Assexualidade de Victor Hugo, do ‘BBB’, traz tema para debate

Se ele sentiu atraído por colega de confinamento, o que gerou discussão, mas estudiosos indicam que condição pode se dar de diversas formas

Em sua passagem pelo “BBB 20”, Victor Hugo, ainda que não tivesse essa intenção, motivou debates que evidenciaram o desconhecimento de boa parte do público sobre o que significa ser assexual. Depois de colocar o tema em pauta, ao expor no reality global como se identifica sexualmente, o participante se apaixonou pelo modelo Guilherme Napolitano. Foi o suficiente para deixar muita gente com a pulga atrás da orelha: afinal, para parcela da audiência, soou contraditório que Victor Hugo se sentisse atraído por outra pessoa.

Apesar de causar algum estranhamento, nada mais natural e bem-resolvido dentro da comunidade dos assex – como também são chamados os assexuais –, do que o desejo em estabelecer relações afetivas, e não necessariamente sexuais. “Eu beijo, tenho Tinder, tenho uma vida normal. E não sinto falta de sexo – e nem teria como sentir falta de algo sobre o qual nunca tive vontade”, situa o fotógrafo Rêmulo Brandão, 31. Designer de formação, ele se identifica como assexual e homorromântico, isto é, que busca se relacionar afetivamente com outras pessoas do mesmo gênero.

“Até os 20 anos, eu imaginava que era homossexual, mas, enquanto os outros tinham expectativa de avançar para o sexo, eu preferia focar o beijo. Quando ouvi pela primeira vez a palavra ‘assexual’, a ficha caiu”, lembra. “Foi um alívio porque foi quando senti que não havia nada de errado, que não era de outro mundo”, diz.
Brandão percebe manifestações de preconceito ao falar do assunto.

“Algumas pessoas perguntam se já fui ao médico”, cita, acrescentando que devolve a questão: “Pergunto de volta se a pessoa, quando se entendeu hétero, homo ou bissexual, precisou ir ao médico”. O fotógrafo ainda faz propaganda. “O beijo do assex é mil vezes melhor do que o beijo dos transantes, porque esses, quando começam a beijar, logo perdem o foco pensando no sexo”, brinca.

Espectro.“Da mesma maneira que você pode ser romântico e não querer sexo, pode também ser alossexual (pessoa que tem desejos sexuais) e não desejar construir relações amorosas”, compara o professor do Departamento de Psicologia da UFMG, Fábio Belo.
Entendendo a assexualidade como um espectro, ele é assertivo: “Não existe uma tipologia na qual os humanos vão caber todos em um grupo uniforme. Assim, não haverá uma categoria de assexuais homogênea”. “As pessoas podem querer ou não relações românticas, querer ou não se masturbar, querer ou não transar ocasionalmente”, diz.

“Além disso, o assexual pode, por exemplo, se sentir hétero, bi ou homorromântico e pode desejar uma relação monogâmica ou mesmo poligâmica”, cita o psicanalista, lembrando que essas pessoas, normalmente, não sofrem de disfunções hormonais ou de falta de libido.

“Há preconceito, porque existe uma certa obrigatoriedade sobre as formas como devemos nos amar e nos relacionar; existe a crença de que a relação sexual é obrigatória. Mas ela não é”, pondera ele.

Estudos sobre tema ainda são raros

O sociólogo britânico Mark Carrigan, da Universidade de Warwick, é um dos raros exemplos de acadêmicos que se debruçaram sobre o tema – que ainda carece de mais pesquisas. Ele observa que a maioria dos assex constrói sua própria identificação como assexual, o que resulta em um denso conjunto de entendimentos, que se referem àqueles que experimentam atração sexual em circunstâncias específicas, que têm baixos níveis de desejo por sexo ou mesmo aqueles que não têm nenhum tipo de atração.

Para tentar identificar características centrais da comunidade, pesquisadores criaram, em 2015, uma escala que mede a identificação das pessoas em relação ao espectro da assexualidade – há, por exemplo, os demissexuais, que reconhecem sentir atração sexual depois de estabelecerem ligações emocionais com outra pessoa. Em uma zona cinzenta entre os alossexuais e os assexais estão os Gray-a, que sentem por vezes baixos níveis de desejo por sexo.

O professor canadense Anthony Bogaert conduziu uma das poucas pesquisas que visavam medir quão volumosa é a comunidade assex. Segundo ele, no Reino Unido, eles são cerca de 1% da população. No Brasil, uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) indicou que 8% das mulheres e 3% dos homens não fazem sexo e não sofrem por isso.

O Tempo

Postado originalmente por: Portal Sete

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