Câmara e Paço Municipal estão em situação irregular com o Corpo de Bombeiros

Os edifícios do Paço Municipal e da Câmara Municipal encontram-se em situação irregular perante à legislação de prevenção contra incêndio e pânico do Estado de Minas Gerais. Ainda em 2001, em fase inicial de regularização, ambos tiveram os respectivos processos de segurança contra incêndio e pânico aprovados pelo Corpo de Bombeiros. Entretanto, os projetos foram engavetados. Desde então, a corporação aguarda a solicitação dos responsáveis técnicos para vistoriar a execução dos mesmos. A visita dos bombeiros às edificações é uma prerrogativa para a expedição do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB), documento que atesta as condições de segurança necessárias contra incêndio e pânico das estruturas. Após a aprovação dos projetos, a vistoria dos bombeiros foi solicitada apenas uma vez: em 2005, no Paço Municipal, e, em 2008, na Câmara. Novas adequações foram exigidas para ambos, mas não houve retorno ao Corpo de Bombeiros. Os dois imóveis são tombados desde 1983.

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O Paço Municipal e a Câmara compõem “um conjunto arquitetônico que reporta a constituição do núcleo institucional da Administração, do Legislativo e da Justiça em Juiz de Fora”, como expresso no decreto de tombamento. Atualmente, as edificações sediam serviços administrativos rotineiros dos poderes Executivo e Legislativo, respectivamente. O edifício do Paço Municipal abriga a Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage (Funalfa) e o Espaço Cidadão. O Palácio Barbosa Lima, por sua vez, acomoda integralmente a estrutura do Legislativo, desde vereadores e servidores públicos a juiz-foranos à procura do Centro de Atendimento ao Cidadão (CAC).

Ao menos desde 1º de agosto, a Tribuna faz contatos com a assessoria da Câmara para tratar do assunto. Entretanto, a reportagem não obteve sucesso. A Funalfa, por sua vez, explica que está elaborando um novo projeto para submeter à aprovação do Corpo de Bombeiros. O capitão George Sant’Ana, comandante da 3ª Companhia de Prevenção e Vistoria do Corpo de Bombeiros, questionado sobre as ameaças oferecidas pelas edificações, afirma que não apresentam risco iminente. “Às vezes, por exemplo, visitamos a Câmara e verificamos sistemas preventivos, de emergência, extintores etc. (…) Já tem alguns sistemas preventivos instalados, e as saídas encontram-se todas desobstruídas, como as do Paço.” Apenas o risco iminente torna edificações passíveis de interdição.

Conforme a engenheira civil Cynthia Roberto de Melo Mendes, pós-graduada em segurança de trabalho, impasses por inviabilidade técnica e engavetamento são comuns na regularização de ocupações de quaisquer natureza junto ao Corpo de Bombeiros. “Muitas vezes, é necessário a substituição de uma inviabilidade técnica (no projeto) por outras medidas mitigadoras. Por exemplo, finalizei um projeto, ainda em construção, de um hotel. Para hotéis, é preciso duas saídas de emergência. Só que eu não tenho como fazer uma segunda saída. Porém, não estou insistindo para que o Corpo de Bombeiros libere o AVCB. Como solução, acrescentei uma medida mitigadora. Foi feito um investimento para incluir sistemas preventivos além do solicitado”, detalha. “Outro ponto é justamente o engavetamento do projeto após a sua aprovação. Há muitas situações dessas em Juiz de Fora. Assumi, recentemente, uma situação semelhante. Foi feito um projeto em 2008, que foi engavetado, mas, em 2013, o condomínio recebeu a primeira multa. Em 2018, recebeu a segunda, e, em julho, entrou em interdição, processo correto que os bombeiros aplicam.”

Edificações tombadas requerem projetos mais complexos, uma vez que a margem para intervenções é mínima. Marcos Olender, professor do Instituto de Ciências Humanas (ICH) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), reforça a necessidade de os bens tombados adequarem-se às medidas de segurança contra incêndio e pânico, mas aponta para a necessidade de bom senso do Corpo de Bombeiros. “Os prédios tombados têm características próprias, que os destacam em relação a outros bens. Essas características têm que ser preservadas, porque o tombamento é um instrumento de preservação, levando-se em consideração a importância histórica, cultural, social, arquitetônica e artística dos imóveis.” Para medidas contra incêndio e pânico, as edificações tombadas devem atender a critérios estabelecidos pelo Corpo de Bombeiros por meio da Instrução Técnica (IT) 35, de 2017, e própria para bens que compõem o patrimônio cultural. O AVCB de bens tombados é válido por cinco anos.

Paço Municipal: novo projeto em elaboração

Tombado em 1983, o Paço Municipal “se constitui num referencial histórico do local onde (sic) funcionou a Câmara Municipal a partir da elevação do povoado a vila, então denominada ‘Santo Antonio do Paraibuna’”. O único projeto de segurança contra incêndio e pânico do edifício registrado junto ao Corpo de Bombeiros data de 2 de outubro de 2001, quando fora aprovado. Restaria à Funalfa, portanto, a execução e a solicitação de vistoria para a concessão do AVCB. “No Paço Municipal, foi feita uma vistoria em 2005. Também foram detectadas algumas irregularidades. Coisas de praxe, mesmo; como finalização de iluminação e um extintor de incêndio que não estava instalado no local adequado”, detalha o capitão Sant’Ana. “Foi feito um relatório (solicitando novas adequações). Depois disso, não retornamos ao local, porque não tivemos nova solicitação da Prefeitura”, diz o comandante.

Também conhecido como edifício das Repartições Municipais, Paço Municipal, conforme o decreto de tombamento, conserva características arquitetônicas peculiares a sua época de construção (Foto: Leonardo Costa/Arquivo TM)

Ainda que a edificação não tenha AVCB, não fora multada nem advertida pelos Bombeiros. De acordo com o comandante da 3ª Companhia de Prevenção e Vistoria, a legislação não permite à corporação a aplicação de multas a estabelecimentos do Poder Público. “A legislação tem essa particularidade. Então, relatamos o que foi verificado (no projeto), o que precisa ser corrigido e cabe ao responsável fazer as correções e solicitar nova vistoria.” A Funalfa, entretanto, trabalha, desde 2018, por meio da Divisão de Patrimônio Cultural, na elaboração de novo projeto. “O projeto de prevenção de incêndio e pânico do Paço Municipal deve incorporar alguns pontos do anterior, porém, com as adequações necessárias, tendo em vista que as normativas do Corpo de Bombeiros sofrem alterações regulares. A própria corporação está apoiando o trabalho de ajuste do projeto”, informa, em nota, a autarquia. Ainda conforme a Funalfa, “a finalização e a execução se darão com recursos do empréstimo que a Prefeitura está viabilizando junto à Caixa Econômica Federal. A previsão, de acordo com a Funalfa, é de que os recursos a serem aplicados no prédio sede da Funalfa sejam liberados em cerca de 20 dias.

No Legislativo, há necessidade de atualização

O edifício da Câmara Municipal – antigo Fórum da Comarca de Juiz de Fora – foi tombado em 1983. O Decreto 2.859/1983 determina a “preservação da volumetria e de suas quatro fachadas, ficando a parte interna liberada”. Conforme Sant’Ana, após a aprovação do projeto, em 2001, apenas uma vistoria fora solicitada, ainda em 2008. O Corpo de Bombeiros, então, elaborou um relatório de vistoria, solicitando novas intervenções de adequação. Desde então, a corporação aguarda novo requerimento para vistoria. “Foram detectadas algumas inconformidades. (…) A gente não pode entrar em detalhes, porque cabe à Câmara e ao responsável técnico fazer esses ajustes, mas são coisas que se detecta de forma geral. São questões de finalização, como, por exemplo, a iluminação, que está instalada em divergência com o projeto.”

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A Câmara Municipal tem decreto de tombamento publicado no mesmo dia do Paço Municipal, em 19 de janeiro de 1983 (Foto: Fernando Priamo)

A engenheira Cynthia Roberta de Melo Mendes aponta que o projeto, aprovado em 2001, está desatualizado. “O Decreto 46.595/2014, por exemplo, solicita que todos os projetos, independente se a edificação é liberada ou não, sejam atualizados quanto à sinalização de emergência, iluminação de emergência e brigada. Se o projeto for executado conforme foi aprovado, quando solicitada a vistoria, o Corpo de Bombeiros nem vai”, afirma. Cynthia ainda indica que, à época da aprovação do projeto, não havia instrução técnica específica a bens tombados. “O correto a se fazer é atualizar o projeto de acordo com a IT 35.”

Questionado sobre a necessidade de atualização do plano originalmente apresentado pela Câmara, Sant’Ana é reticente. “A lei não pode retroagir para prejudicar o cidadão ou determinada entidade. Então, o benefício que foi ganho lá atrás, com a aprovação, permanece. Teríamos que analisar as particularidades do projeto aprovado lá em 2001 para ver se, hoje, a legislação pediria alguma atualização.” Para Sant’Ana, o responsável técnico pelos projetos são os responsáveis em atestar as atualizações necessárias. “O responsável, de posse da legislação, faz a análise se o projeto carece de alguma atualização e nos retorna. Então, se for caso, vamos verificar se o que foi aprovado, foi executado (conforme a lei).”

Legislação
A legislação estadual específica à segurança contra sinistros é razoavelmente recente. Embora fosse atribuído ao Centro de Atividades Técnicas (CAT) do Corpo de Bombeiros, desde 1999, “pesquisar, analisar, planejar, normatizar, exigir e fiscalizar o cumprimento das disposições legais próprias dos serviços de segurança contra incêndio e pânico” – Lei Complementar 54/1999 -, o primeiro instrumento com disposições sobre a prevenção contra incêndio e pânico em Minas Gerais data de 2001 – Lei 14.130. Posteriormente, em 2008, o ex-governador Aécio Neves (PSDB) regulamentou a lei por meio de decreto – 44.746/2008 -, especificando as competências do Corpo de Bombeiros, as medidas de segurança necessárias contra incêndio e pânico, os processos e as sanções administrativas correspondentes à regularização das edificações e a classificação de imóveis e áreas de risco quanto à ocupação. Em 2014, o decreto foi alterado pelo ex-governador Fernando Pimentel (PT), sendo acrescidas medidas como sinalização e iluminação de emergência, além de brigada de incêndio, para projetos a serem feitos e já executados.

‘Não pode ser uma solução simples’

Como os bens tombados são construções edificadas há décadas e, portanto, sob diferentes padrões arquitetônicos, a adaptação destes imóveis às medidas de segurança contra incêndio e pânico do Corpo de Bombeiros suscita críticas de especialistas em gestão de patrimônio cultural. Conforme Marcos Olender, cuja atuação se dá nas áreas de revitalização, conservação e restauro do patrimônio, edificações excepcionais, a exemplo de bens tombados, demandam soluções também excepcionais. “Se um imóvel, por exemplo, é tombado – inclusive, internamente – e apresenta um corredor cuja largura é menor do que a largura exigida pelo Corpo de Bombeiros, o que vai ser feito? A parede não pode ser demolida. Isso não vai ser alterado. Outro mecanismo de escape, que preserve essa característica (arquitetônica), mas que, também, possa atender de alguma forma as prerrogativas de segurança, terá que ser criado”, defende. “É sempre uma questão de bom senso, isto é, de sentar, conversar e tentar achar uma solução (…). São bens que têm uma excepcionalidade, uma singularidade, e, justamente por isso, estão sendo preservados”, argumenta.

Em 2017, por meio da Instrução Técnica 35, o Corpo de Bombeiros regulamentou disposições de segurança contra incêndio e pânico específicas a edificações que compõem o patrimônio cultural. A normativa, conforme a engenheira civil Cynthia Roberta de Melo Mendes, foi uma boa solução encontrada pelos militares. “Antes, todos os projetos de edificações tombadas eram encaminhados para o Departamento de Atividades Técnicas (DAT) do Corpo de Bombeiros, em Belo Horizonte. Eles verificam tudo o que é diferente das instruções técnicas já regulamentadas. O processo era moroso, pois dependia da interpretação do analista técnico. Após a publicação da instrução técnica, o processo passou a tramitar mais rápido, porque o próprio técnico de Juiz de Fora consegue fazer a análise. Quando observamos as instruções técnicas para as demais edificações e olhamos a 35, percebemos que ela é menos rigorosa, dando brechas para que o patrimônio seja preservado.” Cynthia esteve à frente da elaboração de dois projetos de segurança contra incêndio e segurança: a Santa Casa de Misericórdia de Rio Preto (MG) e uma escola de Muriaé (MG).

Sem interferências
Conforme o comandante da 3ª Companhia de Prevenção e Vistoria, capitão George Sant’Ana, as exigências do Corpo de Bombeiros não interferem na estrutura de edificações tombadas. “São solicitações como, por exemplo, guarda-corpo, corrimão etc.. Tem que se ver qual a melhor forma de fazer e, também, a autorização dos órgãos competentes. As nossas exigências são nesse sentido. Não vamos interferir na questão estrutural, até porque isso, em um prédio antigo, tombado, pode ter outras consequências. Essas alterações sempre têm acompanhamento de um responsável técnico”, explica.

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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