Galo foi roubado na final do Brasileirão 80? Confira nossa investigação:

Por Hugo Serelo.

Atlético x Flamengo foi uma das maiores finais da história do Campeonato Brasileiro. Após polêmicas, o Flamengo ergueu o caneco. Os craques alvi-negros reclamam até hoje dos erros de arbitragem. Será que essa informação condiz com os fatos? Confira nossa análise minuciosa:

Os Times

Os elencos eram praticamente a base da Seleção Brasileira da Copa de 82. O Galo era: João Leite, Orlando, Osmar Guarnieri, Luizinho, Jorge Valença; Chicão, Toninho Cerezo e Palhinha; Pedrinho, Reinaldo e Éder. Técnico Procópio Cardoso.

O Flamengo jogava com: Raul Plassmann, Toninho, Manguito, Marinho e Júnior; Andrade, Paulo César Carpeggianni e Zico; Tita, Nunes e Júlio César. Técnico Flávio Coutinho.

A final foi disputada em sistema de ida e volta com o Flamengo tendo a vantagem do empate por ter feito a melhor campanha. Essa suposta melhor campanha era contestada, pois ambos enfrentaram adversários distintos até a final, sendo que o caminho atleticano foi mais duro eliminando times de maior expressão, ao passo que o Flamengo teve maior sorte e disputou as fases de grupos contra times mais modestos.

Primeiro Jogo: Show do Galo e Lambança da Arbitragem

O jogo da ida contou com 90.000 pagantes que se espremeram pra ver o Galo de Reinaldo dominar o Flamengo a maior parte do jogo. Com Zico suspenso, o Mengão jogou com o jovem Tita envergando a 10 rubro-negra.

Logo aos 10 minutos, Reinaldo saiu da grande área para receber uma bola no meio campo e saiu driblando numa jogada de gênio. Ao se aproximar da área para fazer o gol, tomou um soco na boca vindo do volante Andrade. O flamenguista arrancou sangue de Reinaldo e o árbitro Romualdo Arppi Filho, inacreditavelmente, assinalou apenas falta sem expulsar Andrade.

A não expulsão revoltou os atleticanos e impediu um placar mais dilatado.

Depois de dominar o jogo, o Atlético abriu o placar no começo do segundo tempo com um gol de Reinaldo após vacilo do lateral-esquerdo Júnior. O Rei da camisa 9 fez um drible de corpo e fuzilou contra o excelente goleiro Raul.

A partir de então, o Galo abusou de perder e deixou de construir um placar maior.

Jogo da Volta e o Roubo de uma Arbitragem Desastrosa

O jogo da volta foi um dos mais belos espetáculos da história do futebol brasileiro.

Assistimos ao VT completo da partida duas vezes e destacamos aqui algumas observações:

– Os oito minutos iniciais são um tiroteio. O Flamengo marca aos seis quando Zico rouba a bola de Orlando e deixa Nunes na cara do gol. O banco do Flamengo ainda festejava o gol quando o Atlético reiniciou o jogo e precisou de 15 segundos pra empatar. Reinaldo driblou três defensores numa jogada de corpo e fez um gol de craque.

Mais da metade do Maracanã ainda se abraçava após o gol de Nunes e não viu o golaço de Reinaldo.

– Zico fez 2×1 aos 45 do primeiro tempo após confusão na grande área.

– Éder Aleixo era um craque, mas absolutamente louco. Quando o juiz apitou o fim do primeiro tempo, Éder inexplicavelmente enfiou um chute proposital na bola contra o peito de Manguito. O beque reclamou numa boa e Éder, ao invés de pedir desculpas, enfiou a mão na cara do Manguito e o chamou pra porrada.

– O Atlético teve duas faltas perto da área no primeiro tempo. Em ambas, Éder foi prejudicado pela distância da barreira que estava bem a frente do limite mínimo, mas o juiz José Aragão nada fez. O Flamengo teve quatro faltas para Zico cobrar e em todas o árbitro mandou a barreira recuar. Numa das vezes, o juiz mandou Zico bater de novo após a bola ir pra fora. Rigor somente para um lado.

– No segundo tempo, Reinaldo recebeu um lançamento na ponta-direita e sentiu uma lesão na coxa. O joelho já estava ruim e aquela nova lesão virou uma tragédia. O Maracanã em uníssono gritava “bichado! Bichado!”. 

Mancando com dificuldades, o Rei caminhava em campo quando recebeu um cruzamento de Éder e fez o segundo gol de empate. O gênio sem um joelho e sem uma coxa calou um Maracanã com 155 mil torcedores.

– O técnico era o jovem Procópio Cardozo e ele se emocionou com o segundo gol de Reinaldo.

– Um minuto após o gol, Reinaldo e Palhinha entraram de frente pra Raul sem nenhum zagueiro no encalço. O gol era certeza até que o bandeirinha marcou um impedimento absurdo. O lateral Toninho dava cinco metros de posição legal no momento do lançamento.

Reinaldo reclamou do roubo e foi expulso. Foi a consolidação de um assalto. Os dois erros mudaram o rumo da partida.

– Com um a menos e a 20 minutos pro fim do jogo, o Atlético não resistiu e levou o gol de Nunes. 3×2.

– O árbitro expulsou Palhiha e Chicão por reclamação.

– Mesmo com três a menos, o último lance desse jogo é com Éder Aleixo roubando uma bola de Andrade e entrando na cara de Raul.

Aleixo driblou o goleiro e na hora de chutar pro gol vazio foi milimetricamente travado por Manguito. Por questão de milésimos de segundos, fomos impedidos de ver a virada mais épica das finais dos Brasileiros.

– Toninho Cerezo carregava a bola de uma intermediária até a outra com velocidade e técnica. Um craque do nível Falcão.

– João Leite salvou um gol certo do zagueiro Manguito. Difícil entender como ele, Leão e Raul ficaram fora da Copa de 82.

– Reinaldo jogou mais como ponta-direita revezando a posição de centroavante com Palhinha.

– O ponta-esquerda Júlio César foi o melhor em campo. Um habilidoso que sabia driblar, cruzar e cavar faltas para Zico.

– O Flamengo foi o último time carioca a vencer um Brasileiro, e o fez de forma ilegítima. Lidar com esse fato não diminui os craques ou o clube.

Menção honrosa: o volante Chicão era tudo, menos um atleta de futebol. Com seu porte físico monstruoso, estatura elevada e bigode de delegado do interior, o cara parecia um motorista de carreta. Marcava forte, mas não era necessariamente desleal. Infelizmente, faleceu em 2008 vítima de ataque cardíaco. Todo time precisa de um Chicão.

Uma Geração Vitoriosa

A geração atleticana de 1977 até 1986 é talvez a maior safra da história do clube, ao lado da incrível geração campeã da década de 50. O time foi impedido de faturar um título nacional por interferência da arbitragem em 1980. Nos outros anos faltou sorte e um pouco de competência em situações variadas, como em 77, 85 e 86.

Mesmo assim, foi campeão absoluto em MG faturando o Hexa Mineiro entre 1978 e 1983. Uma hegemonia absoluta que flagelou o Cruzeiro, que se não conquistasse o Mineiro 84 teria sucumbido num possível Deca Campeonato dos atleticanos.

O futebol é cíclico. Relembrar o passado é uma atitude prazerosa.  Acima de tudo nos faz refletir que o destino é muitas vezes determinado por detalhes que poucos se lembram.

Hugo Serelo, 30 anos, é pesquisador esportivo, jornalista e outras coisas mais. Nasceu em Andradas e é divinopolitano de coração. Torce pro Rio Branco de Andradas e tem uma leve simpatia pelo Cruzeiro Esporte Clube.

Para quem quiser assistir ao VT completo das finais, seguem os links:

Jogo da ida: https://www.youtube.com/watch?v=v9Xnc4xnqnE

Jogo da volta: https://www.youtube.com/watch?v=87YbwXZ5zRs

Postado originalmente por Minas AM/FM em 15 de mar de 2018

 

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