Laura Conceição fala sobre a missão de usar a arte para ajudar outras mulheres

A chave sobre a consciência do que é ser mulher na sociedade só virou na cabeça de Laura quando ela entendeu sua missão: “usar a arte para seguir ajudando a outras mulheres e para que outras mulheres possam estar nesse processo de identificação.” Fora desse percurso, há o susto de ter que pensar em que tipo de perrengue deve passar ou a que tipo de situação vai precisar resistir, em função de ser mulher. De três anos para cá, quando se debruçou sobre o trabalho com poesia, usando sua voz para levar ao mundo suas vivências, Laura percebeu que as outras mulheres se identificavam com o que ela falava.

“Naquele ponto, me vi mulher. Quando me vi fornecedora de apoio para a corrente de mulheres que acaba estando perto. É curioso, porque quando você está em uma posição de abrir os olhos de outras mulheres, de informar outras mulheres, você começa a ser vista como errada, como pessoa que deve ser calada, justamente, por isso.”

É também nesse momento que ela percebe que a sua mensagem impacta os padrões vigentes. “A sociedade não foi estipulada para que nós abríssemos os olhos, fôssemos o que somos e buscássemos viver do que a gente ama fazer e conquistasse a nossa independência. Você estar ali, falando para outras mulheres, ‘faça isso! estou aqui! também passo por isso!’ e aí vem a repressão. Eu comecei a sentir isso muito por estar nessa posição, de apoiar e tentar levantar outras mulheres com o meu trabalho.”

A resposta ao incômodo vem em forma de ataques. “Vem homofobia, vem lesbofobia, machismo arraigado e o escancarado também. Você estar ali empoderando, vamos dizer assim, outras mulheres, incomoda. Eu comecei a sentir uma repressão por ser mulher diariamente e também por ter um trabalho como o meu.”

“É curioso, porque, quando você está em uma posição de abrir os olhos de outras mulheres, de informar outras mulheres, você começa a ser vista como errada, como pessoa que deve ser calada” (Foto: Fernando Priamo)

Entre os contextos que envolvem ser mulher, Laura pontua que não há apenas experiências ruins, pelo contrário. Mas é importante evidenciá-las para que os comportamentos machistas sejam expostos e combatidos. “O gênero, com certeza, é um marcador social. Tenho casos: me ligaram uma vez. ‘O seu show foi cancelado na festa porque você é uma mulher e o dono da boate não quer mais mulher no palco.’ Por que, cara? me fala. Vai cancelar com os outros artistas também? ‘Não, é um caso de machismo mesmo, não tem mais o que eu possa falar’”, exemplifica. Há também outras coisas que não são tão visíveis. “Você grava um som e metade das pessoas não vão escutar porque você é mulher. Isso acontece muito. Para elas, você estar nesse lugar de fala é errado.”

Além do gênero, a orientação sexual também é um fator que altera a maneira como os olhares são lançados a ela. “Ser mulher lésbica, como é o meu caso, faz acontecer mais ainda. Assim como a mulher negra, a mulher periférica, isso tudo vai se somando. Mas eu acredito que também traz muita coisa positiva. Temos uma corrente, um grupo de mulheres trabalhando com mulheres. Minha equipe é formada por 98% de mulheres. A galera que faz o meu som, a arte, busco isso, sabe? Quase sempre, quando não dá também, os homens também são muito bem-vindos.” A ideia é fortalecer as mulheres em todos os campos, por isso, busca MCs mulheres, DJs mulheres, musicistas.

Escrever para empoderar

Desde o fim de 2018, Laura participou de três publicações (Querem nos calar: poemas para serem lidos em voz alta; Empoderamento Feminino- da Coleção Slam e A Resistência dos Vagalumes). O primeiro é organizado pela poeta Mel Duarte e prefaciado por Conceição Evaristo e reúne poetas que participam dos torneios de Slam. O segundo é uma edição de bolso escrito apenas por poetas mulheres de Slam. A terceira antologia reúne nomes variados, entre eles, Laerte e Jean Willys. “É muito importante, no sentido de registrar as minhas coisas e fazer com que elas cheguem mais longe. Também é diferente, porque costumo ter a poesia falada, gesticulada, e agora também pode ser lida em qualquer parte do país.”

A poesia é a forma que ela escolheu de se lançar no mundo, de expressar tudo o que é e tudo o que pensa. “É a forma de colocar tudo para fora, te falar o que eu estou sentindo, para que você possa entender. Aprender também, porque quando estou escutando outra música, absorvo. A palavra, para mim, exige grande responsabilidade, mas também é um instrumento muito poderoso. Quando eles falam que as palavras têm poder, as palavras têm muito poder. E nós, mulheres, temos muito poder. Mulheres de palavra têm muito poder e, às vezes, incomodam muito a sociedade.”

Ela ainda pontua que o feminismo está em todo o lugar que é ocupado por uma mulher. Em tudo o que é feito por elas. “Se eu sou mulher, tenho lugar de fala, se tenho espaço no seu evento para falar a minha arte. Se tenho espaço no seu livro, isso já é você resistir, já é você ser feminista. Então, eu não preciso estar abordando o feminismo em si para eu estar resistindo dentro da sociedade. Posso estar falando uma poesia que eu fiz para a minha mãe, para a minha vó, para um cachorro que eu vi na rua. Um passarinho. Se eu estiver tendo oportunidade de estar sendo ouvida, vista, interpretada, eu já vou estar resistindo.”

‘A gente fazer pela gente’

O combate ao machismo, para Laura, começa dentro de casa. “Quem lavou louça na sua casa ontem?”, questiona.

“O feminicídio mata todos os dias. Temos casos de estupro, violência sexual e doméstica, pedofilia. Tudo isso acontece dentro de casa. Então, acho que uma coisa que a gente precisa fazer é melhorar a qualidade de vida das mulheres dentro de casa.”

Depois, ela reafirma que é preciso reconhecer as mulheres. “Em Juiz de Fora, quem são as mulheres que estão produzindo conteúdo? Produzindo música? Produzindo arte? As médicas? As advogadas? As estudantes? As líderes comunitárias? Quem são essas mulheres? Elas são reconhecidas? Estão trabalhando em condições de igualdade? (…) Então, acho que é buscar essa corrente de fortalecimento. Por exemplo: ah, eu vou procurar um dentista, procura uma dentista mulher, procura trabalhar com mulheres para fortalecer mesmo.”

Laura Conceição reitera que é preciso que as mulheres façam e falem por si. “Porque se a gente não falar pela gente, os homens não vão falar pela gente.” Ela comenta que o binarismo homem-mulher a incomoda. “E as mulheres trans? O que a gente pode fazer para que elas sejam vistas como mulheres pela sociedade? Juiz de Fora é uma cidade completamente transfóbica. Vamos chamar a mulher negra para a nossa discussão sobre feminismo? Vamos chamar a mulher lésbica? Vamos chamar a mulher trans também? Vamos abraçar as minorias sociais em termos não quantitativos, porque podemos ser a maioria quantitativamente. A gente fazer pela gente.”

A poeta diz a todas que é preciso começar pelo que se pode fazer agora. “Para que a gente consiga consolidar isso, de fato, e não ficar restrito ao campo das ideias. Nesse momento, eu acredito mais em um movimento feminista que pega e faz, do que o feminismo que pega e fala. As palavras têm poder, mas a ação tem que chegar junto. Aquelas palavras têm poder se elas despertarem uma ação, tá ligado? É isso que eu busco também: despertar a ação.” O que ela não quer mais ver é lugares em que não há nenhuma mulher. “Quero ver as mulheres em todos os lugares em que elas queiram estar, porque podemos fazer tudo o que os homens e qualquer pessoa pode fazer. Não precisa ter vagina para ser mulher, isso não define. Se a pessoa se identifica mulher, merece ter o respeito dela como mulher, merece estar onde ela quiser. E ocupar, não é invasão, ocupar, porque todos os espaços são nossos.

Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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