Internações por risco de suicídio crescem em Juiz de Fora

As campanhas do Setembro Amarelo se dispõem a quebrar os preconceitos em relação à saúde mental. Porém, falar sobre suicídio continua sendo um grande desafio, mesmo que os números relacionados ao autoextermínio sejam alarmantes. Levantamento feito pela Tribuna por meio do sistema Datasus revelou que o número de internações nas unidades de saúde de Juiz de Fora, em razão do alto risco de suicídio, vem aumentando desde que os dados começaram a ser colhidos, em 2012. Considerando os registros consolidados apenas no primeiro semestre de cada ano, o número praticamente triplicou de lá pra cá: em 2013, havia 21 casos; em 2019, foram 61, a maior quantidade apontada desde que o sistema começou a colher essas informações. Em 2017 e 2018, os números foram de, respectivamente, 47 e 54 internações por alto risco de suicídio.

O registro técnico do Datasus fala em “tratamento clínico em saúde mental em situação de risco elevado de suicídio”. Mas esses não são os únicos números que causam preocupação. Levantamento feito junto aos registros de forças de segurança e saúde pública, como Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, unidades de saúde e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), a pedido da assessoria do vereador José Mansueto Fiorilo (PTC), aponta que as ocorrências de tentativas e mortes por suicídio também aumentaram. Em 2017, foram registrados em Juiz de Fora, ao todo, 85 tentativas e 30 mortes por suicídio. Em 2018, o número de tentativas quase dobrou, chegando a 134 registros. No ano passado houve ainda uma morte a mais que em 2017. Em 2019, até o dia primeiro de setembro, já foram notificadas 101 tentativas de suicídio e 22 mortes.

Necessidade de contextualização

Para o professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Fernando Santana, embora os números sejam fundamentais para a avaliação da situação, o tempo histórico ao qual eles se referem é curto. Segundo ele, para entender esses números, é preciso, ainda, ler o contexto em que estão inseridos, inclusive com recortes de classe e de gênero. “Vemos na literatura que isso tem relação com o sofrimento mental: a ideação suicida com o lugar que essa pessoa ocupa na sociedade. Então, o dado em si é importante. Mas ele também precisa ser comparado com outras realidades, como o mundo e o próprio país. Essas são pesquisas difíceis de serem feitas. Mas o que interessa é que se uma pessoa tenta ou morre por suicídio, já precisamos estar atentos.”

De acordo com o presidente da Associação Psiquiátrica de Juiz de Fora, Bruno Cruz, além da tendência de aumento das notificações, ainda há que se lembrar da subnotificação. “De qualquer forma, a conclusão a que se chega é que o atendimento em saúde mental ainda é precário, porque a maior parte dos casos está relacionada a transtornos mentais. Quando falamos de prevenção, necessariamente, estamos falando de tratamento desses transtornos mentais”, afirma.

Público jovem desprovido de assistência

Outra informação do levantamento conjunto das forças de segurança pública é a de que os jovens entre 19 e 30 anos estão entre os que mais morrem por suicídio. A situação desse grupo, segundo Bruno Cruz, chama a atenção porque demonstra que a população jovem está desprovida de assistência. “O nosso sistema de saúde ainda não está capacitado para perceber as necessidades dessa população. Na grande maioria dos casos, eles avisam, dão sinais, procuram tratamento. Mas os jovens ainda não conseguem acessar essa assistência.”

Por outro lado, o professor Fernando Santana frisa que há uma grande quantidade de jovens marcados por violências de faltas de acesso. “Há inúmeras formas de ser jovem, ainda mais no Brasil. Mas há pontos sobre eles que convergem, guardadas as especificidades de raça, classe e gênero. Há uma dificuldade de possibilitar projetos de vida mais interessantes para esses jovens. Levando em consideração as taxas de desemprego, e o fato de que, de 2017 para cá, o público mais afetado pela falta de emprego é o jovem, podemos perceber que há uma falta de perspectiva para ele.”

Ainda de acordo com o professor, é preciso considerar que há relação entre a ideação suicida e os sentimentos de apatia, isolamento, falta de perspectiva e desesperança – quando, por exemplo, as pessoas olham para o futuro e não conseguem projetar suas próprias vidas, o que pode provocar sentimentos e ideias não condizentes com a produção da vida. “Do ponto de vista psicológico, o jovem está em um momento delicado de sua constituição enquanto sujeito, ou seja, na produção de sua identidade, tentando buscar respostas como: ‘quem eu sou?’, ‘o que estou fazendo aqui?’, ‘para onde vou?’… Ele tem incertezas sobre o que vai fazer, se vai conseguir resolver os problemas que foram colocados, e vejo que há um problema que nós temos que resolver.”

Ambulatório multidisciplinar

“É preciso estar atento à população, olhar atentamente para as pessoas. Com as campanhas, elas entendem que é preciso cuidar da saúde mental”, diz Bruno Cruz, presidente da Associação Psiquiátrica de Juiz de Fora (Foto: Marcelo Ribeiro/Arquivo TM)

Quando se fala em atendimento e tratamento em saúde mental, a ideia inicial é de que as pessoas necessitam de intervenção farmacológica. No entanto, para o psiquiatra Bruno Cruz, esse atendimento quer dizer acesso à saúde mental, o que vai influenciar na melhora na qualidade de vida desse indivíduo. “É preciso estar atento à população, olhar atentamente para as pessoas. Com as campanhas, elas entendem que é preciso cuidar da saúde mental. Mas essa preocupação não pode ficar restrita à setembro, tem que estar em todos os outros meses, mas voltada para o atendimento”, afirma o psiquiatra.

Ele salienta que o trabalho feito pelos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) deve ser destacado, mas é preciso somar frentes para que todas as pessoas consigam chegar ao atendimento. “Precisamos de um ambulatório de psiquiatria na cidade. Temos de outras especialidades, como cardiologia, neurologia. Por que ainda não temos um de psiquiatria? O número de pessoas que os Caps recebem é muito grande.”

Em resposta ao questionamento, a Prefeitura de Juiz de Fora informou, por meio de nota, que o atendimento da Rede de Atenção Psicossocial é composta por cinco Centros de Atenção Psicossocial, que atendem toda a cidade. Dos cinco, um é o Caps Álcool e Drogas e o outro é Infanto Juvenil (IJ). Além desses, há também o Caps HU, o Caps Casa Viva e o Caps Leste, que atendem de forma territorializada, além do Centro de Atenção à Saúde Mental (Casm), que é referência para a Zona Norte.

Sobre a possibilidade de a cidade ter ambulatórios, a PJF ressaltou que o Ministério da Saúde publicou a Nota Técnica nº11/2019, que inclui na Rede de Atenção Psicossocial o ambulartório multiprofissional de saúde mental. No entanto, essa nota foi recolhida, sendo necessário o aguardo de orientações normativas para o pleito de financiamento do serviço. “Vale ressaltar que o Departamento de Saúde Mental tem o interesse em disponibilizar este serviço e vem fazendo parcerias para viabilizar sua efetivação. Porém, é preciso a devida orientação normativa ministerial”, destaca a nota da PJF.

O comunicado da Prefeitura ainda explica que não se trataria de um ambulatório de psiquiatria, o que se afastaria da lógica da saúde mental, mas de um serviço com equipe multidisciplinar, e com funcionamento articulado e intermediário às unidades básicas de saúde e serviços especializados de saúde mental.

Primeiro passo é falar

Independente dos números, tudo o que envolve a saúde mental, em geral, mobiliza uma rede: familiares, amigos, escola, ambiente de trabalho. As pessoas que passam por algum tipo de sofrimento mental, conforme lembra o professor Fernando Santana, apresentam muita vergonha de falar a respeito, de expor o que estão passando, e a tendência é ocultar, “pois estamos cada vez mais convidados ao silêncio, evitando tocar em temas que desagradem o estado atual das coisas”. Desse modo, é difícil ter uma dimensão real do alcance e do impacto desses problemas. Mas, segundo o professor, olhar para a vida real pode ser um primeiro passo.

“Não vamos falar de racismo, porque ele não é interessante. Não vamos falar sobre o genocídio da população jovem, porque ele não nos toca. Vamos censurar determinadas formas de amor, porque protege. Esses pensamentos são convites a não propagar o diálogo, a não fazer o debate democrático. Quanto menor for a liberdade de debater sobre determinados temas e sobre tudo, mais adoecimento isso irá provocar”.

Ele relembra que como seres falantes, precisamos falar, elaborar sobre as situações. Nesse sentido, é preciso que as campanhas e as ações no sentido da saúde mental tragam muitos outros temas à tona, que estão sendo jogados para debaixo do tapete. Além disso, também é preciso falar de condições de vida. “Como as pessoas estão conseguindo desenvolver seus projetos e realizar seus sonhos? Se elas não conseguem sonhar e projetar suas vidas, sem perceber sua capacidade de criação, falamos de um sujeito inerte, que fica esvaziado de sentido.”

Falta de cuidados

É preciso lembrar ainda que o sofrimento é inerente à experiência humana, mas que, diante disso, há estratégias de cuidado de si e do outro, o que, na visão de Fernando, é exatamente o que falta. “Temos no campo das políticas públicas uma deficiência grande em oferecer serviços. Dificuldade de acesso aos cuidados também tem relação com a ideação suicida, é um dado importante. Pessoas que precisam de cuidado e não o têm, estão, portanto, em maior vulnerabilidade. Neste momento, pensar em estratégias de cuidado, de si e do outro, é importante, porque o cuidado fica esvaziado à medida em que a gente é colocado com um ser isolado.”

Para além disso, como forma de ampliar esse debate, é preciso projetar perspectivas coletivas a respeito do que queremos para o mundo.

“Temos aqui um tema mais sensível, que é rever, do ponto de vista social e político, estratégias para cuidar da gente, da vida, do futuro. São pontos que podem parecer obsoletos ou utópicos, mas, particularmente, penso que se não discutirmos por essa via, corremos o risco de ficar em um terreno estéril.”

Por outro lado, Fernando ressalta a importância de também inserir a discussão sobre o excesso de medicalização, diagnósticos e patologização do sofrimento. “Quando falo que precisamos discutir mais o suicídio seria a forma como ele é tido na saúde mental. Porque há, de modo geral, um discurso muito patologizante, no sentido de sentimentos e experiências humanas que não são as mais agradáveis, onde podemos confundir o que é um sentimento de tristeza e de não estar bem em algum momento com uma patologia, e, isso, a sociedade também consome. O senso comum absorve esse aspecto sem filtros importantes.”

O que eu posso fazer?

Muitas pessoas ainda não têm clareza sobre o sofrimento que vivem. Desse modo, pensando nas relações mais próximas, o que se pode fazer para contribuir é tentar estar mais atento a quem está à nossa volta e a nós mesmos.

“Eu não consigo contribuir com o outro se não estou me escutando, vendo como estou. A família e os círculos de amigos são muito importantes, porque identificam que o sujeito está perdendo os vínculos ou fragilizando essas relações, e isso é um sinalizador. Quanto mais isolados e frágeis são esses vínculos, mais eles podem provocar sofrimento.”

Nesse sentido, segundo o professor, ajuda profissional é bem-vinda. “Temos que superar esse tabu de que procurar um psicólogo, um psiquiatra ou qualquer outro profissional relacionado a saúde mental é sinal de fraqueza, ou se taxar de louco, como algo pejorativo. A normalização de todos é que provoca o adoecimento. É bom dar atenção a quem apresenta dificuldades e não ter vergonha de socializar isso, mas fazendo com diálogo, afeto, ética e respeito.”

Notificações não bastam
Em abril, o presidente Jair Bolsonaro aprovou a Lei 13.819, que inclui a notificação compulsória de automutilações e suicídios pelas escolas e unidades de saúde, que devem ser sigilosas. Elas serão entregues aos conselhos tutelares, no caso das escolas, e às autoridades sanitárias, no caso de hospitais. Mas, segundo o psiquiatra Bruno Cruz, só a notificação não é suficiente.

“É necessário olhar mais atentamente. A lei fala sobre fazer a notificação, mas ela não provê o encaminhamento para o tratamento com urgência. Não adianta você notificar que uma pessoa está se automutilando, ou tentou suicídio, e não dar assistência. Falta uma preparação do poder público. Só notificar não vai ajudar a salva a vida de ninguém”, lamenta

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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