Em um ano, mais de 350 idosos são vítimas de violência em JF

Em um ano, 252 idosos foram vítimas de negligência e abandono em Juiz de Fora, de acordo com dados do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) da Secretaria de Desenvolvimento Social do município. Os casos foram registrados entre maio de 2019 e maio de 2020, mesmo período em que outros 108 idosos atendidos pelo órgão foram vítimas de violência intrafamiliar. O levantamento mostra ainda que as mulheres são as principais vítimas. No que se refere à violência intrafamiliar, elas representam 67% do total. Nos casos de negligência e abandono, 63% dos atendidos são mulheres.

Os números trazem à tona a realidade a qual muitos idosos estão sujeitos diariamente, apesar de não traduzirem, fielmente, esse cotidiano, uma vez que a vergonha, o medo de retaliações e até a preocupação com possíveis penalidades ao abusador podem levar a vítima a não relatar a violência, subnotificando as estatísticas.

Dessa forma, autoridades e especialistas alertam que é preciso estar sensível e atento a essa situação, principalmente ao longo do período de isolamento social em razão da pandemia do coronavírus, já que as pessoas com 60 anos ou mais integram também o grupo daqueles que estão mais expostos à violência doméstica neste momento.

Diferentes tipos

A titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Pessoa com Deficiência e ao Idoso de Belo Horizonte, Margareth Travessoni, explica que há diferentes tipos de violência. Os atos físicos, como empurrões, tapas e chutes, em casa ou em instituições, abalam o corpo e a mente e, por vezes, podem antecipar a morte do idoso. “Já a negligência é quando um parente ou cuidador não atende às necessidades básicas da pessoa, como alimentação, higiene e medicamentos. E a violência financeira é o uso indevido do dinheiro e a apropriação ilegal dos bens da pessoa sob cuidado”, enumera a delegada.

No entanto, conforme Margareth, é preciso lembrar que todas essas situações são elencadas como violência contra os idosos, pois “não é só a agressão física que machuca. Os gritos, os insultos, as ameaças e o constrangimento podem levar à perda de dignidade, ansiedade e exílio da vítima”.

Na capital mineira, a Polícia Civil também registrou, no período de um ano, 649 ocorrências contra idosos. A assessoria de comunicação do órgão não informou o número de registros de violência contra idosos em Juiz de Fora. Mas há casos recentes que ilustram a situação, como o das duas irmãs, de 24 e 30 anos, suspeitas de serem mandantes do assassinato da tia, uma idosa de 62 anos. O crime ocorreu no Bairro São Benedito, na Zona Leste, no dia 3 de fevereiro deste ano, quando a vítima Maria de Fátima Marchini foi morta com 35 facadas. As suspeitas foram capturadas em casa no dia 13 de junho. A investigações da Polícia Civil apontaram que a motivação do crime seria o fato de que as sobrinhas contraíram uma série de dívidas no cartão de crédito da idosa.

Mais de 60% das ocorrências eram contra mulheres. Além de agressões, há também exploração financeira (Foto: Arquivo TM)

Fortalecimento de vínculos

Em Juiz de Fora, um dos canais para apoio às vítimas idosas e para seus familiares é o Creas, serviço que trabalha com o fortalecimento dos vínculos nas famílias que estão passando por uma violação de direitos. “No caso de idosos nessa situação, eles chegam ao Centro por meio de encaminhamento ou através de atendimento no nosso plantão, onde a pessoa se dirige para fazer uma denúncia, quando observa que há um idoso com direito violado”, explica Mirian Marques de Carvalho, coordenadora do Creas Centro 1.

De acordo com ela, ao ingressar no serviço, a vítima recebe acompanhamento de uma equipe técnica formada por advogados, psicólogos e assistentes sociais, que realizam visitas domiciliares e atendimentos ao idoso e à sua família. “A proposta desse acompanhamento visa a superação da violação de direitos e contribuir para efetivação de direitos assegurados na legislação, buscando o fortalecimento dos vínculos familiares e romper com o descumprimento de direitos, além de fazer encaminhamentos, quando necessário, para os órgão de garantias de direitos”, ressalta.

Independente do tipo de violência, pontua Mirian, seja psicológica ou feita por meio de ameaças, de negligências nos cuidados essenciais, de abusos financeiros ou de maus-tratos, são situações que impactam de forma significativa a vida dessas pessoas. “Há um prejuízo tanto da saúde física quanto mental, contribuindo para a diminuição da autoestima do idoso, além de colocá-lo em risco”, destaca.

Denúncias

Por conta disso, ela alerta para a necessidade de que toda suspeita de violência intrafamiliar contra pessoa idosa seja denunciada. “Isso pode acontecer de forma presencial nos Creas por familiares, amigos e vizinhos, com a garantia do sigilo da identidade do denunciante e da informação, ou ainda pelo Disque 100”. Juiz de Fora conta com o Creas Centro 1, localizado na Praça Presidente Antônio Carlos, no Centro (3690-8483), Creas Centro 2, na Rua Espírito Santo, no Centro (3690-8275), e Creas Norte, na Rua Dona Ambrosina Nunes Lima, no Bairro Jóquei Clube (3223-3491).

Isolamento exige busca por alternativas para suprir demanda

Para o assistente social e gerontólogo José Anísio Pitico da Silva, é preciso considerar que essa situação de violência contra o idoso não é algo da contemporaneidade, mas uma cultura milenar nas sociedades humanas, em razão da não aceitação do envelhecimento. Segundo ele, neste momento de pandemia e de imposição do isolamento social, a vulnerabilidade dos idosos está mais em evidência. Todavia, o isolamento de pessoas que já se encontram na velhice é uma constante na realidade delas.

“Principalmente para aquelas que são pertencentes às classes sociais mais empobrecidas, muitas vezes pensionistas, e que muito mal conseguem suprir suas necessidades básicas. Existe uma predominância de falta de contato familiar, de ausência de uma rede familiar, que é necessária para dar conta não só da pobreza material, mas também da questão do saber cuidar, do afeto, do amor, tão necessário em todas as idades, mas, em especial, no envelhecimento”, observa Pitico.

Conforme ele, com a crise provocada pelo coronavírus, a existência dos idosos ganhou mais visibilidade por eles pertencerem ao grupo de risco. “Para essas pessoas em precárias condições socioeconômicas, ficar sem contato familiar, sem afeto, sem carinho, sem abraço e sem reunião causa angústia, depressão e tristeza. É preciso ressaltar que, por mais que existam os carinhos virtuais para aqueles que têm recursos tecnológicos e uma inserção no mundo educacional de forma diferenciada, é difícil lidar com o isolamento e com essa privação de contato social. Assim, é preciso buscar alternativas para que esse contato seja realizado no dia a dia”.

Ainda de acordo com o gerontólogo, há um despreparo da sociedade brasileira no que se refere ao apoio e ao investimento público para pessoas idosas. “Mesmo na pandemia há uma concentração de recursos para outras faixas etárias, mas não para idosos. A população idosa é a que mais cresce e é o futuro de todos. Então é preciso um alerta para que haja engajamento de todos e não só em momentos extraordinários para uma nova cultura em que os idosos sejam respeitados e tenham atendidas suas necessidades de cidadania”, reflete

Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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