Presidente da sociedade brasileira de biossegurança destaca que brechas nas medidas restritivas podem causar surto em viçosa

Em entrevista exclusiva ao Jornal de Viçosa, o Presidente da Sociedade Brasileira de Biossegurança e professor de Bioquímica da Universidade Federal de Viçosa, Cláudio Mafra, afirmou que por mais que a cidade esteja isolada desde o dia 20 de março, uma brecha nas medidas de restrições pode ser responsável por um surto da doença. Isso porque, mesmo que na cidade ainda não tenham casos confirmados, a circulação de pessoas de fora ainda não é totalmente limitada, aumentando as chances de existir pessoas contaminadas no município.

No último boletim epidemiológico divulgado, Viçosa voltou a registrar um aumento nos casos em análise, pulando de dois para dez, segundo a Secretaria Municipal da Saúde. No mesmo dia, o prefeito Ângelo Chequer anunciou uma abertura parcial do comércio a partir do próximo dia 22 de abril.

Dentre outras considerações, Cláudio Mafra ressaltou a importância do isolamento social neste momento, definindo como fator crucial para que o Sistema de Saúde do município não entre em colapso e o pior aconteça. Confira abaixo a entrevista completa.

Repórter Guilherme Carvalho: E se considerarmos uma suposta abertura parcial dos comércios mesmo Viçosa estando fechada e isolada de outras cidades desde o dia 20 de março, avalia que pode realmente ocorrer um surto de coronavírus?

Cláudio Mafra: Podemos estar isolados, mas existem pessoas que entram e saem da cidade todos os dias. Os profissionais da saúde são um exemplo, pois eles tem passagem no município. Precisamos lembrar também que o período de incubação do coronavírus é de 3 a 14 dias. Isso não significa que você vai ter a enfermidade, mas que mesmo tendo a doença em um grau muito leve, estará eliminando o vírus pelo ambiente. E nossa grande preocupação é justamente aquelas pessoas que têm múltiplos contatos, como aquele indivíduo que trabalha no caixa de um supermercado. Se ele for infectado, assintomático e eliminando o vírus, a possibilidade de potencializar a disseminação da doença é muito grande.

GC: Caso haja um surto do coronavírus na cidade, é realmente possível um número elevado de mortes?

CM: Se você tiver uma brecha nas medidas podemos caminhar para números muito elevados, e ao pensar em Viçosa devemos lembrar que nossos hospitais também atendem os municípios da região. Então, ao falar 80 mil habitantes não estamos considerando nossa real carga, pois ao levar em conta a região ficamos com cerca de 130 a 150 mil pessoas para atender, com isso acaba tendo um colapso no sistema de saúde.

Ernane Rabelo: Os empresários estão com expectativa de reabertura parcial do comércio aqui em Viçosa dia 22 de abril. Qual é o risco que nós estamos correndo? Até lá já estaremos preparados ou é melhor esperar mais um pouco?

CM: Precisamos deixar claro o que é estar preparado, nenhum sistema de saúde no mundo está ou esteve preparado. O preparado que falamos é poder minimamente treinar os profissionais, conseguir insumos, seja álcool, respiradores, jalecos descartáveis, sacos de autoclave e leitos. Estar preparado não significa que o sistema de saúde conseguirá segurar a pandemia no grave e isso tem que ficar bem claro.

ER: Sendo assim, quanto tempo você acha necessário para reabrir o comércio de forma segura?

CM: Não é questão de tempo necessário. Na realidade, é o tempo que conseguimos ter para que os casos não aconteçam em número grande e num tempo muito pequeno. O sistema de saúde só consegue segurar quando consegue mitigar a ocorrência de casos, ou seja, retardar as ocorrências deles. Então que esses casos ocorram, por exemplo, ao longo de 6 a 8 meses ou até 12 meses. Mas obviamente que um país ou uma cidade não vai parar por esse tempo. No entanto, não podemos ter os casos acontecendo aqui em Viçosa como essa previsão do pico da doença demonstra. Além disso, se fala nas construções dos hospitais de campanha para daqui 2 ou 3 meses ainda. E isso não significa que isso irá se resolver de uma hora para outra, pois a previsão é que dure muito tempo.

Alice Ruschel: Mas e quanto ao uso de máscaras, o sr. acha viável o uso delas pela população de Viçosa e assim possibilitar a flexibilização do comércio?

CM: Infelizmente, não se tem máscaras o suficiente. A UFV está fazendo máscaras, no entanto, são para os profissionais da saúde. E além disso, a demanda do público da saúde é grande. Um profissional da saúde, por exemplo, faz um plantão de 12h e troca as máscaras várias vezes ao dia.

AR: As de material de pano são eficientes?

CM: Não, não são eficientes. De acordo com estudos, para o indivíduo que esteja infectado,  a máscara de pano não seguraria as partículas menores, os aerossóis, quando ele tosse. E portanto, essas máscaras não protegem para aqueles que não estão enfermos, a população em geral.

AR: O sr. ainda defende o isolamento social para Viçosa?

CM: Sim. Na necessidade de um contato social, saída comercial ou outra atividade, que isso seja feito com todas as medidas de segurança sejam elas de distância, higiene, mudança de hábitos e ventilação dos locais. Sobre lojas e comércios, minha recomendação é fazer duas equipes e revezar entre si. Não é para aglomerar e sair sem necessidade, as pessoas têm que entender que elas não devem ir pra rua e pras lojas sem ter o que fazer. A gente está numa coisa que chama pandemia, o ser humano nunca viu isso nessas proporções.

AR: Os testes que a UFV irá fazer serão feitos por PCR – RT e esses conseguem detectar algo até antes do paciente manifestar os sintomas da doença. E como disse, podem existir pessoas assintomáticas aqui em Viçosa para o coronavírus. Sendo assim, sabendo quem porta a doença e tomando as devidas providências, não poderia liberar o restante das pessoas do isolamento social?

CM: Um dos grandes problemas que estamos tendo é em relação à insuficiente de insumos para realização desses testes. Então mesmo que os laboratórios comprem esses insumos, ainda não conseguem em quantidade atender toda a população. Além disso, não se tem dados qual será o público alvo desses testes. No entanto, o pouco que se sabe é que esses testes seriam realizados para as pessoas sintomáticas e, portanto, atendendo uma recomendação do Ministério e Secretaria da Saúde para atender aqueles que estão hospitalizados. Isso porque não se tem kits o suficiente para quadros brandos da doença. Sendo assim, imagino que nossos testes feitos via PCR-RT pela UFV aqui em Viçosa sejam destinados para essa situação.

GC: A população em geral deve usar a máscara cirúrgica normal ou deve usar a máscara N95?

CM: Ninguém deve usar a máscara N95, além dos profissionais em contato com um indivíduo contaminado. O ideal é que a população inteira use a máscara cirúrgica, mas não há máscara para todos. O Brasil está buscando cerca de 240 milhões de máscaras, porém para produtos descartáveis isso é muito pouco.

GC: Tomando as medidas do prefeito, você está esperançoso que Viçosa possa enfrentar o Covid-19 com o menor número de baixas possíveis?

CM: Caso haja a flexibilização acompanhada de ações rígidas, nós vamos passar e suportar essa epidemia. Tudo isso com as pessoas entendendo os riscos, mas essa consciência ainda não começou em nossa cidade.

ER: Para estudantes de creche e ensino fundamental, tendo em vista que alguns médicos e especialistas dizem que é necessário que a doença atinja com certa rapidez 50% ou 60% da população para adquirir a chamada imunidade de rebanho. Você acha que para esse público as aulas podem começar mais cedo?

CM: Vai depender de como a curva irá acontecer em nossa cidade. Mas nesse momento de incerteza, eu ficaria mais tranquilo se as aulas para as crianças também não voltassem. Não há só crianças envolvidas nas escolas, há várias pessoas de diferentes lugares que trabalham para dar o suporte para que as aulas aconteçam. Além de que, o contato físico entre as crianças é muito grande, o que pode fazer com que essas passem esse vírus para frente com muita facilidade em caso de contaminação assintomática. Com isso, o sistema de saúde não aguentaria casos graves do restante da população.

ER: A classe médica daqui de Viçosa tem um pensamento mais homogêneo em relação ao que deve ser feito ou está polarizado?

CM: Eu não sei falar especificamente daqui de Viçosa. Mas o pensamento de pesquisadores, médicos e especialistas/avaliadores de bio-risco internacionais na área sobre o Covid-19 não é homogênea. Muitas opiniões são diferentes sobre o que se deve fazer. Não temos certeza de nada nessa pandemia, porque nunca vimos algo relacionado a isso, sempre estudamos pandemia no teórico. Eles estão fazendo perguntas que nunca foram feitas antes e que ainda ninguém sabe a resposta do que será feito agora. Quem está trabalhando nessa pandemia está consertando uma avião em curso.

ER: A classe médica daqui de Viçosa tem protagonismo nas decisões aqui da cidade?

CM: A classe médica tem voz muito ativa nas decisões da Prefeitura (COES é o exemplo mais claro). Em todas as reuniões há médicos, algumas quase toda composta por eles e o prefeito escuta muito essa classe. Mas a classe médica geral também não terá uma opinião única e coesa. Do mesmo jeito pelo lado dos empresários, pois esses não sabem quando irá abrir o comércio, não é algo unânime.

ER: Em sua opinião, as aulas retornam antes de agosto?

CM: Acho que não voltamos neste semestre. É apenas minha opinião acompanhando as curvas que estão acontecendo em outros países. Este ano ainda tenho dúvidas, mas este semestre tenho quase certeza que não volta – até pelo perfil de nossos alunos  que são de outros locais, de outros estados. Mas não sou gestor, não ocupo cargo na administração da UFV, sou apenas um professor e estou falando enquanto biossegurança, avaliador de riscos, vendo as curvas em outros locais, sendo que em nossa cidade a curva nem começou.

Por: Guilherme de Carvalho Alves e equipe de reportagem – Jornal de Viçosa.

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Postado originalmente por: Rádio Montanhesa

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