Mais de 80 medicamentos distribuídos pelo Estado estão em falta em JF

Não é de hoje que usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) encontram dificuldades para obter medicamentos que deveriam ser distribuídos gratuitamente pelo Estado. No entanto, a situação tem piorado nos últimos meses. Conforme apurou a reportagem, pelo menos 80 fármacos estão em falta na unidade juiz-forana do Núcleo de Assistência Farmacêutica da Secretaria de Estado de Saúde (SES/MG). No local, há uma lista que informa quais remédios estão em falta, assim como o período em que eles não têm sido fornecidos. Em reportagem publicada em novembro do ano passado, a Tribuna mostrou que pelo menos 40 tipos de remédios estavam em falta na cidade; de lá pra cá, esse número dobrou, e a situação tem se agravado. Alguns não são despachados para o município desde 2016.

Procurada pela Tribuna, a Superintendência Regional de Juiz de Fora (SRS/JF) informou que dentre os 229 medicamentos distribuídos pelo Estado via Componente Especializado da Assistência Farmacêutica, 53 encontram-se com estoque zerado no almoxarifado central da SES, ou seja, 23% – a responsabilidade de aquisição de seis deles é do Ministério da Saúde, segundo o órgão. A nota enviada pela SRS, entretanto, não esclarece qual o motivo do estoque zero e nem especifica os itens, alegando não ser possível informar com exatidão, “já que os estoques de medicamentos mudam com frequência”. Apesar disso, a SRS afirma que o estoque dos fármacos não está baixo e que a maioria dos medicamentos está com fornecimento regular.

Cerca de dez mil usuários por mês são atendidos no Núcleo de Assistência Farmacêutica (NAF/SRS-JF) e dependem dos medicamentos para darem continuidade a diversos tratamentos de doenças crônicas e enfermidades. Contudo, não há data para que os remédios em falta sejam liberados pelo Estado às farmácias do Governo, segundo a pasta. Ainda de acordo com informações da Regional de Juiz de Fora, a previsão é de que, na próxima semana, cheguem medicamentos para atendimento de mil usuários.

O acompanhamento da disponibilidade dos medicamentos pode ser feito por meio do aplicativo MG APP, de consulta ao site Cidadão MG ou pelo telefone da farmácia regional da SRS/JF, (32) 3257-8838.

Pacientes transplantadas relatam angústia

Dentre os usuários que têm sido prejudicados pela indisponibilidade de medicamentos, a Tribuna conversou com pessoas que já passaram por transplante de rim e que dependem do medicamento Azatioprina 50 mg para tratamento. O item, no entanto, está em falta na farmácia do Estado desde novembro, conforme a lista. Apesar disso, pessoas ouvidas pela reportagem relataram que não conseguem o medicamento pelo Estado desde agosto do ano passado.

Após ser diagnosticada com insuficiência renal, a aposentada Maria José Sales, 58, ficou por mais de 14 anos dependendo do tratamento de hemodiálise, até que recebeu um rim há oito anos. De lá pra cá, a paciente faz tratamento regular para não correr risco de rejeição do organismo ao órgão transplantado. Por esse motivo, ela ingere diariamente, pela manhã e à noite, coquetéis de remédios. O Azatioprina 50 mg é um deles. “Esse medicamento que está em falta é fundamental para o tratamento após o transplante, para não ter rejeição do órgão, e já faz mais de seis meses que não consigo pelo Estado. Eu vivo com a atenção toda voltada para meu transplante. Meus rins secaram e esse remédio é fundamental, porque meu organismo não reage bem a outros medicamentos”, diz.

A aposentada conta que, por causa do procedimento de hemodiálise e do transplante, acabou desenvolvendo outras doenças e também precisa de outros medicamentos para o tratamento. “Alguns remédios consigo pelo governo, mas outros tenho que comprar e acaba ficando caro”. De acordo com ela, uma caixa de Azatioprina com 50 comprimidos custa, com desconto, R$ 91,80. Entretanto, conforme relato de outra usuária, o preço pode chegar a R$ 150, já que nem todas as farmácias da cidade possuem o medicamento disponível para compra e com desconto.

Transplantada há oito anos, a costureira Márcia Cristina da Silva, 51, também faz uso da Azatioprina 50 mg, e conta que, pela primeira vez, ficou sem o medicamento disponibilizado gratuitamente. Em janeiro, ela começou a tomar outro remédio com efeito semelhante, mas que tem causado efeitos colaterais. “Meu médico me receitou outro medicamento, que está disponível na farmácia do Estado, mas ele me causa anemia e aumenta o colesterol. Por esse motivo foi preciso diminuir a dose, mas convivo agora com essas duas outras condições.”

Técnica de enfermagem depende de doações

Com as circunstâncias, cada pessoa se vira como dá ou como pode. Desempregada, a técnica de enfermagem Réia Silva Paes, 41, está há quase um ano sem Azatioprina 50 mg e não consegue pagar para adquiri-lo, por dificuldades financeiras. Em uma ocasião, quando deixou de comprar o remédio por falta de dinheiro, ela chegou a ficar internada por três dias, pois seu organismo iniciou um quadro de rejeição do órgão. Por esses motivos, ela depende da disponibilização pelo Estado. “Sou transplantada há três anos e faço uso contínuo desse remédio. É o único que posso tomar, as outras opções meu organismo rejeita. Então não posso trocar a Azatioprina de forma alguma, mas não tenho condições de comprar. Procuro emprego, mas, pelas minhas condições, os hospitais não aceitam. Não posso pegar peso, tenho que sair para fazer exames e isso não é interessante para o empregador”.

A solução que ela encontrou é contar com doações de outros usuários. “Muitas vezes eu consigo doações, já consegui até de Salvador (BA)”. As doações são obtidas por meio de grupos no Facebook, nos quais pessoas transplantadas são membros. Quando a técnica de enfermagem não consegue doações, ela pede ajuda financeira às pessoas, aos amigos ou faz uma vaquinha. Como faz uso de dois comprimidos ao dia, é preciso comprar sempre duas caixas por mês, fator que dificulta ainda mais sua situação. “Atualmente estou no fim de um caixa, que vai acabar na próxima semana, e vou ter que me virar até a situação se regularizar e o Estado voltar a disponibilizar os medicamentos.”

A técnica de enfermagem ainda tenta obter apoio de outras formas. “Já tentei fazer um movimento para ver se conseguimos apoio ou algum encaminhamento para o Estado. Também já acionei os deputados que representam Juiz de Fora, mas não tive retorno. Então me sinto impotente, porque os governantes fazem vista grossa diante de um caso com risco de morte, porque se você ficar sem o medicamento, o órgão é rejeitado e você ou morre, ou vai para uma máquina fazer hemodiálise, e isso também não é fácil”, pontua.

Desabastecimento a nível nacional

Em entrevista disponibilizada no site do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), o presidente do órgão, Alberto Beltrame, comentou sobre o ofício que o Conselho encaminhou, no dia 12 de março, ao gabinete do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. O documento pontuava a situação crítica dos estoques públicos de medicamentos em todos os estados do país, que, de acordo com o Conass, vive a maior crise de sua história na oferta de medicamentos para o sistema público de saúde.

Segundo Beltrame, de um total de 134 remédios que são distribuídos obrigatoriamente pelo Ministério da Saúde, 25 estão com estoques zerados em todos os estados do país e outros 18 estão na iminência de se esgotarem. “O alerta que o Conselho faz é em relação à falta de remédios nas prateleiras porque a situação está ficando insustentável. Não é só uma crise farmacêutica, é uma crise humanitária. Anteriormente já havia problemas relacionados a compras, mas agora a situação ficou mais aguda e crítica porque, de fato, estão faltando medicamentos.”

Ainda conforme o presidente, a falta dos medicamentos de alto custo, dessa vez, não tem relação direta com a falta de orçamento, mas com “a tempestividade dos procedimentos de compra”. Os problemas que justificam a crise de desabastecimento de remédios vão desde procedimentos licitatórios e assinatura de contrato de compras a problemas na distribuição.

Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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