Casal está há duas semanas em cabine de navio na Itália

Lara e Vítor fazem ligações de vídeo diárias para a família, buscando apoio para superar o isolamento (Foto: Arquivo Pessoal)

Os tradicionais votos de casamento foram colocados logo em prática pela médica pediatra formada em Juiz de Fora, Lara Junqueira Zacaron, 26 anos, e o marido, o empresário Vítor Santos Mockdece, da mesma idade. O casal de Três Rios (RJ) trocou as alianças no dia 21 de fevereiro em cartório, mas teve a tão sonhada lua de mel embargada diante da pandemia do novo coronavírus, declarada quando estavam em pleno cruzeiro pela Europa e Ásia, previsto para durar 22 dias. Com saúde, mas em meio aos caos mundial causado pela doença Covid-19, eles buscam apoio mútuo para superar o desgaste físico e mental de permanecerem há duas semanas, 24 horas por dia, em uma das cabines do navio Costa Victoria, atracado no porto de Civitavecchia, província de Roma, na Itália. Lara e Vítor já viram centenas dos cerca de 1.500 viajantes conseguirem autorização para desembarcar, mas foi só na última sexta-feira (3) que receberam visita de representantes da Embaixada brasileira. O medo maior é de que o retorno ao Brasil continue um pouco distante para os dez passageiros e seis tripulantes nacionais presentes no navio, já que as autoridades italianas ainda exigem 14 dias de quarentena em terra e, por enquanto, não há hotéis-hospitais disponíveis.

“Eu estou bem desgastada com a situação. Acaba que a exposição suga nossas energias também. Mas está sendo muito bom ver tantas pessoas se mobilizando por nós, nos ajudando e torcendo”, desabafou à Tribuna a pediatra, que decidiu fazer um apelo em vídeo, no último sábado (4), pelas redes sociais: “Estamos no porto Civitavecchia, atracados no navio Costa Victoria, desde o dia 25 de março. Desde então estamos isolados em nossas cabines, sendo submetidos diariamente a aferição de temperatura pelas autoridades sanitárias italianas. Peço ajuda para que as autoridades brasileiras resolvam efetivamente a nossa situação, para que essa quarentena que estamos cumprindo já seja válida. A maioria das nacionalidades já foi repatriada, as pessoas já estão em suas casas. Mas estamos aqui até agora. Isso não é justo.”

A rotina no mar não tem sido fácil. “São três refeições por dia, não podemos trocar comida nem comprar nada. Temos que comer a refeição que nos é servida ou ficamos com fome”, disparou a médica. “Saímos duas vezes ao dia, aleatoriamente, quando solicitados, para aferir temperatura. Sempre respeitando um metro e meio de distância. Depois voltamos imediatamente para as cabines.” Além do incentivo que Lara dá a Vítor e vice-versa para superar as dificuldades do isolamento, o casal também conta com os familiares e amigos no Brasil. “É bem angustiante. Ainda bem que temos um ao outro aqui dentro, pois a hora em que um fica desanimado, temos o outro para levantar, fazer uma brincadeira. Colocamos uma música alegre e a gente ‘se levanta’ novamente. Nossa família tem nos ajudado muito, todos os dias fazemos chamadas de vídeo. Isso é nossa força! Agora estamos com a esperança de tudo estar chegando ao fim e em breve voltar para casa.”

Passageira desembarca com sintomas de infecção

A lua de mel de Lara e Vítor começou pelas Maldivas no dia 2 de março, e o casal embarcou no cruzeiro cinco dias depois, em Dubai, após o navio ter partido da Índia. “Naquele momento, existiam alguns países com alguns casos de coronavírus, mas a própria empresa do navio nos encorajava a viajar, dizendo que estavam acostumados com o roteiro há muitos anos e que estava tudo bem.” No entanto, desde que a pandemia foi decretada, no dia 11, os viajantes não puderam descer mais nos pontos combinados. “Chegamos a parar em Muscat e Salalah, em Omã, onde fizemos a última parada, no dia 12 março. Depois disso, o comandante anunciou que foi declarada a pandemia do coronavírus. Continuaram dizendo que iríamos descer em alguns países. Mas, conforme os dias de navegação foram passando, avisavam, com um dia de antecedência, que não iríamos mais parar nos destinos. Foi assim com Eilat, em Israel, Aqaba, na Jordânia, depois Grécia, Croácia.” O plano inicial era terminar a viagem em Veneza, na Itália, no último dia 28.

O clima no navio da empresa italiana Costa foi ficando mais tenso após um caso suspeito de Covid-19 surgir dentro da embarcação. “Quando estávamos passando pela Grécia, por volta do dia 22 de março, uma passageira desembarcou com coronavírus. Ficamos sabendo no dia seguinte, quando o comandante anunciou. Desde então ficamos isolados”, contou a médica Lara. “Nossa cabine era externa, tinha uma janela, mas há alguns dias, conforme o navio foi se esvaziando, eles mudaram todos os brasileiros para cabines com varanda. Algumas pessoas não tinham nem luz antes dessa mudança.”

Apesar da melhoria no conforto, as informações foram ficando cada vez mais confusas. “A todo momento o comandante anunciava que era para ficarmos tranquilos, porque eram responsáveis pela repatriação e estavam em contato com todas as embaixadas, de todas as nacionalidades. Confiamos, mas nós brasileiros já tínhamos criado um grupo no WhatsApp e começamos a compartilhar barulhos de mala no corredor, de pessoas indo embora. No dia 28 descobrimos que vários australianos tinham partido, alguns alemães e franceses. Pensamos que nossa hora estivesse chegando. No dia 30 decidimos mandar mensagem, e a Embaixada brasileira de Roma disse que não sabia do nosso caso. Ficamos muito chateados e indignados.”

A partir do contato com a Embaixada, Lara e Vítor foram informados sobre a necessidade da quarentena também em terra.

“Pela lei, não estamos ainda em solo italiano. Apesar de estarmos em um navio italiano, com bandeira italiana, atracados em um porto na Itália, eles ainda não consideram que estamos no país. Depois descobrimos que não haviam nos enviado para nenhum hotel para cumprir essa quarentena porque não estão conseguindo vaga.”

Mesmo diante de todos os problemas, o casal segue confiante. “Estamos dando um tempo para eles poderem agir, porque entendemos que essas coisas burocráticas demoram um pouco. Fiz o vídeo no sábado porque chega um momento em que a gente não aguenta mais. Nesta segunda (6) já faz 14 dias que estamos isolados e, na quarta-feira (8), faz 14 dias que estamos na Itália. Tentamos ao máximo preservar nossas famílias, para não deixar ninguém preocupado, mas, infelizmente, tivemos que nos expor.” Segundo a pediatra, no domingo (5), o próprio comandante informou que mais de mil pessoas já foram repatriadas, entre tripulantes e passageiros.

Itamaraty confirma falta de vagas em hotéis-hospitais

Em nota, o Itamaraty confirmou, nesta segunda-feira (6), que a operadora do cruzeiro e as autoridades locais enfrentam uma série de dificuldades para desembarcar os passageiros, em vista da falta de acomodação para a quarentena de 14 dias em um dos hotéis-hospitais da região. “Ressaltamos que essa quarentena é uma exigência das autoridades italianas para que os brasileiros possam ser posteriormente embarcados em voo de repatriação providenciado pela operadora.”

Ainda conforme o Ministério das Relações Exteriores, o Consulado-Geral do Brasil em Roma está há vários dias em contato com os passageiros brasileiros. “No dia 03/04, o cônsul em Roma, acompanhado de funcionário diplomático do consulado, esteve no porto de Civitavecchia para conversar com os brasileiros retidos (10 passageiros e seis tripulantes) e com as autoridades italianas competentes.”

O Itamaraty ressaltou que tem acompanhado e buscado soluções para os brasileiros que se encontram em navios de cruzeiros com dificuldades para retornar ao Brasil em decorrência da pandemia de Covid-19.

Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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