Reflexão – O desafio de ser forte!

Certa vez, o sacerdote Eli, sentado à porta do templo do Senhor, observava a oração de uma mulher: a demora na oração em murmúrios, seus lábios se moviam, sem que se ouvisse qualquer palavra. Eli julgou que ela estivesse embriagada. Ana porém respondeu: “Não é isso, meu senhor! Sou apenas uma mulher muito infeliz; não bebi vinho, nem outra coisa que possa embebedar, mas desafoguei a minha alma na presença do Senhor. Não julgues a tua serva como uma mulher perdida, pois foi pelo excesso da minha dor e da minha aflição que falei até agora” (cf. 1Sm 1,9-20).

Foi o desabafo da mulher, perante a divindade, pelas tentativas frustradas de atingir a maternidade. Na Sagrada Escritura, sobretudo no Antigo Testamento, a esterilidade, geralmente, era atribuída à mulher, deixando o homem ileso. Não ser mãe era visto como uma espécie de maldição o que gerava desprezo, deboche, preconceito sócio-religioso… Nem mesmo o consolo do amor do marido, era capaz de aliviar a dor da impotência física e moral.

A oração de Ana foi ouvida! Pouco tempo se passou e ela ficou grávida e , no tempo certo, deu à luz um filho, e lhe deu o nome de Samuel, dizendo: “Eu o pedi a Javé”.

Em outra cena, já no século XXI, outro desabafo de mulher foi manifestado, presenciado (assistido), não só por um sacerdote, mas por uma multidão de espectadores.

Camila é professora de uma escola de periferia de cidade grande, situação sócio-vulnerável que acolhe crianças e adolescentes sujeitos à diversidade dos perigos e riscos de uma realidade pobre, frágil, desprotegida e desconsiderada.

Certa ocasião, ocorreu um tiroteio. Apareceu a polícia. Confronto com os marginais. Para defender seus alunos, a professora não mediu esforços e, num ímpeto se atirou à frente dos seus e acabou levando um tiro.

No hospital, recuperando do susto e do ferimento, cobrada por sua mãe e por muitos de que deve ser forte, ela acaba desabando no desabafo:

“Eu sempre vou ter que ser forte, sempre…
Eu tenho de ser forte porque a gente é pobre e eu quero estudar, aí eu tenho que passar de primeira, porque não posso perder nenhuma chance;
Eu tenho que ser forte porque sou mulher e para a mulher tudo é mais difícil, tenho de aguentar um babaca olhando meu corpo ao invés de prestar atenção no que eu tenho a dizer;
Eu tenho que ser forte porque sou preta. A gente vive num país racista.
Eu tenho que ser forte porque sou professora, porque tentei ajudar os meus alunos e tomei um tiro.
Estou cansada de se forte, e não vou poder ser fraca nenhum dia da minha vida, nenhuma vez!”

A professora, idealista, acredita num mundo diferente, feito de esforço e de luta. Ela acredita na mudança, na modificação do quadro atual. Ela sonha com um ambiente respeitoso, onde a mulher ao invés de ser agredida e eliminada, possa gozar das benesses de uma vida de paz, de harmonia, de direitos e oportunidades iguais, de uma sociedade onde prevaleça a dignidade de cada ser humano.

“Enquanto todo mundo não tiver as mesmas oportunidades e as mesmas condições… não teremos um mundo igual”
(Camila Taliberti, a jovem advogada de São Paulo, desparecida na lama do rompimento da barragem em Brumadinho)

Postado originalmente por: Tribuna do Leste – Manhuaçu

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