‘Vamos ampliar o olhar sobre barragens’, diz presidente do Crea-MG

Lançadas no ano passado, as blitze de fiscalização do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia de Minas Gerais (Crea-MG) serão intensificadas em 2019 e terão Belo Horizonte como destino certo. As ações, que fazem uma varredura por obras, edificações e serviços nas cidades, conferindo a atuação dos profissionais e a regularidade dos empreendimentos, serão uma das apostas do órgão, conta o presidente do Crea-MG, Lucio Borges, em entrevista exclusiva ao site Hoje em Dia.

Aos 60 anos, com 37 de carreira, o araxaense defende mudanças na lei de licitações, explica os trabalhos da entidade com relação à tragédia de Brumadinho e pede que o exercício ilegal da profissão seja criminalizado. “Engenharia é um sonho que eu tinha. Está no sangue”, diz, emocionado, ao tentar a definir a escolha profissional.

Há uma estimativa de filiados ao conselho hoje?
Somos mais de 200 mil profissionais e 63 mil empresas em Minas. No Brasil somos 1,4 milhão e em torno de 300 mil empresas.

É difícil cobrir todo o Estado?
Temos vários pontos estratégicos nas grandes cidades, sete regionais, então, conseguimos cobrir bem.

No que o Crea é importante na vida das pessoas?
As nossas profissões estão no dia a dia da sociedade, por exemplo, quando alguém usa o elevador. O nosso trabalho envolve a moradia, a indústria, a comunicação. Estamos no cotidiano. Hoje, a engenharia está por trás de tudo. Até mesmo na hora de se fazer exames médicos. Aqueles aparelhos também são engenharia.

Como está a fiscalização de obras no Estado?
O Crea faz a fiscalização do exercício da profissão. Ela é feita de maneira espontânea, planejada, e também por denúncias. Nós fiscalizamos para ver se, naquela atividade, tem o profissional devidamente habilitado. E, quando não tem, é gerada multa. Toda atividade de engenharia ou agronomia, por lei, tem que ter o profissional habilitado. Todo profissional tem que ir até o Conselho para registrar a sua atuação. Recentemente, no próprio Hoje em Dia, o presidente do Conselho Regional de Odontologia disse que volta e meia eles recebem denúncias da atuação de falsos dentistas, e a entidade trabalha bastante para ir atrás deles. Isso também existe na nossa área, e percebemos bem essa situação na engenharia civil. A empresa começa a construir um empreendimento, mas não tem o engenheiro registrado, não faz anotação de responsabilidade técnica. O trabalho de fiscalização defende a sociedade, que fica protegida. As pessoas ficam resguardadas se o profissional é legalmente habilitado, se estudou e é registrado.

Lucio Borges
Maurício Vieira

O que o senhor vê como desafio para o Crea neste ano?
Continuar fazendo o nosso trabalho de fiscalização. É um trabalho rotineiro, é o nosso carro-chefe da gestão. E para dar uma ajuda, criamos o aplicativo pelo qual o profissional ou qualquer pessoa da sociedade pode nos ajudar, denunciando irregularidades. Toda obra tem que ter placa e contratar profissional regularizado, habilitado. O cidadão também pode conferir os dados pelo aplicativo do Crea. E não basta a formação, é preciso a habilitação adequada. Recentemente chegou a nós o caso de um engenheiro ambiental fazendo laudos de incêndio. Só que ele não tinha o curso de engenharia de segurança do trabalho. Uma denúncia que veio do Ministério Público do Trabalho foi enviada para cá, para investigarmos. As empresas, quando contratam o profissional, a primeira coisa que devem fazer é consultar o Crea, para saber se ele tem as atribuições necessárias para a atividade.

Além do aplicativo, o que mais é feito em termos de fiscalização?
Temos feito ações no Estado inteiro, como as blitze. Nesses casos, reunimos vários fiscais e fazemos a varredura em uma região. Nós chamamos os inspetores regionais e planejamos uma fiscalização em todas as áreas da engenharia: civil, agronomia, mecânica, de alimentos, mineração. É um novo modelo que implementamos em Minas no ano passado, quando fizemos 42 blitze. Em 2019 devemos realizar em torno de 60. Além disso, vamos fazer uma grande blitz de fiscalização que nunca foi feita em Belo Horizonte, nas nove regionais.

Quais os principais problemas identificados nessas blitze?
Encontramos empresas não registradas no Crea. Às vezes, o empreendimento e o profissional estão registrados, mas a empresa não faz a anotação de responsabilidade técnica, que é um contrato que o profissional elabora por cada serviço de engenharia. É como se fosse um contrato de responsabilidade.

Por isso que em Brumadinho, por exemplo, os engenheiros foram os primeiros a serem investigados?
Sim, os investigadores foram primeiro no responsável técnico, que faz anotações de responsabilidade técnica, de qual serviço realizou. Foi esse profissional que assinou o laudo de estabilidade. Por exemplo, esses que foram presos, os mais recentes (em fevereiro), fizeram os laudos, os contratos, registraram no Crea. Agora, saber se estavam, vamos falar assim, certo e correto, é outra história, só por meio de uma perícia. Você não pode julgar as pessoas. Tem que ter uma perícia para falar se está certo. Quando o médico faz uma cirurgia, não dá para saber se ele errou se não houver uma perícia. Não dá para, pelo fato de o médico ter feito, condená-lo. É igual aqui: não dá para condenarmos o profissional que fez o serviço, sem ele ser periciado. Não cabe ao Crea fiscalizar isso. Já pegamos casos em que a empresa está trabalhando, tem todos os profissionais, mas o engenheiro não tinha registro no Crea ou não era habilitado. São essas situações que fiscalizamos. A empresa é multada e, muitas vezes, só depois disso contrata o profissional habilitado.

Além da civil, há diversas outras áreas com envolvimento da engenharia…
Na verdade, estamos envolvidos em diversas partes da cadeia produtiva. Hoje, nossas profissões trabalham com mais ou menos 70% do PIB (Produto Interno Bruto). A engenharia contribuiu demais para o desenvolvimento do Brasil. Se o país cresceu até chegar a este ponto foi graças às nossas profissões.

Sendo uma área tão importante, quais são as principais reivindicações ao governo federal ou estadual?
A criminalização do exercício ilegal, já que hoje não é tipificado assim. Há um projeto de lei sobre esse assunto em Brasília, há muitos anos. Nós brigamos por isso porque em outras profissões, como medicina, odontologia e direito, a prática irregular é crime, e na nossa área não é. No nosso caso, é tratado somente como uma contravenção penal. Também reivindicamos, seja na esfera federal, estadual e municipal, é uma carreira. Não existe a carreira de engenheiro, só a de analista. Os engenheiros contratados no Estado, hoje, são contratados como analista. Outra reivindicação é a reformulação da lei de licitações. Atualmente, há muitos pregões eletrônicos, pelo menor preço, mas lutamos para que não seja assim. Quando uma pessoa vai fazer uma cirurgia, ela não contrata o médico pelo menor preço, mas sim pela qualidade técnica. Porém, na engenharia, a empresa é escolhida nos pregões ao ofertar o menor preço, não se observa a qualidade. Preço é importante, mas tem que ter a parte técnica adequada. São mais de 13 mil obras abandonadas no Brasil. É empresa que pega e não dá conta. Queremos um preço justo, mas com técnica adequada.

O Crea criou um grupo de trabalho que vai fiscalizar barragens no Estado. O que, de fato, vai ser feito?
Hoje já fiscalizamos essas estruturas, verificando se há profissional da área atuando. O que vamos fazer é ampliar essa atividade, olhar com um carinho maior para essas situações. Teremos um olhar mais crítico para as 723 barragens existentes no Estado. O Crea quer entender o que houve em Brumadinho especificamente, tentar aprofundar e entender o que ocorreu.

Há grandes projetos do Crea para este ano?
Temos o 10º Congresso Estadual de Profissionais (CEP) e o Congresso Nacional de Profissionais (CNP). Em março, fizemos 77 encontros em cada inspetoria do Estado. De lá, delegados foram destacados para participar de oito encontros regionais no início de maio e depois faremos o CEP (Congresso Estadual de Profissionais), de 4 a 6 de julho, em Belo Horizonte. Nesse evento, vamos elaborar propostas e eixos temáticos que serão levados pelos delegados para o CNP (congresso nacional), a ser realizado em Palmas, no Tocantins. Esperamos em torno de 400 delegados em Belo Horizonte, com participação de 3 mil a 4 mil pessoas.

*Com Hoje em Dia

 

Postado originalmente por: Portal Sete

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