Pandemia reforça necessidade de suporte em saúde mental para profissionais

Com o anúncio da pandemia do coronavírus feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS), no dia 11 de março, os profissionais da saúde assumiram papel de protagonismo no combate ao vírus. Em um primeiro momento, enquanto eles adequavam o atendimento aos novos protocolos, foram recebidos pela população com palmas e homenagens. Com o passar dos meses, o acúmulo de cuidados e as novas exigências na rotina das unidades – e também fora do trabalho -, esses trabalhadores, assim como os de outros setores, se viram somando sobrecargas.

É o que constatou pesquisa feita pela empresa de tecnologia em saúde, Pebmed, que produz conteúdos voltados para médicos. O estudo, com amostragem nacional, feito por meio de um questionário on-line, mostrou que 78% dos profissionais de saúde empenhados na linha de frente do combate ao coronavírus tiveram sinais de Síndrome de Burnout – distúrbio caracterizado por sintomas, como exaustão extrema, estresse e esgotamento físico, que estão relacionados a situações de trabalho desgastantes.

O médico Eduardo Moura, diretor de conteúdo e co-fundador da Pebmed, explica que não é novidade que há prevalência do Burnout entre os profissionais da saúde. Entre os fatores que contribuem para isso estão a elevada carga de trabalho e a alta carga emocional envolvidas nesses postos de trabalho. Para ele, é particularmente interessante verificar que há uma prevalência maior desses sintomas em quem está na linha de frente, algo que já foi identificado em outros países. O que não torna o resultado menos alarmante.

A coordenadora de enfermagem, Angélica, e a auxiliar de enfermagem, Ana Cláudia, trabalham na Regional Leste e apoiam a iniciativa do grupo de acolhimento (Foto: Fernando Priamo)

Moura explica que ter os sinais não permite afirmar que aquele profissional esteja, de fato, com a síndrome. Entretanto, com base na escala da Oldenburg Burnout Inventory (OLBI), é possível estabelecer uma correlação com os dados clínicos. O levantamento permite afirmar que os profissionais de saúde deveriam contar com suporte perene em saúde mental. “Eles têm sentimentos compatíveis com o Burnout e se isso se mantém. Se não for algo momentâneo, essas pessoas têm grande risco de desenvolver doenças mentais, como quadros depressivos.”

O estudo consegue destacar também alguns outros aspectos e impactos que a pandemia agrava. Como a diferença entre hospitais públicos e privados. Ele comenta que é de conhecimento geral a distância entre as estruturas de um e de outro. No entanto, a pesquisa mostrou que o Burnout está mais presente na rotina das unidades de saúde públicas (79%), embora a diferença não seja tão grande, já que a incidência nas particulares é de 74%. Olhando de maneira mais cuidadosa, conforme Moura, os números falam sobre as condições de trabalho. “As pessoas relatam que estão mais expostas. Seja pela falta de EPIs, ou por não tê-los em quantidade adequada; seja pela falta de leitos e o número de profissionais menor do que seria necessário. Isso tudo acaba influenciando na saúde mental.”

Dois outros dados se destacam na pesquisa. A prevalência maior de sintomas de Burnout entre profissionais de até 40 anos, que chega a 82% da amostra. Entre os mais experientes, o percentual é de 67%. O que mostra que a experiência, de acordo com o médico, faz diferença na hora de lidar com uma situação que exige mais do profissional. Por fim, a maior sobrecarga sobre as mulheres também é confirmada pelo levantamento. Entre as profissionais de saúde, há a prevalência dos sinais que indicam a síndrome em 80%, enquanto entre os homens, o índice marca 73%.

Os dados foram colhidos entre os dias 26 de junho e 6 de julho, com a participação de 3.613 médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem de todas as regiões do país. A pesquisa tem margem de erro de 1,6% para mais ou para menos, com intervalo de confiança de 95%.

Atendimento reforçado desde março

Em Juiz de Fora, nas unidades públicas geridas pela Prefeitura, a ideia de reforçar o atendimento em saúde mental a esses profissionais começou em março, conforme a gerente do Departamento de Saúde Mental (DSME) da Secretaria Municipal de Saúde, Maryene de Paula. O projeto “Cuidar da Mente Para Cuidar da Vida” cumpre a recomendação do Conselho Nacional de Saúde, que traz orientações sobre o acolhimento a esses trabalhadores durante a pandemia. Por meio do serviço, são oferecidos atendimentos individuais ou em grupo, de acordo com a necessidade do trabalhador.

A iniciativa contemplou, até o momento, mais de 230 profissionais que lidam com pacientes com Covid-19 em Hospital de Pronto Socorro (HPS), Regional Leste e Pronto Atendimento Infantil (PAI). Além deles, a equipe que dá suporte às ações também atua na atenção primária e no prédio executivo da secretaria. O atendimento é uma parceria entre DSME e Vigilância em Saúde do Trabalhador (Dvsat) e também conta com a participação da Universidade Salgado de Oliveira (Universo). O serviço será expandido para os 103 municípios da região, porque o Dvsat também é qualificado como Centro de Referência de Saúde do Trabalhador (Cerest).

A gerente do Departamento de Saúde Mental (DSME) Maryene de Paula explica que os colegas da rede de urgência estavam mais fragilizados em função da pandemia. O projeto, então, chegou nesse momento de maior estresse para que eles tivessem melhores condições subjetivas e emocionais para cuidar da população. “Precisávamos desse espaço, para que eles pudessem falar dos sentimentos frente a tudo isso. O medo em excesso vulnerabiliza, porque ele tende a paralisar. Enquanto a ausência do medo também desprotege, por causa da exposição.”

A coordenadora de Enfermagem da Regional Leste, Angélica Correia Caldi da Costa, lembra que as situações adversas são comuns nas unidades que atendem de portas abertas. Mas a pandemia trouxe uma surpresa, e esse desconhecimento foi, no início, um dos principais estressores para os profissionais.

Com o passar dos meses, os protocolos, os fluxogramas e as definições de uso de EPIs em cada área também geraram alguma apreensão e desconforto, mas, com a rotina estabelecida, as coisas ficaram mais calmas. O medo da própria contaminação e a de familiares também é uma preocupação constante. Nesse contexto, do ponto de vista dela, o grupo de acolhimento foi fundamental.

“Havia a escuta das nossas apreensões e incertezas e a valorização do profissional. Esse trabalho estabeleceu novos laços na equipe. Conhecemos pessoas novas, fomos ouvidos e aprendemos a ouvir também. Porque é importante estar aberto para ouvir as outras pessoas com maior qualidade.”

Na Regional Leste, além desse cuidado de acolhimento, em grupos pequenos, com distanciamento social, também houve um reforço, por conta de um colega de plantão que teria morrido com a doença. “Nos sentimos acolhidos. Essa é uma lacuna sobre a qual sempre falamos. A gente precisa dessa valorização e desse espaço para estar destacando a nossa humanidade.”

Além de encarar uma doença sobre a qual pouco ainda se sabe, equilibrar a preocupação com a própria saúde e a dos familiares foi a principal dificuldade relatada pela auxiliar de enfermagem da Regional Leste, Ana Cláudia de Souza. “Meus pais são idosos, hipertensos. Meu pai é pré-diabético. Tivemos que adaptar a nossa forma de conviver. No início, minha mãe não aceitava de jeito nenhum que não fôssemos à casa dela.”

Ao mesmo tempo, os olhares de pessoas de fora também começaram a impactar essa relação. Ela chegou a ouvir de pessoas próximas que, por trabalhar em um hospital, ela seria uma transmissora da doença. “A maioria de nós se sentiu muito discriminada. Tinha gente que pensava que nós íamos contaminar todo mundo. Para a nossa cabeça, isso não é tranquilo. Alguns colegas chegaram a pensar em pedir aposentadoria ou até mesmo a deixar o serviço.”

No entanto, foi mesmo o apoio da família e o acolhimento que a fortaleceram para continuar. Os protocolos de atendimento não trouxeram, segundo Ana, mudanças significativas para o dia a dia. As maiores alterações sentidas por ela foram quanto a lida com a rua. A frequência com a qual ela sai de casa foi reduzida drasticamente. Outro impacto grande foi a perda de um colega. “Incomoda muito. Ainda mais quando percebemos que as pessoas não acreditam que a doença existe. Mas é o que disse uma médica, quando a psicóloga esteve com a gente: ‘Enquanto são números, as pessoas não ficam incomodadas. Quando passam a ser nomes, começam a incomodar.”

O acolhimento no grupo, para ela, fez toda a diferença. “Somos gente. Temos sentimentos. Às vezes, nos sentimos muito abandonados. Nós não estávamos preparados para tudo isso. Agora vemos o quanto as pequenas coisas fazem muita diferença.” Mesmo depois de participar da iniciativa, ela segue em acompanhamento com um psiquiatra.

A técnica em enfermagem Denise Aparecida preza pela humanização, que será adotada também no pós-pandemia. “As pessoas que chegam, poderiam ser familiares nossos” (Foto: Fernando Priamo)

Necessidade de pensar no pós

Trabalhando no HPS, a técnica em enfermagem Denise Aparecida da Silva Flausino comenta que as mudanças no atendimento não foram tão impactantes, embora EPIs como o capote tenham se somado aos outros recursos já utilizados na rotina profissional. A necessidade de redobrar a atenção com os hábitos fora do ambiente hospitalar, no entanto, foi considerada um importante elemento estressor.

“Com a pandemia, tivemos que mudar. O sapato fica do lado de fora. Ao chegar em casa, deixamos a roupa da rua em um espaço reservado e vamos direto para o banho, antes de ter contato com qualquer pessoa.”

A maior preocupação dela também é com os familiares. Também a assustou o fato de que muitas pessoas continuam levando a vida sem tomar os devidos cuidados. O contato com o acolhimento em saúde mental, para Denise, despertou para duas questões importantes.

A primeira é de tornar o cuidado com o outro cada vez mais humanizado. Lição que vai permanecer no pós-pandemia. “As pessoas que chegam, poderiam ser familiares nossos. Você deixa alguém da sua estima. Ela entra andando, conversando e pode ou não evoluir para casos mais graves. Nesse tempo, você não pode ter contato físico, fica sem saber o que está, de fato, acontecendo. É uma aflição muito grande.”

Após o contato com o grupo, a técnica em enfermagem disse que o cuidado com as informações repassadas à família ficou mais apurado. “Os boletins diários dos médicos estão mais explicativos, eles estão tirando mais dúvidas. A questão que ficou foi: como gostaria que um familiar meu fosse cuidado?”.

O outro ponto salientado por ela foi a forma como os profissionais são vistos pela sociedade. “Tanto aqueles que estiveram internados, se curaram e foram embora, quanto os que acabaram perdendo seus familiares nos agradecem. Quem perde alguém por Covid-19, não tem como se despedir direito, não tem como ver o rosto do seu familiar e isso é muito triste.”

Estado de alerta constante

Segundo a psicóloga do Dvsat, Nayara Baptista, o surto desperta esse estado de alerta constante nos profissionais da linha de frente. O que vem associado a preocupações, estresses e falta de controle em um momento repleto de incertezas. Essas perturbação psicossocial acontece em níveis de intensidade e gravidade diferentes para cada pessoa. Nesse sentido, esses profissionais estão mais sujeitos a serem afetados.

“Percebemos um aumento nos sintomas de ansiedade e pressão entre eles. Perda de qualidade de sono, sintomas psicossomáticos, fora o medo de contaminar membros da família. Por isso, percebemos que é preciso ter esse cuidado com a saúde mental deles.” Trabalhando no projeto, a psicóloga conta que os retornos que recebe são ótimos. “Por isso, estamos ampliando o cuidado, para tentar atender um número ainda maior de profissionais.”

Nayara percebe que o trabalho deve ser uma das principais preocupações a serem discutidas no período seguinte à pandemia. Ela lembra que, antes mesmo do surto, as relações de trabalho já apresentavam estresse. Com o coronavírus, a situação se agravou. “O trabalho identifica, contribui para a autoestima e é estruturante na vida, além de ser um determinante de saúde. Temos que cuidar desse ambiente, para promover a saúde e evitar o adoecimento desse trabalhador.” No Dvsat, são acolhidos não só os trabalhadores da linha de frente em saúde, como também outros de qualquer segmento. A pessoa que sentir a necessidade, pode solicitar o atendimento buscando a unidade básica de saúde mais próxima, ou agendando o contato por meio do telefone 3690-7511. O órgão funciona na Rua Antônio José Martins, número 92, no prédio do Departamento de Vigilância em Saúde, no Centro.

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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