José Rodrigues do Amaral, pioneiro da imprensa no Vale do Aço

José Célio

Pioneiro da imprensa regional, José Rodrigues do Amaral trabalhou em rádio, TV e estruturou o primeiro jornal diário do Vale do Aço

Aos 82 anos, chamar José Rodrigues do Amaral de ‘Carioca’ é exagero. Nascido no bairro de Vila Isabel, em 1935, ele deixou o Rio de Janeiro ainda na adolescência. Desde os 18, vive em Minas. Aqui trabalhou, casou, teve filhos e fez história. É um dos últimos pioneiros vivos da imprensa regional. Fez parte dos mais antigos jornais do hoje Vale do Aço, inclusive de o ‘Canaã’, fundado no fim dos anos 1950, em Coronel Fabriciano.

Depois, junto com Euclides Diogo Sabará, um dos grandes da imprensa do interior mineiro, fundou o ‘Flan’ (Fatos, Literatura, Anúncios e Notícias), revitalizou na década de 1970 o ‘Diário da Manhã’, e teve participação importante na época de ouro do jornalismo esportivo radiofônico da região. Enveredou ainda pela televisão. Portanto, pode-se dizer que esse homem escreveu a história do Vale do Aço, de fato.

Antes de chegar a Timóteo, em 1953, para trabalhar na antiga companhia Acesita, em sua infância ajudava o pai, que era feirante. Nessa atividade, conheceu o Rio de Janeiro da zona norte a zona sul, pois cada feira era realizada num bairro diferente. Aos 15, teve a rara oportunidade de ver sua cidade sediar uma Copa do Mundo.

Experiência um tanto desagradável (aliás, Copa do Mundo no Brasil, é sempre assim). Mas, até a tragédia do Maracanazzo, assistiu a Brasil 4 x 0 México, Brasil 6 x 1 Espanha, quando quase 200 mil torcedores cantaram ‘Touradas em Madri’, a marchinha de carnaval composta em 1938 por Braguinha e Alberto Ribeiro. Na mesma proporção inversa da euforia estratosférica, o garoto José Rodrigues do Amaral presenciou, ou melhor, ouviu o “silêncio ensurdecedor, que machucava o ouvido”, depois do segundo gol do Uruguai, marcado pelo atacante Ghiggia na final do mundial.

Aos 18 anos, em 1953, após concluir o curso ginasial, José Rodrigues do Amaral estava desempregado, mas aconselhado por um padrinho de batismo, que era cobrador de bonde da Light, veio para o interior mineiro trabalhar na Companhia Aços Especiais Itabira, a Acesita. Aprovado nos testes de português e matemática, foi selecionado para trabalhar na Divisão de Obras da siderúrgica, que naquela época ainda construía moradias para seus funcionários nos incipientes bairros Bromélias, Vila dos Técnicos, Funcionários e Olaria.

Arquivo DA

Antiga rotativa do Diário do Aço, sucessor do Diário da Manhã, que marcou o início da circulação de um jornal diário na região

Como outros empregados da Acesita, onde trabalhou apenas onze meses, hospedava-se na famosa pensão da dona Gafi, que ficava em frente ao não menos famoso Elite Clube. Em 1954, José Rodrigues do Amaral, que já era conhecido como ‘Carioca’, vai trabalhar com João Alves de Azevedo, pai do empresário Célio Azevedo, na empresa responsável pelas obras de infraestrutura dos bairros construídos pela companhia. É dessa época sua primeira incursão pelo que poderíamos chamar de ‘jornalismo’, isto é, um serviço de alto-falante que funcionava na Praça da Acesita após os jogos de domingo.

O noticiário era lido por um locutor amador, Benedito Drumond, enquanto o próprio ‘Carioca’ era responsável por uma crônica que sempre abordava (nem sempre de maneira favorável) a Liga Acesitana de Futebol (LAF), que por sinal, teve sua participação na criação, com Euclides Diogo Sabará, Hélio Magnani, Kléber Barbosa e outros desportistas.

Fusca vermelho

Por volta de 1961, o jornal fabricianense ‘Canaã’, fundado dois anos antes, não andava lá muito bem das pernas e um de seus proprietários, Wenceslau Martins Araújo, um dos primeiros empregados da Acesita e depois sócio de uma ampla rede de cinemas, convenceu João Alves de Azevedo a ceder por algumas horas diárias o seu dinâmico funcionário. ‘Carioca’ teria a função de superar as dificuldades financeiras e editoriais da folha, cuja sede ficava no início da rua Maria Mattos.

Com circulação mensal e matérias de política e esporte (na época eram raros os B.O’s policiais) o ‘Cana㒠saía aos sábados com quatro a seis páginas e, por falta de clicheria, quase não publicava fotos, que eram sempre repetidas. O impressor, José Petronilho, ainda mora em Fabriciano. Com a voluntariosa participação de ‘Carioca’, o jornal deu uma alavancada. Em um mês começou a sair quinzenalmente e em três, saia semanalmente. A coluna social era assinada por Sabará.

Ditadura

Em 1963, ‘Carioca’ encerra sua colaboração no ‘Canaã’, mas continua na empresa de João Azevedo. Passa a colaborar no ‘Verdade Imprensa’, jornal fundado por Sabará que, por sua atuação combativa e falta de informações do governo militar, foi preso logo após o golpe de 1964 e levado para Juiz de Fora. “Ele não era comunista, apenas criticava duramente os políticos, de qualquer partido, e denunciava as falcatruas de certos comerciantes.

Certa vez, ele lia jornal num bar, quando foi atacado violentamente por um dono de mercearia, que trocava vales dos empregados da Acesita com ágio de 20% a 30%. Com um pesado cabo de enxada, ele quebrou um braço do Sabará e atingiu seriamente suas pernas e cabeça”, conta. Em outubro de 64, um encontro entre ‘Carioca’ e Sabará, em frente ao antigo Cine Marabá, em Timóteo, dá origem a um novo jornal. “Ele me convidou para fundar um jornal e eu brinquei que ele tinha acabado de sair da cadeia. Respondeu que, no jornal, todo mundo seria rico, bonito e honesto. Então fundamos o ‘Flan’, que significava fotos, literatura, anúncios e notícias”.

A sede do jornal era na própria casa de Sabará e ‘Carioca’ era responsável pelos anúncios e campanha de assinantes. Também levava o jornal para ser impresso em Belo Horizonte, onde fazia a revisão final. Voltava de ônibus até Nova Era, baldeava para o trem e chegava a Timóteo no sábado pela manhã. Quando a situação melhorou, a distribuição era feita num fusca vermelho 1966. O ‘Flan’ deu mesmo certo. Tanto que, ainda em 1964, ‘Carioca’ pediu demissão a João Azevedo para dedicar-se totalmente ao semanário.

Embora o jornal despertasse atenção e tivesse leitores esperando nas bancas, em 1969 saiu pela última vez. Nesse mesmo ano, ‘Carioca’ incursiona por um setor alheio ao jornalismo. Em sociedade com Wilson Teixeira Farias, ex-jogador do América Mineiro, monta uma churrascaria no Posto Bonanza, em Ipatinga.

Diário mudou a forma de se fazer comunicação no Vale

No fim de 1973 Carioca retornou à redação de um jornal, o ‘Diário da Manhã’, que funcionava na rua Belo Horizonte, em Ipatinga. Fundado por Wilton Rodrigues e José Francisco de Oliveira, era o primeiro diário do Vale do Aço. Embora assinasse uma coluna, ‘Carioca’ teve fundamental importância na evolução do jornal pelo volumoso aumento dos anúncios comercializados por ele, o que possibilitou o crescente número de assinantes e de exemplares vendidos nas bancas. Em 1975, vislumbra uma perspectiva maior e adquire o diário.

“Percebi que tinha condições de fazer a proposta e Antônio Brum, que na época era o proprietário, aceitou”. Sob a direção de ‘Carioca’, o ‘Diário da Manhã’, gerenciado administrativamente por Hormínio Amaral, entra numa nova fase e a partir de 1976 passa a funcionar em sede própria, com oficina e redação instaladas no bairro Cidade Nobre. Com a inestimável ajuda do padre holandês José Maria de Man, uma clicheria comprada de ‘O Jornal’, de Belo Horizonte, é restaurada por técnicos, inclusive europeus, altamente especializados da Universidade do Trabalho.

A novidade é que o sistema possibilitava a impressão de fotografias com agilidade e ótima qualidade, uma evolução que modernizou a imprensa regional. “O equipamento possibilitava fotografarmos um acidente ou um evento e a foto sair no jornal no dia seguinte. Foi um marco para o jornalismo do Vale do Aço”, relembra ‘Carioca’, sentado na varanda de seu apartamento, no bairro Santa Helena, em Fabriciano.

O ‘Diário da Manha’, na avaliação do jornalista João Senna dos Reis, foi responsável pela estruturação da comunicação no Vale do Aço, obrigando as grandes empresas a criarem assessorias de imprensa. Além dele, passaram por sua redação nomes importantes do jornalismo regional, como João Aquino Lopes, José Carlos de Assis, Ademir Alves dos Santos, José Ferreira Nazaré, João Batista Lima, William Saliba, Fernando Rocha, Luiz Carlos Kadyll e Martha Azevedo, que substituiu o nissei Luiz Katsuo Furuta na coluna social. A tiragem do jornal às vezes beirava os quatro mil exemplares. Em 1980, no entanto, numa negociação que ‘Carioca’ evita comentar, o jornal é vendido.

Um ano depois, está ele de volta, iniciando nova carreira, agora no rádio. Durante seis anos trabalhou na Rádio Vanguarda, ocupando a chefia do departamento de jornalismo e fazendo comentários esportivos ao lado de Fernando Rocha. “Além do futebol, que era o carro-chefe, fizemos muitas coberturas das corridas no Kartódromo Emerson Fittipaldi e de vôlei na Usipa”, relembra, destacando que o grande craque de futebol da época era Nardyello Rocha, atual prefeito interino de Ipatinga.

Ao desligar-se da Vanguarda, ‘Carioca’ tinha tomado gosto pelo rádio, pois ingressou em seguida na Rádio Educadora. Na emissora fabricianense trabalhou entre 1987 e 1991, apresentando dois programas. Um dedicado à música, ‘Sua Majestade, o Samba’, e outro esportivo, ‘Você Pergunta e Carioca Responde’. Depois da Educadora, nova emissora, agora a Itatiaia, em Timóteo, onde comentava os jogos transmitidos pelo locutor Nelcy Romão. O repórter de campo era Emiliano Magno, com quem participava de um debate esportivo no programa matinal do apresentador Luiz Omar. ‘Carioca’ aventurou-se ainda pela televisão. Junto ao folclórico Pedro Márcio Milanez, que também começou no rádio, apresentou o programa ‘Terceiro Tempo’, na TV Cultura. Foi um de seus últimos trabalhos na imprensa.

A exemplo do negócio que envolveu a venda do ‘Diário da Manhã’, que ele se recusa a comentar, ‘Carioca’ evita também acompanhar as novas plataformas digitais de notícias. Prefere jogar buraco com os amigos todas as tardes.


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