Movimento sofre queda nos bairros, mas pessoas continuam nas ruas

Foto: Fernando Priamo

Fechada desde a semana passada, a quadra de esportes do Bairro Monte Castelo está vazia. Ana Cláudia Carolina Linhares, de 29 anos, responsável por limpar o espaço, está em casa, com os dois filhos pequenos e o marido. Da porta de casa ela não reconhece o movimento da rua em plena segunda-feira. “Não tem ninguém, nada”, diz a mulher, acostumada a ver os filhos brincando na via, a mesma que a leva até a igreja, que já não frequenta há alguns dias. A rotina envolve lavar as mãos constantemente, passar álcool e evitar sair. Logo depois do almoço, no entanto, a faxineira visitou uma amiga, a uma quadra de casa, por alguns minutos. Falaram-se da porta, apenas, mas o bastante para matar a saudade e o tédio. A realidade de Ana Cláudia replica-se pela periferia de Juiz de Fora: um isolamento real, porém não total.

Prática preventiva para frear a disseminação do coronavírus na cidade, o isolamento social reduziu o movimento de carros e pessoas nos bairros periféricos de Juiz de Fora, mas não foi o bastante para evitar cenas de filas e lojas proibidas de funcionarem por decreto abertas em diferentes regiões do município. Se, ao longo de todo o fim de semana, pontos de aglomerações foram percebidos em diferentes bairros da cidade, nesta segunda (23), no entanto, o cenário era outro, com ruas e lojas esvaziadas.

Foto: Fernando Priamo

Durante a tarde, a Tribuna percorreu os bairros Santa Luzia, Teixeiras, Benfica, JK, Bairro Industrial, Monte Castelo, Fábrica, Santa Terezinha, Bandeirantes, Manoel Honório, Bairro de Lourdes, Santo Antônio, Jardim Esperança e Retiro. Em todos, a paisagem era semelhante: poucos pedestres e tráfego de veículos. Filas em pontos de ônibus e lotéricas foram vistas, bem como alguns negócios em funcionamento, a despeito do decreto que os proíbem. Lojas de roupas e de materiais de construção, oficinas mecânicas e estabelecimentos de autopeças, serralherias, lava-jatos, revendedoras de automóveis e borracharias mantinham-se com portas abertas em distintos pontos, de Norte a Sul. Na Avenida Brasil, algumas pessoas ainda se exercitavam nos aparelhos de ginástica, na tarde desta segunda, e outras corriam nas margens do Paraibuna.

Queda crescente no movimento

A fila formada diante do açougue de Renata Brion, 45, no Bairro Jardim Esperança estava espaçada, mas não respeitava a orientação de mais de um metro de distância. No interior do estabelecimento, só entram três pessoas por vez e todos são orientados a manter distância entre si. “O movimento caiu muito desde que começaram a falar desse negócio de coronavírus. Não tem quase ninguém nas ruas, pouquíssimas pessoas”, lamenta. No matadouro, o pedido foi reduzido. “Não estou nem dormindo. Aqui eu pago aluguel, funcionário. Fico muito preocupada. Se eu não vender, não consigo pagar”, afirma a empresária, que pouco a pouco viu os vizinhos fecharem as portas de seus negócios. Os botequins que se espalhavam pelas ruas do bairro, nesta segunda, não abriram. “Foi espontâneo dos donos. Alguns, inclusive, são pessoas idosas que trabalham e, por isso, fecharam”, explica Renata.

Foto: Fernando Priamo

Sozinho no ponto de ônibus, o operador de caixa Vinícius dos Santos Teixeira, 35, se preparava para começar mais um dia de trabalho num supermercado do Bairro Fábrica. Em casa ficaram os pais, idosos, diabéticos e hipertensos, perfis que enquadram no grupo de risco da Covid-19. “Comigo não me preocupo, mas me preocupo com eles, por trazer a doença para dentro de casa. Isso parece uma roleta russa”, diz o homem, afirmando seguir as recomendações de lavar as mãos com frequência, manter a casa arejada e tirar a roupa do trabalho logo na entrada de casa. “Além da fé, que a gente tem que ter para que passe rápido. Não dá para cultivar o desespero e o pânico”, sugere ele. Segundo Vinícius, no trabalho, ele tem percebido uma crescente redução de movimento. “Percebo que ainda tem uma movimentação de pessoas, mas isso já reduziu bem. O mês está acabando e o dinheiro, também”, aposta o operador de caixa.

Dinheiro, inclusive, é das maiores preocupações de Ana Cláudia Carolina Linhares, a faxineira da quadra do Monte Castelo. O marido, garçom registrado, foi dispensado do trabalho. O casal vive da incerteza. “Agora ninguém sabe como vai ser. Eu estou com medo. Para a gente que tem que pagar aluguel e tem filho pequeno para criar dá muita insegurança”, pontua a mulher. Autônomo, o jardineiro Marcos Rodrigues, 39, já sente uma queda no atendimento. Transitando pela cidade durante sua jornada de trabalho, ele percebe no trânsito sem congestionamentos, um cenário que pode gerar forte impacto em sua microempresa. Ainda às voltas com muitas dúvidas, questiona sobre alternativas oferecidas pelo Governo e diz estar preocupado com o futuro. Numa segunda-feira atípica, ele pergunta, certo de não encontrar respostas: “Como vou fazer?”

Foto: Fernando Priamo

Nem todos vão aderir

O movimento, ainda que menor, nas ruas de Juiz de Fora reflete a noção do professor da Faculdade de Comunicação Social da UFJF, Wedencley Alves, pesquisador em Comunicação e Saúde do Grupo Sensus, de que nem todos irão aderir às informações produzidas atualmente. “As informações estão aí. Existe uma busca muito interessante de um grupo social que está engajado em contribuir com a ciência, com os pesquisadores, com a classe médica, com as universidades, ou seja, com aqueles que vão trazer informações mais gabaritadas, e isso está sendo fonte da grande mídia e da mídia alternativa. Mas uma coisa é a produção e outra coisa é a adesão, que não vai ser total”, explica, referindo-se a uma heterogeneidade própria do país, agigantado por sua população e por seu território.

Campanhas de saúde não podem ser feitas como transmissão de dados e aconselhamentos, mas como um diálogo que considera diferenças sociais, culturais, de linguagem, de relações afetivas. “Num cenário ideal, o melhor modo de convencer pessoas a seguir recomendações básicas de saúde fosse informando pessoas daquela família que já tivessem aderido, porque incrementaria uma relação afetiva”, sugere o pesquisador, destacando que adesão não se relaciona, necessariamente, com nível de instrução. “O nível de instrução brasileiro parece um pouco menor que o nível de instrução francês e, no entanto, os franceses tiveram muita dificuldade em aderir às recomendações de isolamento social. Inclusive hoje, na Itália, em algumas regiões as pessoas ainda resistem em atender ao pedido de isolamento social. Imagino que, no Brasil, também, haverá enorme resistência à aderir, quando se pode aderir porque se quer”, diz.

Em Santa Luzia, moradores fazem fila em casa lotérica (Foto: Fernando Priamo)

A questão, portanto, envolve identificação, defende Alves, o que nem sempre é controlável. Em um de seus projetos, o professor da UFJF orientou pesquisa na área de resistência para recomendações médicas para não infecção do HIV e concluiu que toda campanha está quase sempre fadada ao fracasso em algum grupo social específico. “É uma questão de pessoas se identificarem ou não com aquele discurso. Não é questão de acreditar ou não. Para que eu vá aderir à informação de que devo ficar em casa para que não me contamine ou contamine terceiros eu preciso não só saber dessa informação, como também preciso ter uma relação de identificação com essa informação”, aponta. “Algumas pessoas, mesmo com números, não estarão convencidas, porque não veem nisso algo que lhes diz respeito.”

Publicada em 2019, pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações e elaborada pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), uma pesquisa reforça o argumento de Alves, mostrando que os brasileiros confiam mais em líderes religiosos do que em cientistas. Segundo o pesquisador, alterar esse quadro é um desafio que envolve não apenas Poder Público, mas, principalmente, o coletivo. “A primeira atitude que devemos tomar é não acreditar que a resistência a certos procedimentos são gestos simples, da ordem da ignorância. Essa forma de julgamento não contribui para resolver essas questões. Por outro lado temos que questionar os modos de levar as questões da saúde para a população.”

Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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