Ataques à imprensa ficam mais frequentes e preocupam profissionais

As agressões a jornalistas têm crescido país afora. Em tempos de acirramento de ânimos partidários e demonstrações de ódio à imprensa, populares partem para as vias de fato, ameaçam, quebram equipamentos, perseguem repórteres pelas ruas e, mais recentemente, desferiram chutes e socos. No Brasil, o comportamento do presidente da República, Jair Bolsonaro, chama atenção ainda por sua relação conflituosa com a categoria que, por vezes menosprezou e mandou que calasse a boca, quando se sentiu incomodado por alguma pergunta. Os simpatizantes têm seguido o discurso do político e colocado em prática a aversão aos comunicadores. Em pouco tempo foram três agressões: ao fotografo da Folha de S. Paulo, Dida Sampaio; à repórter da Band, Clarissa Oliveira e ao repórter cinematográfico da TV Integração, Robson Panzera; duas ameaças por escrito, no tapume ao lado do hospital das Clínicas, em Belo Horizonte e no Twitter, no Instagram do jornalista do portal BHAZ, Vitor Ramos Fórneas e uma série de ameaças veladas, por meio das mídias sociais. Álbum pessoalDileymárcio de Carvalho: ''Toda vez que uma ideologia é reforçada, a intolerância ganha os impulsos de perversões''Questionado se o cenário vivido no país é de intolerância à opinião do outro, o publicitário, jornalista, psicólogo Clínico Comportamental e professor universitário há 19 anos, Dileymárcio de Carvalho, explica que não gosta da palavra tolerância, porque representa algo a ser suportado. “Agredir é sempre uma ação de quem não tem nada a dizer. Há um represamento de sentimentos e emoções nas relações pessoais reforçadas pelas mídias sociais. Só que lá as agressões são verbais, um outro tipo de violência, mais ‘tolerável’. Na perspectiva dos comportamentos de massa, sempre reforçados por opiniões, a agressão virtual agora é real. Passamos os últimos anos apenas assistindo pelas redes, agora elas se materializaram. Então, o represamento da agressão se soltou”, avalia.Tolerância x respeitoDileymárcio de Carvalho salienta que o respeito é natural ou naturalizado nas relações emocionais, de convivência e cidadania. A tolerância pode ser apenas um ato de suportar, tem data de validade e pode explodir a qualquer momento. Para ele, o discurso da tolerância precisa ganhar outros aspectos. Empatia, colocar-se no lugar do outro é o maior exercício para o respeito. O professor frisa que o Brasil vive um teste da democracia. “Respeitar diferenças em regimes totalitários não é uma escolha. Então, as diferenças políticas e de todas as ordens não precisam ser respeitadas sob controle. Daí o que vemos são perfis comportamentais, de personalidades e caráter, perdidos diante do ‘pode tudo’. Temos também a figura do presidente da República como confronto à desconstrução de uma ordem social, por décadas mascarada pela corrupção. Na mediação disso tudo está a imprensa tradicional, que ainda vai aprender a separar ideologia de fatos. Porque toda vez que uma ideologia é reforçada, a intolerância ganha os impulsos de perversões e da própria intolerância”, reforça.  Álbum pessoalLeonardo Morelli pondera que pessoas não querem informações contrárias àquelas que desejamO psicólogo Leonardo Morelli acredita que antes de ressaltar a questão da violência, é preciso pensar em dois pontos primordiais: a comunicação e a falta de informação. “Temos como principal objetivo da comunicação levar informação às pessoas, mas hoje temos tantas informações, que acabam trazendo prejuízo para a própria comunicação e para as pessoas buscarem alguma utilidade por meio dela. Não conseguimos absorver isso e em meio ao excesso, temos ainda as fake news, que geram mais confusão”, opina.Morelli lembra que a internet é uma ferramenta importante, pois é possível escolher a informação. “Posso entrar num museu em Paris ou buscar uma fofoca sobre um artista ou partido político, ou até mesmo coisas que não têm valor nenhum. Estamos escolhendo as que são frívolas, isso é consequência da falta de cultura e informação adequada, ou das escolhas que fazemos quando queremos ser informados. Outro detalhe é que as pessoas têm informações distorcidas. Temos um líder, um presidente que fala o que vem à cabeça, sem pensar nas consequências e gera certos comportamentos e certa aversão à verdade. E como é mais fácil acreditar na mentira, as pessoas começam também a agredir os canais de comunicação que possam levar informações contrárias àquelas que desejam”, analisa. Álbum pessoalVitor Ramos Fórneas foi verbalmente agredido após veiculação de matéria Profissionais lamentam cenárioO jornalista Vitor Ramos Fórneas, do portal de notícias BHAZ, de Belo Horizonte, foi ameaçado por meio de sua conta no Instagram. A agressão veio após ele ter apurado e divulgado material sobre atividade esportiva irregular durante o distanciamento social, imposto pela prefeitura da capital e Governo de Minas Gerais. Um dos envolvidos no fato denunciado mandou uma mensagem de áudio para o repórter, com palavras pouco amistosas e prometeu que iria “achar” Vitor. Ele, que trabalha como repórter há três anos, lamenta que as ameaças sejam cada vez mais frequentes. “Acredito que todos nós somos formadores de opinião, mas há pessoas na sociedade que conseguem influenciar de uma forma mais forte, que são as autoridades políticas. Para mim, desde o impeachment da ex-presidente Dilma (Rousseff, PT) que os ânimos políticos no país ultrapassaram o limite do tolerável. A ex-presidente era muito hostilizada pelo fato de ser mulher, por exemplo. De lá pra cá, os ânimos partidários ficaram mais acirrados, a intolerância foi propagada cada vez mais. Atualmente, esse comportamento se transformou em ataques contra a imprensa. Infelizmente acredito que isso é reforçado pelas nossas autoridades”, destaca. Medo Vitor não havia sido alvo de agressões antes e diz ter ficado receoso ao sair de casa. “Não digo medo, mas a gente fica pensando ‘será que tem alguém me seguindo?’ Depois do primeiro impacto, vi aquilo como injeção de ânimo para continuar a fazer meu trabalho. Se estamos incomodando é porque estamos fazendo bem feito e a ideia era essa mesmo. Somos atacados por fazer nosso papel. Acredito que essa intolerância em relação a nós é uma soma de fatores. Não tiraria nosso corpo fora, talvez possamos ter ultrapassado alguma linha, enquanto imprensa, não me recordo de algum exemplo. Mas o fator preponderante para isso acontecer vem das lideranças políticas, que acabam incitando o ódio contra nós”, afirma. Reprodução de vídeo TV IntegraçãoEquipamentos foram danificados por empresário enfurecido que atacou repórter em BarbacenaTV Integração O repórter cinematográfico Robson Panzera, da equipe da TV Integração, afiliada da Rede Globo em Barbacena, passou por maus momentos quarta-feira (20). O Diário do Aço conversou com a colega de Panzera, a jornalista Thaís Fullin, que trabalhou no extinto Jornal Vale do Aço, InterTv dos Vales e TV Uni.   A repórter conta que Robson estava do lado de fora fazendo imagens da fachada da Escola Preparatória de Cadetes do Ar (Epcar), da Aeronáutica. “Esse homem, que a gente nem conhece, passou de carro e começou a filmar com um celular e a xingar. Dentre outras coisas, falava ‘Globo lixo, mentirosa’, essas coisas que lamentavelmente estamos acostumados a ouvir. Nesse momento o Robson disse a ele que não deveria estar filmando e dirigindo ao mesmo tempo, o homem ficou enfurecido e desceu do carro. Ouvi o sujeito ameaçar que chutaria o tripé com a câmera em cima e de fato o fez, depois disso o repórter cinegrafista tentou defender o equipamento e dois começaram a brigar”, recorda. Thaís conseguiu registrar a agressão com seu celular e diz ter ficado estarrecida. “Um senhor, que se achou no direito de agredir uma equipe de TV que estava trabalhando, simplesmente porque não gosta e não concorda com a linha editorial da Globo e convicto de que estava certo. Dizia que a emissora estava aterrorizando este país e que não aguenta mais. Na hora fiquei muito nervosa, gravei o vídeo tremendo, mas senti que era o que poderia fazer de mais útil, para mostrar como aquilo estava errado e para que não saísse impune”, concluiu. Entidades representativas querem punição exemplar a agressores Os seguidos casos de agressão aos meios de comunicação e aos profissionais têm gerado reações de entidades representativas que falam em “punição exemplar”. A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), entidade patronal, publicou nota segundo a qual repudia os atentados. No caso de Barbacena, a entidade também pediu às autoridades a apuração da agressão à equipe da TV Integração e punição do agressor. A Associação Mineira de Rádio e Televisão (Amirt) também emitiu nota repudiando a agressão. Os representantes dos trabalhadores do setor também têm agido. No caso de Barbacena, o Sindicato de Jornalistas Profissionais de Juiz de Fora, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais e a Federação Nacional dos Jornalistas manifestaram repúdio à agressão contra os profissionais. O SJPMG também divulgou que acionou o Ministério Público para que acompanhe a apuração das ameaças feitas contra jornalistas em Belo Horizonte.

Postado originalmente por: Diário do Aço

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