Pesquisadora fala sobre o crescente papel das redes sociais na discussão política

(Foto: J.D.Ross/SYRACUSE UNIVERSITY)

O crescente papel das redes sociais na discussão política mundo afora foi tema de debate no programa Pequeno Expediente da Rádio CBN/Juiz de Fora, na última quinta-feira (23), com a pesquisadora Patrícia Rossini. Como exemplo, a professora da Universidade de Syracuse, nos Estados Unidos, comentou sobre a utilização constante de ferramentas como o Twitter pelos atuais presidentes do Brasil, Jair Bolsonaro (PSL), e o norte-americano, Donald Trump. Com um currículo extenso, com doutorado em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e mestrado em Comunicação e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFMG), Patrícia dedica suas pesquisas à análise de ferramentas como Twitter, WhatsApp e Facebook e está de mudança para a Inglaterra, onde vai lecionar no Departamento de Comunicação e Mídia da Universidade de Liverpool. Você confere abaixo alguns trechos da entrevista concedida aos jornalistas Paulo César Magella e Renato Salles.

Tribuna – Temos nos EUA e no Brasil presidentes que tuítam praticamente todos os dias. Qual o alcance desta ferramenta hoje?
Patrícia Rossini – Segundo dados do IBGE de 2018, o Brasil tem cerca de 126 milhões de usuários de internet. Destes, aproximadamente nove milhões estão no Twitter. Ou seja, menos de 10% dos usuários estão no Twitter. No caso dos Estados Unidos, cerca de 20% da população estão no Twitter. Apesar destes percentuais, as pessoas que estão no Twitter tendem a formar uma audiência mais especializada. São muitos jornalistas e muitos formadores de opinião. São pessoas para quem estes líderes falam para pautar. O Donald Trump tuíta todo dia e, enquanto muitos americanos não estão no Twitter, todos jornais acabam repercutindo este tuíte. O mesmo tem acontecido no Brasil. O Bolsonaro tuíta e, em pouco tempo, todos estão repercutindo. O brasileiro médio não precisa estar no Twitter para acompanhar esta discussão.

– Sobre a atuação dos chamados “robôs”, o quanto estes perfis podem ser prejudiciais para as discussões políticas em um momento de polarização de ideias como o que estamos vivenciando?
– As contas automatizadas no Twitter têm sido combatidas. Sobretudo a partir de 2016, com a revelação da influência russa nas eleições norte-americanas. Desde então, o Twitter tem trabalhado com mais afinco para limitar a atuação destas contas, principalmente pelo fato de que, dentro das plataformas de redes socais que temos hoje, o Twitter é a mais aberta para o desenvolvimento de aplicativos. Assim, qualquer pessoa com um pouco de conhecimento consegue programar com robôs. Apesar de não serem contas muito conectadas, não tendo portanto muito alcance, elas trazem o problema da amplificação. São contas que ficam retuitando determinados comentários para que o alcance deste conteúdo seja ampliado. Também são de comportamento reativo, programadas para responder outros tuítes que falem de determinado assunto, e, assim, espalhando informações falsas, por exemplo. Esta conta pode ter uma atuação bastante danosa, como silenciar contas legítimas, bombardeadas por contas automatizadas.

– Qual o antídoto para combater as fake news?
– No caso do Whatsapp, há um problema de ordem técnica. As mensagens são todas encriptadas. Isto significa que nem o Whatsapp é capaz de identificar o conteúdo que está circulando entre os usuários. No Brasil, alguns órgãos criaram canais para responder as notícias falsas que circulam. Por outro lado, o Facebook e o Twitter são capazes de filtrar mensagens de um link sabidamente falso, por exemplo. No Wahtsapp, isto não é possível. O que ele tem feito é tentar limitar a difusão massiva, reduzindo tanto o número de pessoas para as quais se pode encaminhar uma mesma mensagem quanto o número de pessoas em um determinado grupo, por exemplo. Na prática, o que o Whatsapp tenta fazer é coibir a circulação de todos os tipos de mensagens e evitar que elas viralizem. Mas é claro que isto ainda pode acontecer. E, de fato, acontece. Nas eleições de 2018 no Brasil, o Whatsapp chegou a identificar comportamento supostamente robotizado, bloqueando diversas conta. A forma como se deu a identificação e o bloqueio não foi pelo conteúdo, mas pelo perfil de ação registrado pelo servidor, muitas vezes, em velocidade maior que seria compatível com a ação de seres humanos.

– É possível dizer que as redes sociais definiram, de fato, o resultado das eleições tanto no Brasil, como nos EUA?
– É muito difícil traçar esta relação. Influenciou de qual maneira? Qual seria a parcela da população que confia em redes sociais para se informar? Qual seria a parcela da população que usa rotineiramente estas ferramentas? Portanto, eu não falaria em influência no resultado eleitoral. Mas é claro que, quanto mais adotadas estas ferramentas são, isto afeta a dieta de informações que as pessoas recebem. Para pessoas que se informam por outros meios, o Whatsapp, talvez, não seja tão influente. Mas para pessoas que não estão habituadas a buscar notícias e que, durante o processo eleitoral, recebem mais informações políticas pelo aplicativo, é possível sim que tenha ocorrido uma influência. Já no caso dos Estados Unidos, temos um pouco mais de dados sobre as influências que aconteceram – como o uso de anúncios no Facebook direcionado a populações mais vulneráveis. Por exemplo, falar sobre migração diretamente com pessoas que estão desempregadas e vivem na fronteira dos Estados Unidos com o México e pensam que os mexicanos estão tirando os empregos dos americanos. Há formas sofisticadas de abusos das redes sociais, mas é sempre muito difícil traçar qualquer tipo de relação causal entre o volume de uso das redes sociais nos ciclos eleitorais e o resultado final do processo.

– O que esperar daqui para frente, nas próximas eleições, tanto em 2020, nos EUA, quanto em 2022, no Brasil?
– O Brasil quando começou a utilizar as redes sociais em campanhas eleitorais, talvez, a partir de 2010, quando o Twitter já era utilizado, passou a ter uma série de legislações, que, na época, ficaram conhecidas como minirreforma eleitoral, para regulamentar o uso das redes. Isto torna o caso do Brasil diferente da experiência americana. Aqui (EUA) as campanhas são muito menos reguladas em termos de como podem direcionar os recursos financeiros e o que é ou não visível. Desde 2016, com a descoberta de influência russa e de possíveis abusos no uso das redes, têm sido discutidas mudanças na legislação. Mas, nos Estados Unidos, as leis para coibir o abuso no uso destas ferramentas ainda possuem uma dimensão pequena. No Brasil, é muito maior. O que acho que vai acontecer é uma preocupação maior com a regulamentação para evitar abusos. O grande desafio é refletir como nosso sistema, sobretudo o Legislativo e o Judiciário, vai responder às ameaças que são novas e inerentes ao uso deste tipo de ferramentas.

– A opção dos líderes políticos de utilizar o Twitter como uma ferramenta direta de contato com a população, deixando de lado veículos de comunicação, pode fomentar um cenário de polarização e prejudicar a discussão na busca por um país melhor com base nas soluções consensuais?
– A questão do Twitter é justamente esta. Você está falando para dois públicos. Primeiro, para uma elite formadora de opinião. Segundo, para um público fã, que te segue e te acompanha. Este discurso da lacração vai em duas vias. No caso do Trump, por exemplo, toda a exposição de mídia gratuita que ele ganhou nas eleições de 2016 foi porque tudo o que ele dizia no Twitter era tão fora do esperado, que todos os jornais acabavam reportando. Ele não era o único dos mais de 20 candidatos que estava usando o Twitter. Mas ele era o único que usava a ferramenta de forma menos convencional, para lacrar. Coisas semelhantes têm acontecido no Brasil. Perde-se muito quando não se tem lideranças políticas que não são abertas ao diálogo com a imprensa. Podemos inferir porque eles não querem. É muito mais fácil pegar um megafone e dizer o que quer fazer, sem ter que responder sobre como vai fazer aquilo ou responder perguntas sobre controvérsias do seu Governo. Quando se utiliza o Twitter, o político não tem mediação alguma, sem risco de a imprensa reportar aquela fala em uma contextualização que ele não quer que ela faça. Ele simplesmente está falando para seus fãs aquilo que eles querem ouvir e ainda pautando a imprensa com aquilo que ele quer pautar. É preocupante esta tendência, pois significa um fechamento destas lideranças para um discurso público um pouco mais qualificado e para uma imprensa mais capaz e livre para questionar, o que acaba alimentando os discursos de bolha.

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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