Comunidade do Bairro São Mateus quer ação contra perturbação do sossego

Problema ocorre nas esquinas da Avenida Presidente Itamar Franco com a Rua Antônio Passarela (Foto: Reprodução/Fernando Priamo)

O problema começou como uma infração à lei do silêncio e à perturbação do sono e tem evoluído para o caos. Casos de violência, pichação, ocorrências de brigas, tráfico de drogas e disparos de arma de fogo permeiam a rotina da comunidade que mora na Avenida Presidente Itamar Franco, esquina da Rua Antônio Passarela, assustando moradores do Bairro São Mateus, Zona Sul. De quarta a domingo, quem passa pela via, uma das mais movimentadas de Juiz de Fora, pode observar o enorme número de adolescentes, jovens e adultos reunidos nos canteiros centrais da avenida e parte do asfalto, fazendo uso de bebida alcóolica, atravessando a via sem usar a faixa de pedestres e ouvindo som alto durante a madrugada.

O episódio considerado mais grave foi flagrado pelas câmeras de segurança de uma casa no momento em que tiros foram disparados por um rapaz acompanhado de outros dois. Pelas imagens é possível ver que a arma falha, e o alvo não teria sido atingido (ver vídeo). Um dossiê, com mais de 40 páginas, elaborado pelos moradores, comprova por meio de fotos, relatos e documentos que a situação tem ficado cada vez mais grave. Anteriormente aos disparos, a comunidade já havia se reunido com representantes da Secretaria de Meio Ambiente e Ordenamento Urbano (Semaur), Guarda Municipal e Polícia Militar na tentativa de resolver os problemas do local. No entanto, um mês após, a situação se repete. Nesta semana, uma nova reunião foi realizada a fim de definir medidas resolutivas. Muitos temem que a proximidade do período carnavalesco e a falta de ações por parte do Poder Público colaborem para uma tragédia.

A Tribuna esteve no endereço e flagrou o uso indiscriminado de bebidas, carros com som alto estacionados no pátio de uma farmácia, além do comércio ambulante que funciona entre a noite a madrugada. A concentração do problema é vista nas ruas do entorno dos bares Queens, Rise Together e Saideira. Muitos frequentadores destes estabelecimentos ocupavam espaços para além das calçadas, se equilibrando nos canteiros e até mesmo no meio da via, atrapalhando o tráfego de veículos tanto na pista que segue no sentido ao Centro, quanto do lado daqueles que usam a via para acessar os bairros da Zona Sul e Cidade Alta.

“Fizemos de tudo, mas não adianta”

A situação amedronta os moradores que, temendo represálias, optaram por não se identificar. Um empresário, 42 anos, defende a adoção de medidas severas. Na região, a aglomeração atrapalha o descanso de muitos, que já estão cansados de lutar pelos seus direitos. “Já reclamamos com os donos, com os frequentadores, fizemos de tudo, mas não adianta”. Aqueles que residem no local precisaram transformar sua rotina dentro das casas, mudando-se para os quartos dos fundos dos imóveis, enquanto outros recorrem a remédios para dormir. Moradora da Rua Antônio Passarela, a dona de casa, que preferiu não dizer o nome, se mudou para o São Mateus há cerca de quatro meses. Desde então, ela faz uso de medicamentos controlados para conseguir pegar no sono. “Eu só durmo à base de remédios. Todo dia preciso deles para descansar. Aluguei a casa sem saber que era assim. Achei estranho o valor do aluguel, mas a casa é muito boa e precisei mudar por problemas de saúde. Gastei mais de R$ 10 mil e não posso ir para outro lugar. Às vezes, me dou descanso do remédio nas segundas e terças, mas, a partir de quarta, é certo. A gente aciona a polícia, e eles não vêm.”

Ocupação do asfalto e dos canteiros centrais da via é uma das grandes preocupações. Em setembro, um jovem de 19 anos foi atropelado na região (Foto: Reprodução)

Por muitos anos à frente do Conselho Comunitário de Segurança Pública do São Mateus, José Luiz Britto Bastos, também morador do bairro desde que nasceu, se uniu aos mais afetados para que o problema seja solucionado. “A perturbação do sossego poderia ser evitada caso a Prefeitura cumprisse a lei de forma rigorosa, afinal quem concede licença para o funcionamento de bares, restaurantes, boates e clubes em áreas residenciais é ela própria.” Brechas na legislação, segundo ele, contribuem para a permanência do problema. “O artigo 86 do Código de Posturas do Município tem sido interpretado erroneamente, uma vez que a lei é mal redigida.” Pelo referido artigo, “é livre o horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais, industriais e prestadores de serviços, desde que haja prévio acordo ou convenção coletiva.”

“A interpretação errada do texto está impedindo que se estabeleça regras para o funcionamento destes estabelecimentos quando necessário, ou seja, o texto do caput do artigo impede que a autoridade municipal regulamente aquele tipo de comércio, segundo as condições exigidas em razão da sua localização. Isso quer dizer que o comércio de bares e restaurantes poderá até funcionar em horário livre, desde que não cause problemas à vizinhança do seu entorno. Um estabelecimento não pode funcionar 24 horas em hipótese alguma. Tem que ser feita uma alteração na legislação. É preciso fazer um estudo de impacto e estabelecer um horário de fechamento”, destacou, lembrando que essas ocorrências de perturbação de sossego são flutuantes e nunca erradicadas. “Eu mesmo já busquei soluções para o mesmo problema em outros pontos. Percebemos em Juiz de Fora que essas aglomerações apenas mudam de endereço e, na prática, nunca temos uma solução definitiva.”

Cobrança por atuação mais rigorosa da PM

Além da cobrança por ações mais severas por parte da fiscalização da Prefeitura, a comunidade do Bairro São Mateus faz severas críticas à atuação da Polícia Militar, que, segundo aquela comunidade, estaria sendo “omissa”. Conforme prevê a lei, “perturbar alguém, o trabalho ou o sossego alheios com gritaria ou algazarra; exercendo profissão incômoda ou ruidosa ou abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos pode resultar em prisão de 15 dias a três meses, ou multa”. De acordo com a legislação vigente que dispõe sobre a proteção contra a poluição sonora em Minas Gerais, após as 22h, são permitidos, no máximo, 60 decibéis.

(Foto: Reprodução)

“Basta passar aqui para saber que está além do permitido. Está extrapolando a situação da perturbação de sossego e se transformando em um problema de segurança pública. Desde abril que a movimentação tem se intensificado e agora está insustentável. A confusão mais recente e perigosa foi no dia que aconteceram os tiros. Minha vizinha ouviu dois estampidos, mas não sabia se eram bombas ou disparos. Depois, comprovamos a gravidade da situação com as imagens das câmeras de segurança”, contou o servidor público, 38 anos.

Ter o sono interrompido devido à poluição sonora é rotina para a vizinhança. Este também é o caso, do servidor público, morador do prédio vizinho aos três estabelecimentos comerciais. Durante os encontros que acontecem nos bares, relatam os moradores, frequentadores abusam não apenas da intensidade da voz, como circulam com sons automotivos em volume incompatível, que se estende pela madrugada e até pela manhã do dia seguinte. “A situação piorou um pouco nestes últimos meses. Eles usam o estacionamento da drogaria para deixar seus veículos, e assim passam a noite toda. Eu precisei ir para o quarto dos fundos para conseguir dormir e mesmo assim tem dias que não consigo. Sem falar que os bares fazem das calçadas uma extensão deles. Fica muita gente no meio da rua, tornando o ambiente perigoso para eles e para quem trafega pelo local de carro.”

Moradora da Avenida Presidente Itamar Franco e vendedora, 33, que também prefere não ter seu nome revelado, garante que, por vezes, mesmo com as portas abaixadas, o Saideira permanece vendendo bebidas. “Cansei de ver do meu prédio eles entregando bebidas para adolescentes. Se permanecem fornecendo, as pessoas não irão se dispersar. Muito pelo contrário, vão continuar ali.” A promotora de Defesa da Educação e dos Direitos da Crianças e do Adolescente, Samyra Ribeiro Namen, se disse sensível à questão e afirmou ter feito requerimentos cobrando fiscalização por parte do Comissariado de Menores. Vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar bebida alcoólica ou outros produtos que possam causar dependência psíquica para crianças ou adolescentes é crime. A multa pelo descumprimento varia de R$ 3 mil a R$ 10 mil, além da possibilidade de fechamento do estabelecimento comercial.

(Foto: Reprodução)

Dossiê traz relatos de atropelamento

No dia 21 de setembro, um jovem de 19 anos foi atropelado na esquina da Avenida Presidente Itamar Franco com a Rua Antônio Passarela e arremessado a cerca de 30 metros. O acidente ocorreu por volta de 1h30 e, conforme o registro feito pela PM, a vítima teria atravessado na faixa de pedestres, porém, quando o sinal estava aberto para os carros. Ele foi atingido por um veículo e ocorrido pelo Samu com trauma de face, sangramento e confusão mental. Já o condutor, 37 anos, não se feriu, mas, segundo a PM, deixou o local alegando que estava se sentindo mal e procurou um hospital particular. Ele se negou a fazer o teste do bafômetro. A ocorrência, que integra o dossiê, foi mais um alerta por parte da vizinhança que busca por soluções.

A proprietária de um estabelecimento comercial e moradora do São Mateus, que também optou por não revelar seu nome, relata a situação. “Está insuportável. É grito, falação, bebedeira, som alto, principalmente de quinta a domingo. Eu tenho uma criança de dois anos que não dorme mais no quarto dela, que é do outro lado. Mesmo assim temos que fechar toda a casa. Ela acorda apavorada, chora muito. Saio da loja depois de meia-noite e encontro dificuldades para dormir. Perturba mesmo. Quando meu comércio está aberto, muita gente pede para usar o banheiro, pois os bares não têm estrutura. A calçada do meu negócio vira um verdadeiro local para uso de drogas”, acrescentou, temendo ainda que, por insegurança, sua clientela diminua caso persista a situação.

Vizinho de um dos bares, um advogado que também auxiliou na elaboração do relatório entregue às autoridades, já presenciou, além de uso de drogas, cenas de sexo na porta de casa, além de ser vítima de furtos por parte dos frequentadores. “Essa situação precisa mudar e por isso fizemos esse relatório com fotos e relatos a fim de comprovar tudo o que temos reclamado.”

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Dossiê elaborado pelos moradores, com mais de 40 páginas, mostra por meio de fotos, relatos e documentos que a situação tem ficado cada vez mais grave (Foto: Fernando Priamo)

Bares se dizem preocupados com problema

A aglomeração e os riscos que ela traz àquela comunidade é de conhecimentos dos proprietários dos bares Queens Rise Togheter e Saideira que se dizem preocupados com o problema. Em conversa com a Tribuna, Vinícius Alvarenga, proprietário do Queens, disse que, durante os últimos meses, não houve aglomeração em excesso na porta de seu bar. Segundo ele, o maior movimento tem acontecido a partir da Rua Antônio Passarela, local em que ambulantes vendem livremente os seus produtos. “O Queens não se responsabiliza pelos carros de som que ficam estacionados a uma distância considerável do bar. Temos um espaço interno suficiente para atender os nossos clientes. Nossas bebidas são servidas em copos de vidro e nosso principal sistema de vendas é através de comandas, o que nos possibilita ter maior controle sobre quem frequenta nosso estabelecimento. Não acreditamos que a melhor solução para a cidade seja culpabilizar os estabelecimentos e acreditamos que a prioridade deveria ser investimento em proteger e fiscalizar as irregularidades externas, garantindo o entretenimento para a população”, ressaltou. Apesar de alegar não ter sido chamado para a reunião em que o assunto foi discutido, Vinícius declarou estar “aberto a dialogar a fim de solucionar qualquer tipo de problema”.

Já o proprietário Rise Together, Douglas Rodrigues, se diz incomodado com tal situação, pois também é morador do bairro. “Estamos produzindo cartilhas para orientar nossos consumidores e os moradores dos prédios em volta sobre nossa postura enquanto bar. Quando vou para a casa, percebo a presença de uma galera violenta, som alto e estamos tentando lutar com isso, que nada tem relação com o público da Rise”, disse ele acrescentando que há anos estão localizados, na Avenida Independência, e que a aglomeração é recente. “Coisa de seis meses no máximo. Alguns atribuem isso a nossa promoção de bebidas todas as quintas-feiras, mas desde o início a fazemos e, não seria só agora que este tipo de ação traria reflexos para os moradores, uma vez que o movimento é recente. É nosso interesse resolver, pois isso também nos preocupa”, garantiu.

Um dos sócios do Saideira, Felipe Oliveira, que iniciou como distribuidora e hoje funciona também como bar, esclareceu que é recente a mudança em seu comércio por uma “tendência de mercado”. “As pessoas buscam menor preço, e tivemos que nos adaptar. Nossa ideia, no entanto, não é aglomerar essas pessoas e temos observado situações desagradáveis. Também temos passado por falta de segurança e de respeito. Há algum tempo, a situação ficou mais perigosa. Tem gente que usa entorpecentes e que até mesmo comercializa (as drogas) aqui perto”. Segundo Felipe, na tentativa de resolver o problema, algumas medidas vêm sendo tomadas. “Desde dezembro, aumentamos o preço da maioria das bebidas, não permitimos que copos e garrafas de vidro sejam levadas para a parte externa do bar, apenas copos descartáveis, e reduzimos nosso horário de funcionamento, que agora se estende apenas até a 1h”, ressaltou ele, levantando a mesma questão dos moradores com relação à presença policial. “De dezembro até agora, eu acionei a polícia, pelo menos, cinco vezes, e eles não vieram. Nossa segurança também fica em risco.” Quanto à venda de bebidas após o fechamento das portas, Felipe nega e diz que o comércio ambulante é quem pode estar fornecendo a bebida.

PM afirma ter intensificado patrulhamento

Comandante da 32ª Companhia da Polícia Militar, responsável pela segurança da região Sul de Juiz de Fora, tenente Felipe Mucidas, explica que, em virtude da aglomeração de pessoas, foi intensificado, desde novembro, o patrulhamento naquele local para coibir os abusos e desordens. “A Polícia Militar recebe solicitações via 190, contudo, em alguns momentos, não há recursos de atendimento disponíveis, pois são empenhados de acordo com a gravidade das ocorrências”, disse.

Após o final de semana anterior à publicação desta reportagem, em que houve o bloco irregular no Bairro Alto dos Passos e muitos se dirigiram para o São Mateus, a reportagem buscou novamente o posicionamento da PM. Segundo o comandante, “houve necessidade de atuação com emprego de instrumentos de menor potencial ofensivo para repelir a injusta agressão durante a dispersão de frequentadores desordeiros”. A confusão teria partido de uma briga generalizada entre alguns participantes do evento e, na tentativa de conter a confusão, dois policiais ficaram feridos. A PM estimou que cerca de 10 mil pessoas tenham tomado as ruas do Alto dos Passos.

Sobre os problemas relacionados ao tráfico de drogas, brigas entre gangues e tentativa de homicídio, o tenente afirmou: “não temos conhecimento. Sabemos , no entanto, do uso e consumo de drogas. Mas, não há qualquer tipo de registro ou demanda, neste sentido por parte da corporação”.

Prefeitura prepara ações pontuais

A Prefeitura, por meio da Secretaria de Meio Ambiente e Ordenamento Urbano (Semaur), afirmou, em nota, que a situação de aglomeração de pessoas não cabe medidas administrativas da Prefeitura e sim ações da PM. Além disso, reafirmou que os bares têm alvará, e o horário de funcionamento é livre de acordo com o artigo 86 do Código de Posturas.

Na última quarta-feira, foi realizada reunião entre a Prefeitura, Polícia Militar, os proprietários dos estabelecimentos e de representantes da Associação de Moradores do Bairro São Mateus e do Conselho Comunitário de Segurança de Pública. “Algumas ações pontuais estão sendo planejadas para serem executadas em conjunto com todos os órgãos, já nas próximas semanas, na tentativa de sanar o problema. Após colocadas em prática estas medidas, um novo encontro será agendado para avaliar os efeitos obtidos”, diz o texto da nota.

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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