Assistência estudantil viabiliza o sonho da universidade

“Eu sempre tive vontade de cursar o ensino superior em uma universidade pública, mas não imaginei que fosse conseguir isso tão cedo, antes dos 30 anos. A minha realidade é muito difícil. Pra gente que é negro e vive em uma situação de vulnerabilidade socioeconômica, as chances são pouquíssimas. Quando eu fui aprovado, pensei: e agora?”.

A realidade vivida há alguns anos pelo estudante do curso de jornalismo, Leandro Silva Barbosa, 27, é a da maioria dos negros do país, cuja perspectiva de ingressar e se manter no ensino superior ainda é ilusória. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), menos de 10% da população negra no Brasil concluíram uma graduação. Pretos e pardos somam cerca de 55% da população do país. Embora as circunstâncias não fossem favoráveis, Leandro tentou achar oportunidades que o viabilizassem a realizar um de seus sonhos. Nascido em Campo Belo (MG), ele sempre soube que teria de ir embora da sua terra natal caso fosse cursar uma faculdade. O que ele não sabia era como sobreviveria caso isso se concretizasse.

A primeira frustração em relação ao ensino superior veio da aprovação na Universidade Federal de São João del-Rei. Sem dinheiro, ele não teve nem como custear a ida para a matrícula. Após o episódio, o jovem conseguiu emprego em um supermercado na sua cidade antes de decidir tentar novamente um vestibular. “Com o trabalho, consegui juntar dinheiro que me ajudaria, pelo menos, algum tempo caso tivesse que morar longe de casa. Foi quando eu tentei e fui chamado na UFJF, aí fui com a cara e a coragem, mas ainda achando que ficaria no máximo um mês”, diz.

Leandro conta que a escolha pela UFJF se deu, principalmente, pelo programa de políticas de permanência da instituição e que pretendia concorrer. “Existem outras universidades até mais próximas da minha cidade, mas foi justamente pela assistência estudantil da UFJF que eu optei por Juiz de Fora. Precisava de algo que garantisse minha sobrevivência até o fim da graduação.”

Foi, no entanto, no terceiro período que ele teve deferida sua solicitação de auxílio financeiro pela Pró-Reitoria de Assistência Estudantil da UFJF. “Nos dois primeiros períodos não foram lançados editais para que eu pudesse tentar a bolsa. Durante essa fase, eu consegui me manter com o dinheiro que juntei. Além disso, eu trabalhava nas férias. Meus pais só tiveram mesmo que me ajudar por um único mês, exatamente antes de eu receber a primeira bolsa”, conta.

Leandro recebe uma modalidade de auxílio estudantil mensal que lhe garante R$ 500 , além do vale-transporte. Ao longo do curso, ele também assegurou bolsas de treinamento profissional. Somados, os valores conseguem pagar moradia, alimentação, água, luz, gás, internet e outras despesas essenciais. Em alguns meses, o orçamento aperta e visitar os pais se torna dispensável. Mas para o campo-belense, a política de apoio é fundamental. “No casos de nós que somos negros, o mercado de trabalho é muito difícil. Não são todos que, assim como eu, conseguem trabalho antes, para juntar uma grana, ou durante a faculdade. Então, essa política é uma garantia que temos”.

O programa da UFJF faz parte do Plano Nacional de Assistência Estudantil, desenvolvido pelo Governo Federal em 2008 (Foto: Fernando Priamo / Arquivo TM)

‘Assistência não se faz sem a presença do estudante’

De acordo com o Pró-Reitor de Assistência Estudantil da UFJF, Marcos Freitas, a atual política de assistência estudantil foi aprovada no início da gestão vigente. A partir de então, a Pró-Reitoria de Assistência Estudantil (Proae) tem trabalhado para garantir, dentro do possível, um suporte integral aos universitários.

O programa da UFJF faz parte do Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) desenvolvido pelo Governo Federal em 2008. O Pnaes tem o objetivo de auxiliar universitários de baixa renda matriculados em cursos de graduação presencial das instituições federais de ensino superior (Ifes). Além disso, busca viabilizar a igualdade de oportunidades entre os alunos e contribuir para a melhoria do desempenho, a partir de medidas que buscam combater repetência e evasão.

Embora haja um plano a nível federal, as ações são executadas pela própria instituição, que deve acompanhar e avaliar o desenvolvimento do programa. Os critérios de seleção dos estudantes levam em conta o perfil socioeconômico dos alunos, além de critérios estabelecidos de acordo com a realidade de cada instituição.

“Na política de assistência estudantil da UFJF, a gente rompe com a lógica de políticas exclusivamente de bolsas e auxílios. Ela está contida na permanência estudantil, mas a gente entende que a política estudantil tem um aspecto maior. Os estudantes não precisam só comer, beber, vestir… eles precisam disso e de outras coisas: de cultura, de acompanhamento social, psicológico, pedagógico. E, nesta dimensão, desenvolvemos uma série de atividades em que buscamos, a partir do conhecimento das demandas do aluno, produzir outras ações que também fazem parte deste processo de auxiliar na permanência do estudante”, destacou.

Entre a programação, a Pró-reitoria oferece projetos que trabalham questões psicológicas, como a ansiedade, e desenvolve oficinas pedagógicas. Há também o projeto Fora de Casa, desenvolvido, principalmente, para dar suporte aos estudantes que vêm de outras cidades e estados.

Na opinião do pró-reitor, o atual modelo só pôde ser definido tal como é a partir da participação dos estudantes na elaboração dos projetos. De acordo com ele, as discussões entre a Proae e alunos acontece por meio de um fórum permanente com o Diretório Central dos Estudantes (DCE). “Talvez o mais relevante deste processo da assistência, no entendimento que temos, é de que não se faz sem a presença do estudante. Há uma responsabilidade muito grande (dos universitários) nos debates e proposições, auxiliando a tocar alguns programas”, destacou sobre o que considera um dos elementos centrais da política estudantil.

Bolsas

Dos cerca de 15 mil alunos que cursam a graduação presencial na instituição, aproximadamente 3.600 (24%) recebem as mais de 4.500 bolsas de auxílio financeiro. O número de bolsas é maior que o de apoiados, porque alguns estudantes fazem jus a mais de uma modalidade de auxílio. Entretanto, a verba ainda é insuficiente em relação às demandas. “Em um fórum de pró-reitores foi discutida a pouca verba para o auxilio estudantil. Várias vezes já foi sinalizado ao governo que a verba que vem para o apoio é insuficiente”, avalia Marcos.

O valor previsto para 2019 para a execução de toda a assistência estudantil da UFJF, incluindo manutenção de auxílios e bolsas, do Restaurante Universitário e da Moradia Estudantil, por meio do Pnaes, é de R$ 16 milhões.
Para concorrer às bolsas, o acadêmico deve estar devidamente matriculado e cursando, no mínimo, 12 créditos semanais em aulas, e ter renda familiar per capita de até 1,5 salário mínimo. Esta, de acordo com o Pnaes, a única condição que exclui o estudante de poder pleitear alguma modalidade de bolsa.

Hoje existem cinco modalidades de auxílio financeiro. Para concorrer, é necessário que o aluno recorra à Proae e entregue a documentação necessária para a avaliação socioeconômica. Hoje o fluxo de atendimento é contínuo, ou seja, a qualquer momento é possível dar entrada no programa. O tempo de análise da documentação é de cerca de 30 dias úteis. Entretanto, segundo o pró-reitor, fora dos momentos de pico, esse tempo é reduzido, e pode chegar a uma semana.

Para a permanência e manutenção das bolsas, a Proae realiza levantamento de desempenho acadêmico. O aluno não pode ter aproveitamento abaixo de 60% por três semestres consecutivos. Quando isso acontece, é estabelecido acompanhamento da pró-reitoria para que as causas sejam analisadas.

“Temos observado que o desempenho dos que recebem o auxílio não é em nada diferente dos outros que não dependem da bolsa – muitas vezes, é até melhor. Isso nos leva a crer que o programa é muito bem-sucedido, uma vez que você traz uma pessoa vulnerável, que tem situações mais dificultosas para se manter e permite o apoio (estudantil)”.

Moradia Estudantil

Desde 2017, a política de permanência estudantil da UFJF inclui a Moradia Estudantil. Os prédios das residências têm capacidade para até 113 vagas. Atualmente, cerca de 90 estão ocupadas. Após a ocupação do espaço, algumas atividades foram desenvolvidas para os alunos moradores. De acordo com Marcos Freitas, palestras e conversas são organizadas no local. Os residentes também têm a possibilidade de participar de um projeto esportivo na Faculdade de Educação Física (Faefid).

Moradia Estudantil da UFJF (Foto: Felipe Couri / Arquivo TM)

A previsão é de que no próximo edital, a ser lançado em março, todas as 113 vagas da Moradia Estudantil sejam preenchidas. Os estudantes que têm perfil socioeconômico para uma vaga e não são contemplados recebem auxílio moradia no valor de R$ 370.

Para o pró-reitor, este é o “mais perene” dos auxílios dentro do programa. “O espaço garante a estes estudantes, no limite de qualquer crise e ameaça à universidade pública, a possibilidade de ter um teto para morar e continuar o seu curso. No caso de um possível corte do governo no custeio da universidade, algumas áreas vão ser comprometidas, ao passo que, na moradia estudantil, o teto está lá, a garantia é muito maior. Tenho convicção de que é um equipamento social muito importante e os estudantes que estão lá reconhecem isso e estão tendo a oportunidade, inclusive, de fazer seus cursos”, disse.

Para a estudante do curso de Licenciatura em Artes Visuais, Maiara Pereira da Silveira, 24, residir na Moradia Estudantil se tornou sua escolha assim que ela soube que o alojamento estava pronto para ser ocupado. Vinda do município de Iturama (MG), ela mudou-se para a moradia já na primeira leva de estudantes que ocupou a acomodação. Maiara conta que a decisão em se mudar se deu por conta da sua realidade financeira, que dificultava o pagamento do aluguel em Juiz de Fora.

“Viver na moradia atualmente é bem melhor do que era no começo. Hoje já tenho amigos lá, o que torna a convivência muito melhor, já existe um pouco mais de estrutura em relação aos móveis de espaços comuns e a ventiladores nas alas. Nesse um ano e meio aqui, conheci muita gente, a maioria só conseguiu permanecer na universidade por conta da moradia”. A estudante destaca que, embora a residência ainda tenha algumas adversidades, como política de permanência, a moradia é fundamental. “Apesar de não termos que nos preocupar com aluguel e algumas contas, a universidade ainda não disponibilizou acesso à internet nos prédios ou meios para que conseguíssemos contratar um serviço particular para todos. Para mim esse é o maior problema de se morar ali hoje. (Mas) mesmo com todos os problemas é o lugar em que eu moro e que me permite continuar estudando para alcançar meus sonhos. A Proae tem feito bastante para nos ajudar a melhorar a interação entre as pessoas lá dentro. Acredito que, assim como a moradia, outros meios de permanência devem ser mantidos e desenvolvidos. Afinal, na residência são apenas 113 vagas, e o número de alunos em condições de vulnerabilidade econômica que estudam na universidade é muito maior”.

Modelo ainda não é considerado ideal

Para o pró-reitor Marcos Freitas, embora seja fundamental para a permanência do aluno durante a graduação, o modelo de assistência estudantil no Brasil ainda não é o ideal, sob a perspectiva do número de acadêmicos que ainda é excluído do auxílio. “Houve um crescimento muito grande, nos últimos dez anos, de uma camada social que antes não frequentava o ensino superior público, entrando na universidade. Isso levantou uma discussão sobre desigualdade e também trouxe à luz a exclusão em massa dos nossos jovens que ainda não são apoiados ou que nem conseguem ingressar na universidade por questões financeiras. Então, a demanda de universitários cresce, mas ainda não há, em contrapartida, um investimento na mesma proporção no campo financeiro”.

O caso do estudante Anonmixs Amaro Afonso, 17, é um outro exemplo sobre como a vulnerabilidade financeira ainda é um fator que pode comprometer propósitos de vida: aprovado no curso de Engenharia Elétrica da UFJF, o garoto, de São Lourenço, Sul de Minas Gerais, ainda não tem garantias de que estará presente na universidade para o início do ano letivo, no dia 11 de março.

“A demanda de universitários cresce, mas ainda não há, em contrapartida, um investimento na mesma proporção no campo financeiro”, Marcos Freitas, pró-reitor de Assistência Estudantil (Foto: Alice Coêlho / UFJF)

“Quando eu vi que tinha passado na universidade foi uma emoção dupla. Eu e minha mãe ficamos muito felizes, mas ao mesmo tempo tristes, porque a gente ainda não sabe como vou fazer pra morar em Juiz de Fora, por conta da nossa condição financeira delicada”, disse.

Ele conta que o dinheiro que sua mãe ganha como diarista só dá para manter a casa, cuidar dele e do irmão. Embora ela tenha feito o possível para ajudá-lo, com o que sobra não consegue nem pagar as passagens até Juiz de Fora. “Mas estamos correndo atrás”, pontuou Anonmixs.

Com muitas incertezas, o estudante pretende requerer o auxílio estudantil. “Pelo que eu sei, os auxílios ajudam muitas pessoas, mas o problema é que eles não são imediatos. Os meus maiores problemas são moradia e dinheiro para me manter, não tenho garantia nenhuma. Não sei se vou conseguir custear nem um, nem dois meses.”

Para a matrícula, que já realizou no dia 15 de fevereiro, ele contou com a ajuda de alguns professores da escola que estudou anteriormente. “Os meus professores me estimularam e falaram que me ajudariam. Aí eles pagaram as passagens de ida e volta. Acho que foi porque sempre fui famoso por ser ‘nerd’ e sempre estudei e me esforcei”, garantiu.

Na opinião de Anonmixs, que ingressou no ensino superior por meio do sistema de cotas e do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), falta, por parte do governo, políticas que garantam, além da permanência estudantil, o processo de pleno ingresso das pessoas de baixa renda nas universidade.

Sobre a questão, o pró-reitor explica que a matrícula é o que garante a entrada do aluno na instituição e que é inviável para a Universidade montar um programa para pessoas ainda sem vínculos. “Institucionalmente a gente nem pode resolver a questão: a gente é impedido no âmbito legal para alguém que não é estudante. E mesmo que tivéssemos esta oportunidade, lidamos com uma restrição de verba muito grande”.

Para Marcos, o ideal para se garantir o pleno ingresso e permanência dos estudantes no ensino superior é a ampliação das políticas sociais do país. “Entendo e acho que as políticas sociais do nosso país precisam ser ampliadas. As políticas de divisão de rendas precisam ser melhoradas, as políticas de assistência social do Estado precisam ser ampliadas. Esta é uma situação que não é a universidade necessariamente que vai resolver. É uma questão conjuntural do país em que a gente vive com extrema desigualdade. Precisamos fazer essa divisão de grupos para que possamos atender a um número maior de estudantes e possamos dar uma condição melhor para aqueles que precisam mais, mas não é o ideal. O ideal é que tivesse uma política de Estado que garantisse o acesso do estudante mais vulnerável a uma instituição pública superior e, neste campo, a gente precisa avançar bastante”, pontuou.

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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