A troca mútua de carinho e respeito na Casa São Camilo de Lellis

 

Enfrentando um momento de forte depressão, após perder o marido, Ângela Portela conheceu a Casa São Camilo de Lellis. Na primeira vez em que pisou no local, sentiu medo de não dar conta, mas foi tão bem acolhida que, aos poucos, a tristeza foi ficando para trás. De lá para cá, já se passaram dez anos desde que Ângela iniciou na casa um trabalho voluntário. Pelo menos uma vez por semana, ela auxilia nas tarefas do dia a dia e atividades de lazer. “Naquele época (há dez anos), tinha uma moradora a quem me afeiçoei e conversava muito. No fim, era ela quem estava me dando força, e criamos uma amizade. Quando esta senhora adoeceu, fiquei com ela no hospital”, conta a aposentada que hoje, aos 66 anos, vê o trabalho voluntário como uma forma de superação da própria dor. “Era uma necessidade minha, e ir lá começou a fazer parte da minha vida. A gente sai revitalizada.” Na terceira reportagem da Série Solidariedade, a Tribuna aborda o trabalho da Casa São Camilo de Lellis.

“Quando a gente ama o que faz, a gente faz com boa vontade”, diz Marília, uma da voluntárias da Casa São Camilo de Lellis. Na foto abaixo, ela posa com os dois cães adotados pela instituição (Fotos: Felipe Couri)

A instituição foi criada em 1971, inicialmente no Bairro Granbery, por um grupo de católicos, sob a assistência do médico Kalil Abraão. Há cerca de 40 anos, a instituição foi acolhida em um novo espaço, no Bairro Santa Luzia, cedido pela igreja da comunidade. Atualmente, o lugar atende a 20 residentes, entre 47 a 89 anos. Ao todo, são 18 funcionários, entre cuidadores, responsáveis pela limpeza e cozinheiros. A folha de pagamento, em torno de R$ 24 mil por mês, é mantida através de doações e vendas do bazar. Cerca de 60 voluntários, de diferentes perfis, colaboram com tarefas do dia a dia, atividades físicas, lazer e religiosas. Há ainda aqueles que simplesmente vão para conversar.

“Muitos residentes abandonaram suas famílias há muito tempo, seja pela bebida ou droga, já não têm mais vínculo com os parentes, e, quando adoecem, vêm para cá. Muitos eram moradores de rua e passamos a ser a família deles. Aqui é uma casa tipo albergue, eles moram, recebem alimentação e medicação. Também falamos muito em religião, e eles têm a liberdade de escolher a deles. Temos visita de pastores evangélicos, grupos espíritas e católicos. Aos poucos, eles vão melhorando”, conta a tesoureira da instituição, a aposentada Marilda Bellini. Anos atrás, era seu irmão quem se dedicava ao trabalho voluntário, mas, quando ele adoeceu, ela herdou o seu lugar e também a sua paixão em cuidar da casa. “É uma alegria poder vir. Quando a gente ama o que faz, a gente faz com boa vontade, empolga e é difícil parar. Aqui eu sou como a mãe de todos, que conversa, brinca e briga quando precisa.”

O espaço também adotou dois cães da vizinhança, Princesa e Rex, que já estão idosos e foram acolhidos depois de sofrerem maus tratos. “Colocávamos água lá fora, eles vieram e acabaram ficando. Já moram aqui há dois anos e o dia inteiro eles querem carinho”, conta Marilda.

O sentimento do voluntariado

Para uma das moradoras da casa, Juliana Montoni Itaboraí, 42, pessoas dedicadas como Ângela fazem toda a diferença nos processos de superação pessoal. “Eu agradeço muito (pelos voluntários), são pessoas abençoadas. Porque não é fácil você sair da sua casa para ajudar uma pessoa que você nem conhece, e sem ganhar nada em troca. A gente acaba se tornando uma família”, sorri.

Médica e voluntária, Maria Augusta Torres acredita que fazer o bem ao outro, também faz bem a quem ajuda. “O amor é a maior forma de curar seus males. No convívio com o outro que necessita, você percebe que sua dor é muito pequena. Ou, muitas vezes, você recebe um carinho muito grande que supri aquela dor. Foi isso que aconteceu comigo”, conta a filha única, que perdeu os pais aos 35 anos, com uma diferença de apenas um ano e oito meses entre os falecimentos.

O trabalho voluntário foi apresentado a ela através de uma amiga. No abrigo há 15 anos, Maria Augusta acompanha os moradores em consultas médicas e tarefas cotidianas, como ida ao banco. Suas visitas são determinadas pela necessidade dos moradores, e, pelo menos uma vez por semana, ela frequenta a casa. “Quem olha de fora pensa que estamos ajudando, mas, na verdade, estamos é recebendo muito. É uma sensação muito boa saber que podemos ser útil para alguém que está desprotegido ou necessita de algo. É uma questão de respeito e amor pelo outro, e a gente cria laços de amizade”, comenta. Entre amigos e pacientes, Maria Augusta também espalha o sentimento de voluntariado e já atraiu outras pessoas para a causa, mesmo que em pequenos gestos.

Ajudar e ser ajudado

Na casa, os próprios moradores também se voluntariam com tarefas da casa e se solidarizam em ajudar o outro. Morador do São Camilo há mais de dois anos, o porteiro Rogério Maurício Rodrigues, 47, foi levado para a instituição pela falecida esposa, após tentar se recuperar do alcoolismo no Caps. “Eu gosto de ficar aqui porque ficamos tranquilos e estou vencendo minha luta. Vamos ajudando para sermos ajudados. Acordo às 6h da manhã, ajudo a tirar os pacientes da cama e a colocá-los na cadeira de rodas. Ajudo a varrer, e todos colaboram também”, conta.

Hoje, uma pessoa que conheceu Rogério através do Caps, tempos atrás, divide com ele um quarto da casa. O pintor Márcio Henrique Godoi, 53, foi convidado pelo amigo a se internar para tratar do alcoolismo e já está na casa há cinco meses. “A primeira vez que entrei aqui foi uma sensação boa. É minha décima internação, e aqui é um lugar mais tranquilo”, conta o senhor, que participa de dinâmicas e exercícios físicos com os voluntários e também se solidariza com outros moradores. “Tem pessoas que querem ajudar o próximo, e eu também quero. Algumas pessoas não podem descer as escadas, e eu ajudo trazendo a marmita, além de ajudar na limpeza. Eu gosto muito daqui.”

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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