Juiz-foranos com doença rara lutam para obter remédio

Há cinco anos, Maria Amélia de Sant’Anna, atualmente com 75 anos, foi diagnosticada com a Doença de Pompe, enfermidade neurológica rara que causa fraqueza muscular. Desde então, ela tem lutado para conseguir fazer o tratamento, enfrentando embates jurídicos para obter o medicamento Myozyme (Alfaglicosidaes), cujo valor chega a ultrapassar R$ 70 mil ao mês. Sem dinheiro para comprar o remédio, a solução foi solicitar seu fornecimento gratuito à Secretaria de Estado de Saúde (SES/MG). Mas, mesmo após conseguir liminar que obriga o Estado de Minas Gerais a disponibilizar a medicação mensalmente, a demanda da aposentada não tem sido atendida, e, atualmente, ela aguarda há seis meses pelo cumprimento da liminar.

A situação de Maria Amélia ainda é compartilhada por outros três membros da família: dois irmãos e um sobrinho, que também têm a doença, que é hereditária. Logo após o diagnóstico conjunto da enfermidade entre os familiares, iniciou-se, também de maneira conjunta, a empreitada pela obtenção dos medicamentos junto ao Estado. Cada ampola do remédio custa, aproximadamente, R$ 1.800, sendo que cada paciente necessita de 25 a 40 ampolas por mês. Maria Amélia, por exemplo, precisa de 44 ampolas, resultando em um custo mensal estimado de R$ 79.200. “Nós precisamos de um retorno positivo. Como que uma pessoa aposentada por invalidez consegue pagar uma medicação dessas? É sem lógica, não dá nem para a gente fazer um empréstimo para dividir de várias vezes”, lamenta Sônia de Oliveira, filha de Maria Amélia, em entrevista à Tribuna.

Um dos efeitos da doença é a fraqueza muscular, o que faz com que Maria Amélia tenha que usar cadeira de rodas para se locomover fora de casa. (Foto: Sônia de Oliveira)

“Eles entraram com uma ação normal de pedido de medicação, e, nessa ação, ganharam uma liminar que obriga o Estado a cumprir com a entrega desse remédio mensalmente para eles, tendo também uma multa diária prevista no processo para o caso de o Estado não fornecer o medicamento. Mas tem um problema: o judiciário não obriga o Estado a pagar essa multa, então acaba que o Estado entrega o remédio quando quer”, diz o advogado Antônio Carlos da Silva Júnior, membro da equipe jurídica que trabalha com a família de Maria Amélia desde agosto de 2018. As multas diárias às quais se refere Júnior variam de R$ 500 a R$ 1.800, mas nunca foram cumpridas, de acordo com o advogado.

Após assumir o caso, a equipe jurídica chegou a obter uma ordem de sequestro de bens do Estado, o que garantiu o fornecimento do medicamento durante um curto prazo, mas, desde janeiro deste ano, os pacientes não receberam mais a medicação. “O que a gente faz é entrar no processo e pedir o cumprimento da liminar. A gente está desde janeiro manifestando em processo, falando que eles não estão cumprindo, mas o Estado manifesta que tem que ver na secretaria, que não é o órgão competente, e vai enrolando”, explica Antônio Carlos.

Sem prazo

Procurada pela Tribuna, a assessoria de comunicação da SES/MG informou, por meio de nota, que não é possível precisar o prazo de entrega do medicamento pelo fornecedor. “O fornecimento de medicamentos por decisão judicial envolve um processo de licitação para aquisição do produto. Esse processo envolve várias fases, as quais muitas vezes não acompanham o estoque atual do medicamento, bem com a própria solicitação de aquisição. Isso ocorre porque os resultados dos processos licitatórios são variáveis, sendo que pode não haver participação de empresas interessadas, ou as que participam, não cumprem os requisitos do edital. Para o caso específico do fornecedor do medicamento Alfaglicosidaes 50 mg, houve uma alteração da constituição da empresa, o que acabou por refletir na entrega do produto, uma vez que o procedimento só pode ser finalizado a partir da entrega de documentação da empresa comprovando a devida regularidade tributária, trabalhista, entre outras. Terminado qualquer processo de aquisição e emitida a autorização de fornecimento, após o recebimento pelo fornecedor, o mesmo tem o prazo de até 10 dias para efetuar a entrega. Caso a entrega não possa ser efetivada dentro desse prazo e apresentadas justificativas pelo fornecedor, o caso é avaliado e pode dar início à instauração de um processo administrativo para apurar as causas do descumprimento da entrega, com a possiblidade de aplicação de penalidades. Tendo em vista todas essas variáveis, não é possível, nessa fase do processo, precisar o prazo de entrega do medicamento pelo fornecedor. A SES-MG vem acompanhando esse processo e tomando as medidas necessárias para conclusão do fornecimento do medicamento o quanto antes”.

HU da UFJF trata oito pacientes com a doença

Estima-se que haja entre mil a 3.500 pacientes com a Doença de Pompe no Brasil. O Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU/UFJF) é a única unidade de saúde da região com aptidão para tratar a doença, cuja equipe atende, atualmente, sete pacientes presenciais, e ainda acompanha, à distância, um paciente de Brasília (DF). Por se tratar de um distúrbio raro, o diagnóstico é dificultado até mesmo por desconhecimento dos próprios profissionais da saúde, sendo uma avaliação geralmente constatada pelo médico neurologista.

A enfermidade pode se apresentar na infância ou na vida adulta, como explica o médico do HU, Marcelo Maroco. “A Doença de Pompe é uma doença hereditária, que leva à falta de uma enzima que quebra o glicogênio em glicose – ‘combustível’ das células musculares, em especial -, o que causa na criança dificuldade para alimentar-se, problemas cardíacos, problemas respiratórios e aumento de órgãos internos, além de um corpo mole, chegando à morte precoce. Já no início mais tardio da doença (em geral na vida adulta), a doença ocasiona fraqueza muscular, principalmente nas coxas e no tronco, podendo haver dificuldade respiratória, queda da palpebral, dificuldade de contrair o abdome quando deitado e escápula alada (a omoplata)”.

Por se tratar de uma doença incurável, a medicação ameniza seu caráter progressivo. “A falta do medicamento tem impactado de modo negativo na evolução dos indivíduos, pois nitidamente observa-se a melhora da funcionalidade e dos parâmetros médicos quando o uso da medicação é regular, acontecendo o inverso na sua falta. No momento, não há recurso alternativo à medicação utilizada como referência”, aponta Maroco. A falta de provimento de remédios pelo Estado é algo comum nos últimos anos, de acordo com o médico, e o suporte clínico tenta diminuir os efeitos negativos.

Convivendo com a enfermidade

Enquanto não conseguem obter os medicamentos, resta aos pacientes conviverem com a evolução da doença. “Eles sofrem muito, porque eles não produzem enzimas, então têm muita fraqueza muscular. Minha mãe já teve várias quedas desde que a doença ficou mais grave, ela quebrou os dois lados da bacia e não foi diagnosticada com fratura, mas ficou um ano e meio sem andar porque não foi diagnosticado”, conta Sônia da Oliveira. A mãe, Maria Amélia, atualmente se locomove apenas dentro de sua casa – onde os cômodos são adaptados -, e com o auxílio de uma bengala.

Para sair da residência, a aposentada precisa de uma cadeira de rodas, o que se torna mais um desafio para o tratamento da doença. Às terças e quintas, Maria Amélia faz fisioterapia em casa com profissionais de uma Unidade Básica de Saúde (UBS), mas, às quartas e sextas, precisa ir até o Hospital João Penido para realizar a terapia, contando com o carro de apoio. O acompanhamento na unidade do HU no Bairro Santa Catarina é semestral, e as idas até a unidade Dom Bosco, responsável pela aplicação do Myozyme, ocorrem ainda mais raramente, devido ao não fornecimento do medicamento pelo Estado.

No entanto, mesmo com a força de vontade e disponibilidade de tempo para fazer os procedimentos, a limitação imposta pela falta do remédio é difícil de superar, restando a esperança pela ajuda governamental. “É muito complicado você ver a pessoa reclamando e não poder dar um remédio para dor, porque o remédio não combate a dor muscular que eles sentem. A gente entende que uma doença degenerativa, mesmo tomando a medicação, ela vai acontecer, só que num processo mais longo. Sem a medicação, o processo é muito mais rápido. A gente sofre muito com isso, e precisamos que o governo faça alguma coisa”, pede Sônia.

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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