Pandemia aumenta em até 30% demanda por acolhimento em saúde mental

Os contextos afetados pela pandemia, que incluem os empregos e as dificuldades financeiras e de convivência familiar, começaram a chegar ao Centro de Valorização a Vida (CVV) com maior intensidade. Pessoas que, de repente, viram suas vidas completamente impactadas pelo desemprego, pela falta de perspectiva ou por dificuldade de encontrar soluções aumentaram a frequência de demandas na instituição, estimada entre 20% e 30%. O crescimento no número de ligações recebidas, em busca de apoio, fez com que a iniciativa precise aumentar o número de capacitações oferecidas para formar novos voluntários, que atuam no acolhimento dessas pessoas.

“Hoje, quem liga para o CVV está tendo que esperar em uma fila. Em períodos anteriores, as pessoas ligavam e eram prontamente atendidas. Neste momento, não conseguimos atender a toda a demanda que chega por telefone de forma imediata”, explica o presidente do núcleo em Juiz de Fora, Gerson Sobrinho.

Para aumentar a capacidade de atendimento, há dois grupos de 20 pessoas cada com a capacitação em andamento. Há, ainda, a previsão de abertura de três turmas nas cidades de Itapema, Bombinhas e Tijucas, para o curso preparatório para voluntários que terá início no dia 27 de julho e está com inscrições abertas. Como a capacitação é feita em ambiente on-line, pessoas de outras localidades também podem fazer o cadastro e o curso, sendo alocadas em postos mais próximos de sua origem posteriormente. As informações para a inscrição estão disponíveis na página @cvv_jf.

De acordo com Gerson, há uma série de contextos observados nas demandas nesse período e, com isso, há uma mudança no perfil das ligações recebidas pelo serviço de acolhimento. “Antes a gente recebia ligações que falavam sobre depressão profunda, ideação suicida propriamente dita. Agora, temos recebido outros pedidos de socorro, que vêm dessas outras necessidades. Então o CVV está buscando capacitar mais pessoas, para conseguir colaborar ainda mais.”

A ideia é promover a atenção, antes que a situação chegue a um extremo. “O suicídio é evitável, desde que você perceba os primeiros sinais e promova esse acolhimento. Nesse sentido, o atendimento que o CVV oferece faz a diferença nesse sentido.”

Para o presidente da Associação Psiquiátrica de Juiz de Fora, Bruno Cruz, a cidade deveria contar com um ambulatório próprio, além do reforço na formação de ponta, nas UBSs (Foto: Marcelo Ribeiro/Arquivo TM)

Quase 30 suicídios no primeiro semestre deste ano

O número de suicídios consumados em Juiz de Fora, nos primeiros seis meses de 2021, chegou a 29. Chama atenção que este dado é quase o mesmo do total registrado ao longo de todo o ano de 2017. O número de tentativas registradas é de 64 no mesmo período, conforme levantamento feito pelo jornalista Fernando Gonçalves, junto a órgãos de segurança, como Corpo de Bombeiros, Polícias Militar e Federal, Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, unidades de saúde e cemitérios de Juiz de Fora. Em 46,23% dos casos, a depressão foi uma das causas da busca pelo autoextermínio.

Além do contexto marcado por dificuldades financeiras e sociais e também a permanência das orientações no sentido de distanciamento social, há outras variáveis que podem estar ligadas a esses números, segundo o presidente da Associação Psiquiátrica de Juiz de Fora, Bruno Cruz.

“Os fatores sociais, econômicos e do ambiente, que geram maiores atritos e conflitos e acabam diminuindo os prazeres e as atividades do dia a dia predispõem a casos depressivos, porque são gatilhos. Precisamos trabalhar nessa ponta. Quando falamos de depressão e suicídio, estamos falando de tratamento de doenças mentais.” Ele também ressalta que os números também podem ter relação com a Lei 13.819, que instituiu a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e Suicídio, aprovada em abril de 2019, que exige notificação compulsória nesses casos.

Segundo Bruno, além do trabalho desenvolvido pelos Centros de Atenção Psicossociais (Caps), Juiz de Fora deveria contar com um ambulatório de psiquiatria, além do reforço da formação da ponta, nas UBSs, para que possam lidar com a demanda da população. De acordo com ele, ainda é necessária a quebra do preconceito contra as doenças psiquiátricas. “Depressão não é questão de levantar e lavar uma trouxa de roupas. Qualquer questionamento que diminua uma doença tão grave afeta as pessoas. Então, temos um tripé que é assistência, educação e quebra do estigma contra a saúde mental.”

Ao longo dos anos, conforme Bruno, o olhar das pessoas vêm mudando, mas ainda é preciso combater a psicofobia, o preconceito contra o paciente em tratamento de saúde mental, que é a maior barreira de acesso. “As pessoas demoram uma média de dois ou três anos para chegar ao médico e iniciar o tratamento. Sempre com a ideia de que a culpa é dele, que falta vontade e é só esperar que passa. Mas a depressão é uma doença que precisa de diagnóstico e tratamento. E nem sempre será preciso fazer o uso de fármacos, que é algo que ainda causa medo.”

O presidente da Associação Psiquiátrica de Juiz de Fora ainda comenta que o que define uma doença mental não é um padrão de comportamento, como a tristeza ou a ansiedade, somente. São, na verdade, padrões que afetam a vida do indivíduo e permanecem por um tempo maior. “O que determina a patologia é o prejuízo e o impacto. Diante deste quadro é importante procurar o atendimento médico para que possa ser encaminhado para o tratamento adequado.”

Acompanhamento ininterrupto

O Departamento de Saúde Mental da Secretaria de Saúde de Juiz de Fora manteve os serviços em funcionamento durante todo o período da pandemia. No entanto, algumas atividades em grupo precisaram ser suspensas, e o acompanhamento adaptado às necessidades epidemiológicas.

A supervisora interina de apoio assistencial, Thays Aragão, explica que os atendimentos de natureza coletiva, assim como as oficinas, precisaram parar para evitar aglomerações. “Mantivemos o atendimento aos casos graves e situações de crise nos Caps”, pontuou. Com as progressões do Programa Juiz de Fora pela Vida, algumas atividades presenciais começam a ser retomadas, com o respeito aos protocolos sanitários. Entre eles, as visitas domiciliares das equipes aos casos mais graves e reuniões de profissionais em pequenos grupos, que, por um tempo, só ocorreram de forma remota.

Os desafios para o departamento durante a pandemia, segundo Thays, estão relacionados à manutenção do monitoramento dos usuários. Antes, eles iam diretamente aos Caps, mas esse acompanhamento precisou ser feito, regularmente, por telefone. Assim como as reuniões entre as equipes dos Caps e das Unidades Básicas de Saúde. As equipes de saúde mental retomaram atendimentos presenciais pontuais, com deslocamento em casos agravados.

Rotinas e atividades adaptadas

A supervisora ressaltou o esforço de toda equipe para manter a atenção adaptada ao cenário pandêmico. “Em nenhum momento os serviços de saúde mental deixaram de atender. Estão funcionando desde o início da pandemia, no entanto, as rotinas e as atividades precisaram ser adaptadas. Mas o atendimento médico com a equipe multidisciplinar para os casos graves e de crises foram mantidos. Todas as equipes estiveram sempre atentas, dispostas e disponíveis.” No momento, o departamento está se reunindo em conversas para discutir e traçar as estratégias para o retorno das ações presenciais.

Os contatos remotos e o monitoramento também foram reforçados nos serviços de urgência e emergência e na interlocução com o Hospital Ana Nery, que atua quando há necessidade de internação por emergência psiquiátrica. Thays explica que os casos recebidos pelas portas da urgência passam a ser acompanhados pela rede no pós-alta.

Para quem precisa de atendimento em saúde mental, a orientação é o contato com a UBS, que é a porta de entrada para o serviço público. As equipes das UBSs encaminham e discutem com os Caps quais são as melhores condutas para cada caso e fazem os direcionamentos e as orientações necessários. O CVV presta acolhimento com sigilo pelo telefone (188) e pelos canais digitais: chat e pelo email, que podem ser acessados pelo site:https://www.cvv.org.br/.

Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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