Médico e instrumentadora são indiciados por cobrança de cirurgias do SUS

A Polícia Civil concluiu, nessa quinta-feira (22), o inquérito instaurado para apurar denúncia sobre uma instrumentadora, de 50 anos, suspeita de fazer cobranças indevidas para que pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) conseguissem ter suas cirurgias agilizadas em Juiz de Fora. As investigações, conduzidas pela delegada Ione Barbosa, concluíram que o médico-cirurgião, 61, com quem ela trabalhava há 21 anos, também faria parte do suposto esquema criminoso. Os dois vão responder pelos delitos de concussão em relação a três vítimas, das quais teriam sido cobrados valores entre R$ 1.500 e R$ 4 mil para a antecipação de cirurgias públicas. Os profissionais também foram indiciados por extorsões relacionadas a pelo menos sete pacientes que, mesmo tendo planos ou convênios de saúde, teriam pagado valores variados para que a instrumentadora em questão acompanhasse as intervenções conduzidas pelo médico. Ao cirurgião também foram imputados mais dois crimes: falsificação de documento e falsidade ideológica, diante de guias que teriam sido adulteradas com assinaturas falsas e procedimentos não realizados.

Os dois indiciados estão afastados de suas funções públicas ligadas ao SUS desde março, por determinação da Justiça, que decretou “a imediata suspensão das atividades profissionais exercidas direta ou indiretamente junto ao poder público”. Na mesma época, a Justiça proibiu os suspeitos de manterem contato, por qualquer meio, com as possíveis vítimas e seus familiares. A Polícia Civil chegou a solicitar a prisão dos envolvidos, mas eles respondem em liberdade.

Cerca de 20 pessoas foram ouvidas no inquérito, que conta com mais de mil páginas. “Detectamos pelo menos quatro crimes”, disse a delegada. O delito de concussão está previsto no artigo 316 do Código Penal e prevê reclusão de dois a 12 anos para quem “exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida”. “Eles exigiam valor indevido pela condição de exercerem função pública e vão responder em coautoria”, explicou Ione, acrescentando que a penalidade vale para cada vítima.

Os dois profissionais também podem pegar de quatro a dez anos de prisão por cada extorsão, que consiste em “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica”, segundo o artigo 158. “Sete pessoas, que tinham algum plano de saúde, vieram à delegacia dizendo que foi cobrado valor referente à instrumentadora. Teve gente que pagou R$ 1.500 por três cirurgias. E eles usavam de violência psicológica para convencer os pacientes, dizendo, por exemplo, que uma doença poderia ser agravada se não fizessem daquela forma e até que uma vítima poderia ficar tetraplégica se não operasse”, detalhou a delegada.

A policial ainda citou a Resolução 465 de 2021, da Agência Nacional de Saúde (ANS), que estabelece a cobertura assistencial obrigatória a ser garantida nos planos privados de assistência à saúde. No artigo 8º, inciso II, a norma assegura cobertura de “equipe necessária à realização do procedimento, incluindo os profissionais de instrumentação cirúrgica e anestesia, quando houver sua participação”. “Os dois faziam chantagem, porque ele falava que só faria a cirurgia se fosse com essa instrumentadora.”

Conforme Ione, muitas pessoas teriam entrado com ações cíveis contra plano de saúde e contra a clínica particular do médico-cirurgião, por causa de procedimentos não realizados e pelos quais teriam sido cobradas coparticipações. “Também solicitei perícia grafotécnica, porque os pacientes não reconheceram suas assinaturas nessas guias. E foi atestada a falsidade na assinatura de, pelo menos, três vítimas.” Segundo a delegada, em decorrência dessas questões, o médico responde por falsidade ideológica, com pena de um a três anos, e falsidade documental, com reclusão de um a cinco anos. “Não conseguimos saber quem assinou, mas ele é o principal beneficiário”, concluiu a delegada. Ao ser oficiada, a clínica chegou a informar que pessoas não identificadas poderiam ter assinado as guias, já que o documento de identidade não seria exigido durante o ato.

“É importante ressaltar que, embora o inquérito esteja concluído, demais pessoas que tenham informações e que também foram vítimas podem vir à delegacia. Vamos colher as declarações e encaminhar à Justiça. Com a divulgação, muitas pessoas acabam tomando coragem para denunciar”, pontuou Ione.

Denúncia partiu da família de adolescente com bala alojada

A suspeita em torno de cobranças indevidas para que pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) conseguissem ter agilizadas suas cirurgias começou em fevereiro, a partir da denúncia da família de um adolescente de 17 anos, morador de Guarani, a cerca de 70 quilômetros de Juiz de Fora. Os parentes desconfiaram da atitude da mulher, que teria se apresentado como instrumentadora da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora. Ela teria cobrado a quantia de R$ 4 mil, em troca de acelerar a cirurgia no jovem, que estava com uma bala alojada na coluna desde dezembro.

O citado hospital, no entanto, alertou, desde o início da investigação, que a suspeita não é funcionária da instituição. Ela prestaria serviço para o médico-cirurgião e, desde que o caso veio à tona, teve o acesso à unidade hospitalar vetado, sendo aberta uma investigação interna para investigar o caso. Nesta quinta-feira, a Santa Casa e o Plasc informaram que “estão colaborando com as investigações para que casos como esses não voltem a acontecer e para que os responsáveis sejam punidos dentro da lei”. l

Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

Pesquisar