na Diretoria de Informática, tive contato com a tecnologia e diferentes sistemas, e hoje realizo todo tipo de serviço, tarefas que não imaginava. Sinto-me realmente parte da Informática”, conta Leonardo, que trabalha com orçamento, conferindo valores em notas fiscais que precisam ser assinadas por ele com o mais absoluto rigor numérico.

A tecnologia, declara Leonardo, “abriu meus olhos”. “Sem ela, não tem como o deficiente visual trabalhar. Por isso, ela se tornou fundamental para nossa inclusão no trabalho”, diz o servidor, que atua na assessoria técnica da Dirfor tendo como uma das principais ferramentas de trabalho o software NVDA, que é um leitor de tela.

Quebrar paradigmas

Coordenador da área de desenvolvimento de sistemas administrativos da Dirfor, o servidor Márcio Penido também considera a tecnologia uma importante aliada para a inclusão das pessoas portadoras de deficiência.

O servidor, que também é deficiente visual, apresentando grau elevado de baixa visão, participou da criação do setor de informática do Tribunal mineiro, onde atua desde 1991, e há cerca de duas décadas como gestor. “Antes, o mundo era todo no papel. Então, surgiram os scanners, e qualquer documento pode agora ir para um computador e ser lido pelo deficiente visual”, explica.

Mas, avalia, “o mundo ainda é feito para quem enxerga, só depois vêm as adaptações”. Por isso, ele acredita que a postura da pessoa portadora de deficiência é fundamental para que paradigmas sejam quebrados. “A responsabilidade é nossa: precisamos mostrar que somos capazes e mostrar resultados, pois a sociedade não conhece nosso potencial”, ressalta.

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, Lei 13.146, de 2015, busca assegurar e promover, “em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania”.

Um dos capítulos da lei, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, é dedicado ao Direito ao Trabalho, onde está expresso que a pessoa com deficiência tem direito ao trabalho de sua livre escolha e aceitação, em ambiente acessível e inclusivo, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas.

“O TJMG vem observando a Lei 13.146/2015, para que essas pessoas tenham iguais oportunidades aqui. Temos a segurança e a garantia de que o trabalho que esses profissionais prestam é de excelente qualidade, e a tecnologia pode auxiliá-los a ajudar o Judiciário a cumprir sua missão de distribuir a justiça”, conclui o juiz Delvan Barcelos.

Ouça o podcast com entrevistas sobre o assunto:

Fonte: TJMG

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