Em três meses, óbitos por Covid-19 superam os de 2020 em JF

Os índices da pandemia do coronavírus em Juiz de Fora, a exemplo do país, não param de evidenciar o agravamento da Covid-19 na cidade. Levantamento realizado pela Tribuna com base em dados divulgados pela Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) mostra que o quantitativo de óbitos atestados ao longo dos últimos três meses superou o número das mortes ocorridas ao longo de todo o ano passado. Entre 1° de janeiro e 31 de março, Juiz de Fora perdeu 546 de seus moradores vítimas da doença, o que representa seis óbitos por dia ao longo dos últimos três meses. Em 2020, o número de falecimentos contabilizados é de 536 – uma média de 1,9 morte por dia no período. O levantamento feito pela reportagem considerou os falecimentos com base nas datas de ocorrência e não de confirmação da morte. Estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e divulgado nesta quinta-feira (1º de abril), mostrou, inclusive, que taxa de letalidade por Covid-19 em Juiz de Fora atingiu 4,28% no dia 29 de março e já é praticamente o dobro do índice de 2,16%, alcançado pelo Estado de Minas Gerais.

Além disso, em termos epidemiológicos, o mês de março superou todos o recordes de casos, mortes e hospitalizações decorrentes da Covid-19, e o município passa pelo pior momento da pandemia. Nos últimos 31 dias, a cidade registrou mais de 20% do total de falecimentos ocorridos na cidade desde março do ano passado. Nas últimas duas semanas, conforme a PJF, a média móvel de óbitos aumentou em cerca de 86%. Isso significa a confirmação média de 11,71 mortes por dia no período.

Além das vidas perdidas, o cenário também se agrava em relação às notificações de casos confirmados e também de síndrome gripal, considerada suspeita para a Covid-19. De acordo com a Prefeitura, a média móvel de casos confirmados da doença nas últimas duas semanas estava, até a última quarta-feira, em 183,50 casos/dia, o que equivale a uma alta de 30,34% em relação ao período anterior.

O mês de março também foi marcado por sucessivos recordes no número de hospitalizados em “leitos Covid”, muitas vezes em dias consecutivos. Do dia 1º ao dia 31, houve um aumento de 83,2% do número total de internações simultâneas em leitos exclusivos para o tratamento da doença. Na última segunda-feira, a cidade viu esgotar a capacidade de atendimento hospitalar em leitos UTI SUS Covid e na rede particular, índices que continuaram críticos ao longo de toda a semana.

Além das estatísticas

Além de alarmantes, os dados epidemiológicos da doença também carregam a dor e angústia de muitas famílias. Por trás das planilhas e dos números, existem as histórias de mais de mil moradores de Juiz de Fora. Entre essas vítimas estão, pelo menos, 430 idosas e 435 homens da terceira idade. Apesar de pessoas acima de 60 anos e com comorbidades serem o grupo de pacientes que mais falecem vítimas do coronavírus, também tem aumentado o número de mortes entre os mais jovens. Ao longo de um ano de pandemia, também perderam a vida pelo menos 129 homens com menos de 60 anos e 83 mulheres na mesma faixa etária. Ainda fazem parte da lista quatro bebês e uma criança de nove anos.

Entre os mais jovens que tiveram a vida interrompida pela doença na cidade, está o motorista Douglas de Araújo Mendes, que faleceu aos 37 anos, no último dia 14. Ele deixou esposa e dois filhos – uma menina de 11 anos e um bebê de quase 1 ano. Também faleceu vítima da Covid-19 este ano, em fevereiro, José Carlos Passos, o empresário Zé Kodak, 75 anos, criador da Banda Daki, causando grande perda para a cultura de Juiz de Fora. A poeta Maria Lúcia Alvim, 88 anos, que escolheu Juiz de Fora como seu abrigo desde 2011, também é uma das mais de mil pessoas na cidade que morreu vítima da doença. Apesar da idade, a poeta não tinha complicação alguma de saúde.

Juiz de Fora também perdeu o presidente da Unimed, o médico Hugo Borges, aos 70 anos; a auxiliar de enfermagem Rita de Cássia Fernandes, de 58 anos; o reumatologista e fundador da AME, Aloysio Fellet, aos 87 anos; o monsenhor Miguel Falabella de Castro, 89 anos, e outras centenas de moradores. A identidade da maioria das vítimas, entretanto, não é divulgada.

Em 2020, o número de falecimentos contabilizados foi de 536. De janeiro a 31 de março deste ano, foram 546 óbitos (Foto: Fernando Priamo)

Mil mortes

Em vídeo publicado em redes sociais no último dia 26, quando a cidade chegou à triste marca de mil vidas perdidas, a prefeita Margarida Salomão (PT) lamentou todas as mortes e expressou solidariedade às famílias que vivem a dor da perda. “Hoje Juiz de Fora lamenta mil mortes por Covid-19. Um dia de luto, de tristeza profunda. Aos familiares e aos amigos das vítimas, nossa mais profunda solidariedade. À sociedade juiz-forana, nosso compromisso por lutar em defesa da vida, com toda a seriedade que esse compromisso exige”, disse.

Razões para agravamento

Sobre a alta taxa de mortalidade na cidade, a Secretaria de Saúde da Prefeitura pontuou que os dados epidemiológicos disponibilizados no painel Covid-19 mostram uma evolução dos casos suspeitos e casos confirmados de coronavírus desde novembro de 2020. Na análise da pasta municipal, o aumento do número de mortes é reflexo do que tem acontecido no cenário nacional após os períodos de festividades de fim de ano e, mais recentemente, o Carnaval.

A Secretaria de Saúde também avalia que o aumento da letalidade pode estar relacionado ao relaxamento da medidas de prevenção, como distanciamento social, utilização de medidas de higiene e uso de máscaras, principalmente entre a população entre 30 e 39 anos – faixa etária que concentra o maior número de infectados pela Covid-19, conforme dados da PJF.

Além disso, outro fator determinante para a piora da situação epidemiológica na cidade, segundo a pasta, é a presença de novas variantes do vírus. A circulação foi, inclusive, constatada por pesquisadores do Centro de Estudos em Microbiologia da UFJF. “Essas variantes e cepas têm mais capacidade de infecção e também de letalidade pelo que indicam os pesquisadores. Como forma de evitar o agravamento ainda maior da situação, a PJF decretou o lockdown uma semana antes de a maioria do estado entrar compulsoriamente na onda roxa do Minas Consciente e está investindo na criação de leitos de UTI e enfermaria Covid”, destaca a nota sobre as medidas de enfrentamento à situação.

Alto número de mortes deve persistir

Na avaliação do coordenador do programa de pós-graduação em Saúde da UFJF, Fernando Antônio Basile Colugnati, o alto número de mortes causadas pela doença deve continuar ocorrendo nas próximas semanas. “Estamos vindo de três ou quatro semanas de grande elevação no número de internações, o que já está trazendo reflexos. Tivemos duas semanas seguidas com mais de 50 mortes na semana, o que deve se repetir e persistir por algum tempo ainda. Não tenho dúvidas de que a mortalidade vai continuar alta em Juiz de Fora.”

Conforme lembra o infectologista Marcos Moura, o índice de mortalidade está diretamente relacionado à taxa de ocupação de leitos. “Nesse momento da pandemia, temos uma ocupação e demanda por leitos maior do que a capacidade. E quando a assistência a pacientes graves que demandam terapia intensiva é prejudicada, a mortalidade aumenta muito.”

Para o infectologista o maior agravamento dos quadros da doença está relacionado às flexibilizações e também a circulação de novas variantes do coronavírus que, a princípio, parecem ser mais agressivas. “Hoje estamos diante de variáveis virais de maior infectividade e se propagando mais rápido na população, porque o vírus está mais transmissível.”

A respeito da maior ocorrência de falecimentos em pessoas abaixo de 60 anos, Moura alerta sobre o risco das novas cepas também para esta faixa etária, principalmente para os pacientes que já possuem alguma doença associada – fator que pode contribuir ainda mais para o agravamento da Covid-19.

“Os mais jovens criaram, de forma geral, a ilusão de que não estão vulneráveis ao vírus, mas existem um infinidade de jovens que possuem comorbidades, principalmente doenças crônicas, até mesmo obesidade, e isso incorpora uma gravidade altíssima nesses pacientes. O paciente obeso é um paciente que sofre muito em uma intubação. É também uma questão matemática, esses pacientes estão muito mais expostos e vão se contaminando. Com isso, começamos a ter estatísticamente um número maior de mortes em pessoas mais jovens. Porém, ainda assim, a taxa de mortalidade em idosos e pessoas como comorbidades é maior”.

De acordo com dados da PJF, 810 pacientes (93,21% ) que foram a óbito pela Covid-19 tinham comorbidades associadas.

‘Lockdown’

O pesquisador Fernando Antônio Basile Colugnati, que está à frente do grupo de Modelagem Epidemiológica da Covid-19 da UFJF, analisa que o índice de mortalidade não é um indicador para avaliar efeito de lockdown, uma vez que é necessário um intervalo maior que um mês para que o paciente agrave dos primeiros sintomas para óbito.

“A morte por Covid ocorre, no geral, um mês depois da pessoa apresentar os primeiros sintomas ou em até mais tempo que isso. Então, se a gente faz o lockdown agora, o que se espera é que se veja uma queda no número de casos suspeitos, confirmados, mas não dos óbitos. Se essas medidas restritivas tiverem algum efeito, começaremos a perceber somente após um mês”, explica.

Conforme o pesquisador, os efeitos de medidas restritivas como o lockdown são percebidos, em um primeiro momento, no número de casos suspeitos da doença. As notificações, no entanto, seguem aumentando na cidade. A circunstância, inclusive, foi tema de matéria publicada pela Tribuna no último dia 26, mostrando o crescente aumento de casos suspeitos de Covid-19 e a possível subnotificação da doença. Para Colugnati, a situação pode prejudicar uma análise do cenário.

“Não sei dizer se essa alta é pelo retorno das notificações ou se realmente é um crescimento do número de suspeitos. Essa subnotificação que ocorreu em algumas semanas atrapalhou a visualização dos dados. A princípio, o número de casos confirmados não têm caído também. Talvez a partir da próxima semana consigamos perceber alguma mudança”, analisa.

Para Marcos Moura, mudanças significativas no cenário epidemiológico na cidade apareceriam com um índice de isolamento social acimas de 70%. Nesta quinta-feira (1º de abril), a taxa, de acordo com dados do painel gerencial da PJF, era de 48,95%%. A média nos últimos sete dias é ainda menor: de 40,9%.

“O lockdown é uma medida extrema para o bloqueio do ciclo de transmissão da doença. Porém ele tem que ser feito de maneira rígida, porque um falso fechamento pode fazer a situação se arrastar por mais tempo. Hoje, por exemplo, temos uma taxa de isolamento menor do que no início da pandemia quando não tinha lockdown. Para ter um efeito real, seria necessário em torno de 70%”, analisa.

Busca preventiva dos serviços de saúde

Entre um dos fatores citados pela Prefeitura que pode estar impactando a taxa de mortalidade na cidade, é a busca tardia por atendimento médico. Nesse sentido, o Município alerta para a necessidade da busca preventiva de atendimento e acompanhamento. “A busca preventiva aos serviços de saúde logo que sintomas como falta de ar, dificuldade respiratória, ou cansaço fora do normal apareça durante a execução das atividades cotidianas, deve ocorrer nos momentos iniciais. Isso evita que pacientes sejam atendidos já em estado grave e que tenham necessidade de hospitalização imediata”, diz a nota encaminhada pela Secretaria de Saúde.

A opinião também é compartilhada pelo infectologista Marcos Moura. “De forma geral, o paciente com qualquer sintoma deve procurar um médico para poder ter acompanhamento. A falta de assistência adequada gera mortalidade. Então o paciente que está doente merece um acompanhamento, para evitar um falso diagnóstico ou uso de medicamento sem eficácia contra a doença, o que vai impactar diretamente em uma gravidade da doença e uma mortalidade com certeza.”

Letalidade por Covid-19 em JF é o dobro em relação ao estado

A taxa de letalidade por Covid-19 em Juiz de Fora atingiu 4,28% no dia 29 de março e já é praticamente o dobro do índice de 2,16%, alcançado pelo estado de Minas Gerais. Na mesma data, as porcentagens de mortes em relação ao número de casos confirmados também eram bem menores na região da Zona da Mata (2,44%) e no Brasil (2,50%), na comparação com o município.

Os dados foram divulgados na 24ª edição do boletim da Plataforma JF Salvando Todos, elaborado por alunos e docentes do curso de estatística da UFJF. O mapeamento da evolução da pandemia confirma que a cidade está em seu pior momento, com aceleração no número de contaminações e de óbitos.

Enquanto o município registrava 21.847 casos confirmados e 901 vidas perdidas no dia 15 de março, os mesmos dados saltaram para 24.385 e 1.044, respectivamente, apenas duas semanas depois. Os aumentos foram de 11,6% nos testes positivos para o coronavírus e de 15,9% nas mortes. No mesmo período, a média móvel evoluiu de 119 confirmações para 202, representando um incremento de quase 70%. Já a média diária de óbitos dobrou, passando de 6,4 no dia 15 de março para 12,9 em 29 do mesmo mês.

“Estamos vivendo o momento mais grave desde o início da pandemia. Isso, tanto no Brasil como um todo, em Minas Gerais e Juiz de Fora”, declarou um dos autores do documento, Marcel Vieira, por meio da assessoria. Além de a taxa de letalidade em Juiz de Fora continuar muito superior àquelas do estado e do país, houve aumento nas últimas duas semanas. Nos dois levantamentos feitos pela UFJF na primeira quinzena de março o índice era de 4,12%, enquanto no fim do mês chegou a 4,28%.

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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