À beira de completar 100 mil mortes, Brasil segue na contramão do mundo

De abril a julho, países como Itália e Espanha viram as estatísticas de novas mortes por Covid-19 baixarem; no Brasil, ritmo de óbitos aumentou mais de dez vezes

Esta semana, a técnica em enfermagem Tânia Maria de Oliveira, 59, enterrou um primo vítima da Covid. “Há exatamente um mês atrás, enterramos o marido da irmã dele. Meu primo foi ao enterro do cunhado e, 14 dias depois, começou a passar mal”, conta Tânia que, em junho, já tinha chorado outras duas vidas perdidas. Só na família dela, foram quatro mortes em menos de dois meses. No país inteiro, em cinco meses, já foram 99.572 óbitos e mais de 2,96 milhões de infectados.

À beira das 100 mil mortes,  que deve acontecer neste sábado, o país vai na contramão do mundo. Em abril, enquanto Estados Unidos, Espanha, Itália e Reino Unido enfrentavam mais de mil mortes por dia, os brasileiros tinham números diários abaixo de 200 óbitos. De abril para julho, todos esses países viram as estatísticas de novas mortes baixarem, mas o Brasil viu o ritmo aumentar mais do que dez vezes.

Dados dos boletins epidemiológicos divulgados pelo Ministério da Saúde mostram que, entre 5 e 26 de abril, foram mais de 34 mil novas mortes nos Estados Unidos, mais de 11 mil na Itália, mais de 10 mil no Reino Unido e cerca de 6.500 na Espanha.

Nesse mesmo período, o Brasil registrou pouco mais de 3.000 novos óbitos. Já agora, entre 21 de junho e 1º de agosto, essa média ultrapassou 36 mil, ou seja, um aumento de 1.085%. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos conseguiram baixar o ritmo de novos óbitos em 17,8%, o Reino Unido recuou 74% e, na Itália e na Espanha, a redução ultrapassou 90%.

Na avaliação do presidente da Sociedade Mineira de Infectologia, Estêvão Urbano, a discrepância em relação ao resto do mundo é resultado da falta de uma organização homogênea por parte do Brasil. “As ações foram fragmentadas, melhores ou piores, conforme região, Estado ou município. De certa forma, isso contribuiu para o aumento do número de casos”, ressalta o especialista.

Enquanto os outros países conseguiram frear o avanço da doença, que passou a matar cada vez menos nesses locais, o Brasil está vivendo um aumento constante no número de óbitos. Começou abril com 445 mortes e terminou com 6.006, ou seja, uma média de 185 mortes por dia. Em maio, essa média diária já tinha subido para 741 e, em julho, já estava em 996. Com cerca de 31 mil mortes, esse foi o pior mês da pandemia. A cada dez brasileiros que perderam a vida para a Covid desde março, pelo menos três morreram em julho.

Em Minas Gerais, a média diária de novos óbitos também está em alta. Em abril, três mineiros morriam por dia. Em junho, eram 23. Em julho, a média diária subiu para 56 e, só nos primeiros sete dias de agosto, ela já está em 74 mortes por dia.

“É difícil prever quanto tempo ainda vai durar ou se teremos ou não novas ondas, pois o país é muito grande e tem realidades muito distintas. Mas neste momento, com os casos e mortes aumentando em umas regiões e diminuindo em outras, o que estamos vendo é uma curva que não tende nem a aumentar mais, nem a cair por enquanto. Então, é possível que a gente ainda tenha problemas pela frente”, avalia o infectologista Estêvão Urbano.

Estados Unidos

O Brasil ficou na liderança do número diário de novos óbitos por oito semanas seguidas, mas os Estados Unidos recuperaram a liderança, após registrarem 2.060 mortes em apenas 24 horas, no dia 6 de agosto. Ao todo, o país acumula cerca de 160 mil mortes e mais de 4,8 milhões de casos confirmados.

A pandemia foi declarada pela Organização Mundial da Saúde  (OMS) no dia 11 de março. Mas, na área da saúde há 28 anos, Tânia Maria Oliveira já vinha, desde janeiro, alertando os conhecidos sobre os riscos de um vírus que, em junho, levou duas pessoas da família dela. “Meu primo tinha saído de Santa Catarina para buscar a mãe dele, de carro, em São Paulo. Logo depois que chegaram, ela, que tinha 67 anos, apresentou os sintomas, foi internada e morreu. Passados 15 dias, a mulher dele, de 35 anos, também morreu”, lamenta Tânia.

Um mês depois, mais dois parentes de Tânia morreram, em Belo Horizonte, um primo de 80 anos e outro de 69 anos. “A gente estava programando a festa de aniversário de 70 anos dele, que seria em janeiro, mas infelizmente veio esse vírus”, relata.

A técnica em enfermagem conta que convive com o medo o tempo inteiro. “A gente toma todos os cuidados. Chego em casa e tiro a roupa que usei no hospital ainda no terreiro. Mesmo assim, a gente se preocupa”, afirma. Para Tânia, como se não bastasse a constante apreensão, uma vez que a Covid pode estar em qualquer lugar, as famílias das vítimas ainda precisam enfrentar outras tristezas. “Tem a angústia, primeiro dos dias que a gente vai vivendo sem poder visitar, porque não temos como entra no hospital. E a angústia de ficar aguardando o médico ligar para dar a notícia, porque eles só dão um boletim por dia. A gente tem que esperar e ficar à mercê deles”, afirma.

Quando a pessoa perde a batalha para a Covid, começa outra angústia. “O óbito mata a gente junto. O caixão não pode ser aberto de jeito nenhum. Tem limite de pessoas no velório e a gente não pode ver, não pode dar um adeus digno, não pode dar um abraço em ninguém. E ainda tem muita gente que ainda não acredita, mas vamos acreditar, porque é muito triste e muito angustiante”, desabafa Tânia.

 

O Tempo

Postado originalmente por: Portal Sete

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