Medo ronda motoristas de aplicativo em Juiz de Fora

Só a Associação dos Motoristas de Aplicativos computou de dez a 15 roubos este ano, mas há muita subnotificação (Foto: Fernando Priamo)


A morte do motorista de aplicativo Edson Fernandes Carvalho, 21 anos,
em uma possível tentativa de latrocínio no último dia 8, no Bairro Santos Anjos, Zona Sudeste de Juiz de Fora, foi precedida de uma série de roubos à categoria. Não demorou muito para que o serviço de transporte lançado na cidade há três anos sofresse com a violência urbana que acomete outros trabalhadores afins, sobretudo no período noturno, como taxistas, motoristas e cobradores de ônibus, além de motofretistas. Só em novembro, pelo menos outros dois condutores de aplicativo foram alvos de assaltos, segundo levantamento da Tribuna. Ao conhecimento da Associação dos Motoristas de Aplicativos (AmoAplic/JF) chegaram de dez a 15 roubos este ano, mas há muita subnotificação de crimes envolvendo os profissionais em atuação no município, 400 deles associados. E quem acaba sofrendo também com a criminalidade é a própria população de bairros considerados zonas quentes, já que os moradores ficam desassistidos em localidades temidas e evitadas pelos trabalhadores, principalmente à noite.

Para discutir a insegurança que teve seu ápice com a perda da vida do jovem Edson e propor meios de proteção à classe, a Câmara Municipal realiza uma audiência pública nesta quarta-feira (20). O evento começa às 15h e deverá contar com representantes das polícias Civil e Militar, Settra, Secretaria de Segurança Urbana e Cidadania, AmoAplic e das três empresas que atuam na cidade (Uber, 99 e Para Elas Mobilidade), além da 4ª Subseção da OAB/MG. Segundo o vice-presidente da AmoAplic, Sóstenes Josué, na ocasião também estarão presentes motoristas de aplicativos que já foram assaltados, o pai do falecido Edson, além de diversos associados e do próprio presidente da entidade, Júlio César Peixe. “Vamos lotar a Câmara, pois queremos mais segurança em nossa cidade”, prometeu.

A categoria afirma ainda que só voltará a discutir a regulamentação do serviço após o Município oferecer medidas de segurança aos trabalhadores. A tramitação do projeto de lei que regulamenta o serviço de transporte por aplicativo foi suspensa em maio deste ano, após o entendimento do Legislativo de que a matéria deveria ser reavaliada pelo Executivo, para que o texto original fosse readequado às decisões do Superior Tribunal Federal (STF) sobre o assunto.

Para o vice-presidente da AmoAplic, o momento é também de buscar orientações para não serem alvos fáceis de criminosos.

“Somos mais vulneráveis, porque estamos na rua o tempo todo. Os aplicativos podem fazer algumas coisas para blindar ainda mais, como mostrar o destino da viagem antes, como a 99 já faz. Outra coisa é mostrar a foto do passageiro para identificar se quem está embarcando é quem solicitou. De tempos em tempos, pedem pra gente tirar uma foto nossa para reconhecimento facial. Pedimos que façam isso também com os passageiros.”

Sobre o fato de moradores poderem ser prejudicados com restrições às áreas onde residem, ele ponderou: “Precisam ser criadas políticas de segurança para que isso não aconteça, porque os clientes são os mais afetados. Entendemos que nessas comunidades estão muitos pais de família, mas a fama evita o atendimento, ainda mais durante à noite, como na Olavo Costa, São Benedito, alto do Santa Rita, Sagrado Coração, Miguel Marinho e Vila Esperança. Para quem opta a ir, passamos a dar dicas, como ficar ligado nos retrovisores, entrar de ré em rua sem saída.”

Ele lembrou que a audiência foi protocolada no dia 18 de outubro, antes da tentativa de latrocínio. “Já estávamos preocupados com o que vinha acontecendo. Discutimos com a polícia de colocar identificação nos nossos carros, mas tem dois lados da moeda, porque também chama atenção dos meliantes. Precisamos juntos achar um mecanismo para detectar motoristas em situação de risco. Eu uso um aplicativo com câmera e já apresentei para outros, que passaram a usar. Não previne, mas identifica se algo acontecer.”

Desde pequenas quantias até carros roubados

Conforme a assessoria da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), não há estatísticas sobre a violência contra a categoria porque não existe campo específico que permita filtrar “motorista de aplicativo” nos Registros de Eventos de Defesa Social (Reds), os antigos boletins de ocorrência. Da mesma forma, as polícias Civil e Militar não divulgaram números. Mas levantamento das matérias publicadas pela Tribuna revelam que os casos têm sido recorrentes nos últimos seis meses.

Na madrugada do dia 5, um motorista, 47, contou à PM que um ladrão se passou por passageiro para cometer crime na Vila Olavo Costa, Zona Sudeste. Armado com revólver, o bandido roubou R$ 250 em dinheiro e um celular. Três dias antes, um condutor, 27, foi surpreendido por um casal, que chegou a usar um bebê de colo para praticar assalto no Bairro Araújo, Zona Norte. Sob a mira de arma, o motorista foi obrigado a dirigir por cinco quilômetros e a desembarcar no Barbosa Lage. Os criminosos fugiram levando o carro.

No dia 19 de setembro, outro profissional, 35, foi assaltado no Parque das Águas, Zona Norte. O ladrão havia embarcado no São Pedro e rendeu a vítima com faca, roubando R$ 50. O rapaz, 18, foi localizado pela PM, sendo o dinheiro recuperado. No dia 4 do mesmo mês, mais dois motoristas de aplicativos foram rendidos na Zona Leste. O primeiro, 24, no Bonfim, foi ameaçado com facão pelo passageiro e teve roubados R$ 200 e um celular. Outra vítima, 50, pegou um casal no Nossa Senhora Aparecida e foi abordado mais adiante por dois bandidos encapuzados e armados, que levaram o veículo.

No dia 1º de agosto, a PM capturou outro suspeito, 33, de roubar um condutor, 48, no Progresso, ainda na região Leste. Ele teria se debruçado na janela do carro após uma passageira desembarcar. Em seguida, simulou estar armado e entrou para roubar dinheiro. Mais um suposto assaltante, 23, foi preso por render um motorista, 51, no dia 28 de junho, no Grama, Zona Nordeste. Ele teria se identificado com nome falso e solicitado corrida partindo do Mariano Procópio. O jovem tentou escapar com R$ 65, mas foi reconhecido por meio de câmeras de um posto.

Já em 25 de maio, um trabalhador, 27, teve seu carro roubado ao atender corrida do São Benedito, Zona Leste, para o Teixeiras, região Sul. O motorista conseguiu correr antes de ser colocado pela dupla de bandidos no porta-malas. O veículo foi abandonado na fuga, e os homens, de 19 e 26 anos, acabaram presos.

No caso mais recente, Edson Carvalho foi morto com um tiro na cabeça enquanto transportava dois passageiros, pai e filho, de 29 e 7 anos. O revólver 38 utilizado foi apreendido pela Polícia Civil no dia 13, em poder de um rapaz, 19. De acordo com o delegado Rodrigo Rolli, dois adolescentes, de 15 e 17 anos, participaram efetivamente do delito e pretendiam roubar o carro para atacar um grupo rival. O mais jovem deles é quem teria apertado o gatilho, em uma “ação inesperada”. A polícia solicitou o acautelamento da dupla no Centro Socioeducativo. Um quarto rapaz, 18, é investigado como possível mandante. O delegado estará presente na audiência.

Motofretistas também sofrem violência

Os motofretistas, que podem trabalhar vinculados ou não a aplicativos, também sofrem com a violência nas ruas e evitam determinadas localidades. Embora a categoria não esteja reunida em associação, Maza Dias, 53 anos, sabe bem o que falar do alto de seus 21 anos de profissão. “Temos visto muitos assaltos. Particularmente quando fecho algum contrato, já coloco cláusulas das áreas de risco que não vou. Mesmo assim, está geral, não estamos tendo segurança.”

Ela mesma dá algumas dicas pela sua experiência, como não descer da moto no destino e buzinar. “Se desembarcamos, corremos o risco de sermos assaltados. Mas é imprevisível. Só neste mês tivemos três casos”, disse ela, lembrando, ainda, de um jovem de 20 anos morto a tiros quando trabalhava como motoboy, no último dia 5, no Carlos Chagas, Zona Norte. Ele foi alvejado na Rua Maria Menon Tedesco, pouco depois da meia-noite, quando chegava para entregar um lanche solicitado no mesmo endereço. Com a maleta nas costas, o rapaz morreu com duas perfurações no pescoço e duas no rosto. Ele prestava serviço para uma lanchonete no Borboleta, Cidade Alta, mas a chamada para a emboscada havia sido feita por um número confidencial. A vítima já estaria sofrendo ameaças de morte, e o crime não teria relação direta com a profissão.

“Pedimos atenção dos aplicativos com as pessoas que estão prestando serviço, como rastreador. Também precisamos de policiamento intensivo e blitz educativas”, disse a motofretista, reconhecendo que a criminalidade afeta a própria população. “Com certeza, as pessoas de determinadas localidades ficam prejudicadas, como da Vila Esperança. Na Zona Norte, evito uma área bem grande, como Miguel Marinho, alto do Santa Cruz, Jóquei Clube II e III e Parque das Torres. Já do outro lado, não costumo ir nos bairros Vila Ozanan, Furtado de Menezes, Vila Ideal, Santa Rita e São Benedito.”

Roubos a táxi caem 95% com câmeras e GPS

Segundo o presidente da Associação dos Taxistas, Luiz Gonzaga, os roubos contra os profissionais caíram cerca de 95% desde que foram implantadas câmeras de segurança e GPS nos veículos, há cerca de três anos. “Os vereadores deveriam estar preocupados em regulamentar o serviço dos aplicativos, colocando câmeras e GPS também nos carros.” Ele acredita que a segurança deveria ser debatida de forma mais ampla. “Quando fui assaltado e internado com seis pontos na cabeça, há dois anos, no Cesário Alvim, perto do local em que o motorista foi morto este mês, não fizeram audiência. Sequer fomos convidados agora. Deveriam se preocupar com a segurança de todos, não de uma categoria só.”

De acordo com Gonzaga, outras medidas para se resguardar, como pedir a identificação do passageiro, são feitas apenas em caso de suspeita. “Uma vez deixei uma pessoa no ponto de táxi porque ela não dizia ao certo para onde queria ir.” O presidente do Sindicato dos Taxistas, José Moreira de Paula, também afirmou que as ocorrências de roubo contra a categoria praticamente zeraram após a instalação dos equipamentos nos 624 táxis que rodam na cidade. “É uma profissão de risco, corremos perigo o tempo todo, mas é muito raro eu ter que evitar algum bairro. Acredito que os colegas também não boicotam.”

Na visão do sindicalista, a insegurança tende a ser maior para os condutores de aplicativos porque os carros não têm identificação, complicando uma possível fiscalização.

“O poder público deveria estar mais preocupado em regulamentar a atividade para dar segurança à população. Se a polícia resolve fazer uma operação Para-Pedro (de prevenção a roubos a taxistas), tem como identificar 100% dos táxis. Mas os veículos usados pela outra categoria ainda costumam ter película nos vidros, o que dificulta a visualização do interior do carro.”

Ele ponderou que, no caso da morte do jovem Edson, não pode-se afirmar que a violência foi direcionada a um veículo de aplicativo. “Os caras estavam lá para roubar um carro. Poderia ser qualquer um que passasse. Infelizmente aconteceu essa fatalidade.”

Aplicativos garantem investir em segurança

Procurados pela Tribuna, os aplicativos de transporte garantem preocupação com os condutores e usuários. “A empresa tem a segurança como prioridade em sua estratégia, com foco em três pilares: prevenção das ocorrências, proteção dos motoristas durante o trabalho e atendimento humanizado, quando necessário. Ou seja, o aplicativo atua pela segurança antes, durante e depois das corridas”, afirmou a 99. “Antes das chamadas, os motoristas recebem informações sobre o destino, a nota do passageiro e se ele é frequente, além de o app pedir ao passageiro que inclua CPF ou cartão de crédito antes da primeira corrida. Os condutores podem escolher não receber pagamento em dinheiro, e a empresa realiza cursos presenciais com orientações sobre segurança.”

Outro recurso focado em prevenção é o uso de inteligência artificial, “que pode evitar ocorrências ao vasculhar padrões de comportamento de pessoas mal-intencionadas e bloquear as chamadas de risco, além de mapear zonas perigosas com o envio de notificações ao condutor para que ele possa decidir aceitar ou não a viagem. Em situações de risco, o motorista pode cancelar a corrida caso não se sinta seguro”, contou a assessoria. Uma iniciativa em fase de expansão pela 99 é o uso de câmeras nos trajetos, conectadas a uma central de segurança. “Além disso, o condutor pode acionar o kit de segurança, que compartilha a rota com parentes e amigos em tempo real.”

A 99 voltou a lamentar a morte de Edson Carvalho. “Mobilizamos uma equipe especializada para apurar o caso e estar em contato com as famílias das vítimas para oferecer todo o apoio e acolhimento necessários, que incluem orientações para acionamento do seguro. A 99 está disponível para colaborar com as investigações da polícia.” A plataforma reiterou estar aberta ao diálogo com motoristas e poder público “para construir soluções benéficas que aumentem a segurança em Juiz de Fora e região”.

Para Elas

A plataforma criada para o público feminino Para Elas Mobilidade atua em Juiz de Fora desde junho, mas já reúne mais de 200 motoristas, todas mulheres. A preocupação com a rede feminina já é atrelada obviamente à questão da segurança. A CEO do app, Hyamanna Souza, estará na audiência desta quarta, já que também é uma das diretoras da AmoAplic. Segundo ela, as passageiras recebem a foto e a placa do carro, como a maioria das plataformas, mas as motoristas também obtêm a imagem das clientes. “É o único App na cidade que faz isso. Antes de aceitar a corrida, a motorista é informada quanto ao destino”, acrescentou. Entre as medidas estudadas para aumentar a proteção, está uma parceria com empresa de seguro que instala gratuitamente um bloqueador veicular. A empresa Uber não se manifestou até o fechamento desta matéria.

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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