Casos de estelionatos sobem 20% em Juiz de Fora

Nem mesmo a gravidade da pandemia provocada pelo coronavírus foi capaz de frear a atuação de estelionatários. Pelo contrário: eles podem estar se aproveitando deste cenário para praticar mais crimes e inventar novas modalidades de golpes. Em Juiz de Fora, dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) mostram que houve um aumento de 19,37% no número de casos entre janeiro e junho de 2020, em comparação ao mesmo período do ano passado. Foram 1.232 registros de estelionatos em 181 dias, o que equivale a cerca de seis golpes sendo aplicados diariamente na cidade.

Sites, e-mails falsos, ligações e mensagens via WhatsApp são algumas das estratégias mais usadas pelos golpistas para enganar as pessoas e ter acesso a informações pessoais, como nome completo, CPF, número de cartões de crédito e dados bancários. Nem o auxílio emergencial, benefício financeiro concedido pelo Governo federal a trabalhadores informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados, com o objetivo de garantir renda de forma emergencial a este público no período de enfrentamento à crise da Covid-19, tem escapado das artimanhas dos golpistas.

No caso dos golpes envolvendo o auxílio emergencial, juiz-foranos têm sido vítimas de situações em que tiveram dados pessoais utilizados indevidamente por terceiros, que também invadiram suas contas e desviaram valores. A ambulante Isabel Cristina Vieira da Costa, de 56 anos, é uma das que tiveram seu auxílio desviado. O saque do benefício estava agendado para o dia 1º de julho, sábado. Neste dia, ela descolou-se de sua casa, no Bairro Linhares, Zona Leste, até a agência da Caixa Econômica Federal, na Avenida Getúlio Vargas, no Centro.

“A fila era enorme, e fiquei cerca de duas horas esperando para ser atendida. Na minha vez, fui informada que uma outra pessoa já havia feito um saque na minha conta, ficando com o auxílio que eu iria receber no valor de R$ 1.200 referente a duas parcelas”, contou a ambulante, afirmando que ficou completamente atônita com a situação. “Não sei como isso aconteceu. Como alguém teve essa facilidade de sacar o meu dinheiro?”, questiona.

Segundo Cristina, como era sábado, ela foi orientada a voltar à agência na segunda-feira seguinte, levando cópias de seus documentos, a fim de que uma contestação fosse feita para que providências fossem tomadas. “Ainda me informaram que teria que esperar um prazo de 40 dias, e que o caso seria encaminhado para a Polícia Federal”, disse.

Dificuldades

Essa situação deixou a vida da ambulante, que é vendedora de sorvete, complicada. “Trabalho com carrinho na rua e está muito difícil fazer isso com essa pandemia. Sem esse auxílio que eu iria receber, fiquei de pés e mãos quebradas. Esse dinheiro seria para pagar água e luz, comprar comida, e ainda estou sem gás. Não sei o que vou fazer”, lamenta a mulher, que disse que, para continuar cozinhando, está buscando lenha no mato.

Ela tem três filhos, de 18, 16 e 14 anos. Cristina conta que eles estão estudando e que ela e o marido lutam com dificuldade. “Meu esposo, há quatro anos, perdeu o emprego, e, atualmente, também trabalha como vendedor de sorvete na rua. Quem vier à minha casa e ver nossa situação, chora. Mas sou uma pessoa confiante e sei que vai melhorar. Isso que fizeram com a gente é uma covardia”, lamentou.

Caixa diz que atua com outros órgãos de segurança

Questionada pela Tribuna, a Caixa não informou sobre números de estelionato envolvendo o auxílio emergencial em Juiz de Fora. Por meio de nota, a instituição assegurou que atua de forma conjunta com os órgãos de segurança pública para mitigar riscos de fraudes e garantir nível adequado de segurança no pagamento do auxílio emergencial e dos demais benefícios sociais. Segundo o banco, em ações preventivas de monitoramento, são realizados bloqueios de contas para a devida verificação de informações.

A Caixa ainda esclarece que, a fim de melhorar a jornada do cliente e diminuir filas, atualizou o processo de regularização cadastral, permitindo que grande parte dos usuários possam fazer a atualização de cadastro por meio do aplicativo Caixa Tem, enviando a documentação solicitada sem precisar ir a uma agência.

“Já nos casos de recebimento da mensagem ‘É necessário regularizar o seu acesso. Procure uma agência, de acordo com o seu calendário de recebimento’, os usuários devem seguir essa orientação, respeitando o calendário escalonado de recebimento, a fim de evitar busca massiva às agências e consequentes filas”, orienta a instituição.

A Caixa reforça que o aplicativo Caixa Tem possui múltiplos mecanismos integrados de segurança, mantendo-se inviolável e seguro. “O baixo percentual de fraudes observado deve-se à engenharia social, em que são utilizadas informações, documentos e acessos dos próprios clientes. Assim, recomenda-se utilizar apenas os aplicativos oficiais da Caixa e jamais compartilhar informações pessoais”, adverte.

Policiamento próximo a bancos

Após ser instada pela Tribuna, a Agência Regional de Comunicação Organizacional da 4ª Região de Polícia Militar (4ªRPM) divulgou, nesta quarta-feira (12), uma nota alertando sobre a frequência dos crimes de estelionatos. Segundo a corporação, ações para a mitigação desse tipo têm sido implementadas, como policiamento ostensivo próximo a bancos, lojas de departamento, loterias, entre outros.

A PM esclarece, por meio do texto, que a pena para a prática de estelionato, conforme artigo 171 do Código Penal, é de um a cinco anos. Caso o golpe seja praticado contra idoso, a pena pode ser duplicada. Ainda segundo a PM, esse tipo de crime, geralmente, é praticado por pessoa com alto poder em seduzir, falar bem e mostrar-se confiável. “O alvo é quase sempre escolhido pela fragilidade, descuido da vítima, sendo preferencial idosos, mulheres, pessoas que moram sozinhas. Muitas vezes, o estelionato é praticado devido à oportunidade que se impõe à frente do autor, como idoso sozinho contando notas ou em filas de banco e etc”, pontua.

A PM também orienta a entregar o cartão bancário apenas a funcionários devidamente identificados, mas, mesmo assim nunca perdê-los de vista; a não passar a senha do cartão para desconhecidos, principalmente por telefone, WhatsApp ou SMS; não guardar uma anotação de senha do cartão junto ao documento; e evitar empréstimos por telefone, dando preferência a agentes financeiros em postos físicos. Antes de fazer qualquer depósito em dinheiro para um desconhecido, vender um determinado bem ou coisa parecida, o cidadão deve compartilhar tais fatos com alguém de confiança, pois o estelionatário pode ser desmascarado.

A corporação ainda adverte que nenhum banco solicita senha ou envia pessoas nas casas para resgatar cartões, ainda que ele tenha sido alvo de fraude. Outra orientação é ter atenção às ligações telefônicas, tendo em mãos o contato do gerente da conta bancária, que deve ser contatado em caso de dúvida. Em caso de necessidade, deve-se acionar o 190.

Clonagem de WhatsApp é um dos golpes mais comuns

De acordo com o delegado de Polícia Civil, Carlos Eduardo Rodrigues, da 4ª Delegacia Regional, a pandemia do coronavírus é, de fato, um dos fatores que tem contribuído para o aumento dos casos. “As pessoas estão mais conectadas, passando mais tempo na internet, fazendo muito mais transações financeiras de forma on-line, que são situações férteis para os estelionatos”, explica. Entretanto, de acordo com ele, há outras questões.

Os golpes no WhatsApp, por exemplo, aplicativo de mensagem que se tornou mais popular nos últimos anos, também estão cada vez mais comuns. Em 10 de julho, a Tribuna publicou reportagem a respeito de um homem, de 52 anos, morador do Bairro Teixeiras, na Zona Sul, que foi vítima de clonagem do aplicativo e perdeu R$ 1.220. A esposa dele recebeu uma mensagem, que seria de uma familiar, solicitando o valor emprestado. O homem relatou que a mensagem, que tinha um número de conta para transferência bancária, apresentava a foto e o nome da parente. Então, ele usou o aplicativo de seu banco para fazer a transferência do dinheiro para a suposta conta da familiar, descobrindo depois que se tratava de uma fraude, já que o WhatsApp da parente havia sido clonado.

Também no início de julho, no dia 3, um estudante, 23, também perdeu R$ 1.200 depois de acreditar que estava fazendo um depósito para sua namorada. Ela teve seu aplicativo clonado por um desconhecido, que entrou em contato com todas as pessoas cadastradas na agenda do aparelho. Nas mensagens, o golpista solicitava uma transferência bancária para a jovem. O namorado dela, ao receber a mensagem, realizou a transferência para a conta indicada. Porém, ao se encontrarem, eles perceberam que foram vítimas de um golpe.

Médicos foram vítimas

De acordo com o delegado titular da Delegacia Especializada de Repressão a Roubos, Carlos Eduardo Rodrigues, nos casos envolvendo o aplicativo de mensagens, os golpistas descobrem o número do celular e o nome da vítima de quem pretendem clonar a conta de WhatsApp. Essas informações podem ser encontradas facilmente em sites no qual o usuário cadastrou seus dados com visualização pública, tais como sites de vendas de produtos ou redes sociais.

Com o número do celular, os criminosos tentam cadastrar o WhatsApp da vítima nos aparelhos deles. Porém, para concluir a operação é preciso inserir o código de segurança que o aplicativo envia por SMS sempre que é instalado em um novo dispositivo. Para tanto, os fraudadores enviam uma mensagem pelo WhatsApp, fingindo ser do Serviço de Atendimento ao Cliente do site de vendas ou da empresa em que a vítima tem cadastro. Eles solicitam o código de segurança, que já foi enviado por SMS pelo aplicativo, afirmando se tratar de uma atualização, manutenção ou confirmação de cadastro.

“Houve uma onda grande de médicos sendo vítimas em Belo Horizonte, e alguns em Juiz de Fora, com mais de 30 profissionais sendo lesados. Os criminosos pegaram as fotos da maioria desses médicos nas redes sociais, que têm suas redes abertas para divulgar o trabalho, ou capturam a foto e o número da vítima em grupos de WhatsApp e mandam mensagens para os familiares dessas vítimas, provavelmente, também identificadas através das redes”, relatou o delegado.

De acordo com Rodrigues, em Juiz de Fora, o funcionário de uma clínica de cirurgia plástica passou, desavisadamente, o código de verificação do WhatsApp para um golpista, que conseguiu acessar o aplicativo de um médico e teve acesso a toda sua lista de pacientes e a todas as conversas tratadas em mensagens, resultando em centenas de vítimas em potencial. “Só que, nesse caso, o médico descobriu essa situação a tempo e, com nossas orientações, conseguiu que seus pacientes não caíssem nos golpes. Os estelionatários chegaram a solicitar aos pacientes da clínica o envio do código de verificação do WhatsApp, mas eles já estavam cientes”, ressaltou.
Com o código de verificação, os bandidos conseguem replicar a conta de WhatsApp em outro celular. De posse dessa conta, eles enviam mensagens para os contatos da pessoa, se fazendo passar por ela, pedindo dinheiro emprestado para parentes e amigos do dono do número de telefone. Como geralmente a solicitação está ligada a uma emergência (acidente de carro, procedimento médico, etc), as pessoas transferem as quantias solicitadas para uma conta cujos dados foram fornecidos pela quadrilha sem desconfiar.

‘Golpe, só se for nos criminosos’

A Polícia Civil de Minas Gerais lançou, no último dia 15, a cartilha virtual “Golpe, só se for nos criminosos”. O material tem objetivo de apresentar à população os principais golpes praticados, atualmente, além de dar dicas de prevenção. Ela pode ser acessada por meio deste link.

De acordo com Carlos Eduardo Rodrigues, quando a pessoa está navegando na internet, ela fica sujeita a ser vítima de diversas práticas de estelionato. “Por isso, é preciso ter atenção aos dispositivos de segurança dos sites, porque podem ser fakes. A pessoa pode achar que está no site de uma grande loja, mas, na verdade, está em um site falso sem ter a mínima ideia”, alerta.

Conforme o delegado é preciso conferir se o site tem o cadeado de segurança, se o endereço virtual da loja é aquele mesmo, porque as vítimas recebem um link, principalmente os de promoção, para atrai-las. “Quando ela clica, acha que é um site oficial, mas não é. Assim, ao receber um link desses, a pessoa deve entrar no site da loja, digitando-o no navegador da internet para comprovar se é mesmo original, porque os golpistas trocam poucas letras para enganar. No caso de emissão de boleto, deve-se conferir o emissário do boleto e o CNPJ. Se for pagar pelo aplicativo do telefone, sempre verificar o CNPJ ou o CPF. Outra orientação é nunca passar código de verificação de WhatsApp para terceiros. Se receber a mensagem de algum familiar pedindo dinheiro, mesmo que seja verossímil, deve-se ligar para o parente e verificar, pois eles usam a foto do familiar no aplicativo clonado”.

No caso de quem usa o WhatsApp Web, o delegado orienta a sempre fazer logoff máquina, depois de usá-lo. “É um perigo deixá-lo aberto em computadores. São orientações básicas e que as pessoas devem prestar a atenção, porque sem esses cuidados, elas se tornam presas fáceis para golpistas”, destaca.

Investigação complexa

Carlos Eduardo Rodrigues ressalta que a vítima de estelionato sempre precisa procurar a delegacia e prestar mais informações para que haja prosseguimento da investigação, pois não adianta apenas fazer o registro do boletim de ocorrência, pois trata-se de um tipo de crime de complexa apuração. “É preciso, na medida do possível, juntar as provas, como fazer os printscreen (captura) das telas das mensagens, do site onde a pessoa foi vítima, ter as contas para o depósito, porque precisamos partir de um ponto para começar a investigar”, assevera o policial.

Rodrigues pontua que essa investigação é mais complicada. “O entendimento da justiça é que o local competente para julgar é onde foi auferida a vantagem e, normalmente, a conta para a qual o dinheiro é depositado é de fora do estado. Os estelionatários, por exemplo, aplicam um golpe em Minas usando uma conta de recebimento do dinheiro em Goiás, como forma de dificultar a investigação”, afirma o delegado, que enfatiza que, apesar da dificuldade, a Polícia Civil consegue fazer o rastreamento, por exemplo, do endereço de IP (número identificador do computador) e de outras informações.

 

 

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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