Pessoas cegas enfrentam dificuldades impostas pela pandemia

A pandemia do coronavírus e a consequente orientação para a realização do isolamento social impuseram desafios às pessoas cegas ou com baixa visão, que têm encontrado mais dificuldades para realizar atividades no dia a dia em razão do medo do contágio pelo coronavírus. Mesmo aqueles que têm apoio de uma instituição, como a Associação dos Cegos – que tem buscado alternativas para dar continuidade aos atendimentos de forma remota -, precisaram se adequar para não sofrer com as consequências psicológicas inerentes ao momento.

É o caso de Carlos Alberto Pereira, de 45 anos, que é cego. À Tribuna, ele relatou que já encontrava dificuldades para solicitar ajuda para cumprir tarefas simples, como atravessar a rua ou se locomover pelo supermercado antes da pandemia, mas o problema teria se intensificado desde março. “Por sermos deficientes, já éramos atendidos com um pouco de preconceito, mas agora ficou ainda mais complicado”, expõe.

Sua esposa, Jussara Cerqueira Mariano, 38 anos, tem baixa visão e também enfrenta o mesmo problema. “Outro dia, em um mercado, cheguei perto de uma pessoa e perguntei: poderia ajudar, porque somos deficientes visuais? A pessoa disse que não tinha ninguém para ajudar. Hoje as pessoas ficam com medo de deixar encostar a mão e contrair o vírus. Sinto falta dessa ajuda”, conta.

A situação pela qual o casal passa não é isolada, segundo a psicóloga da Associação dos Cegos, Marjory Neves. De acordo com ela, as pessoas assistidas que já tinham autonomia para desempenhar tarefas do cotidiano estão sentindo o impacto da pandemia ainda mais do que aqueles que são completamente dependentes e vivem na instituição.

“As pessoas que iam à rua sozinhas, para fazer compras ou pagar contas, estão sofrendo mais. Tem muita gente que está entrando em pânico por excesso de informação, e tem familiares que não deixam eles saírem para nada. Por outro lado, como o deficiente visual usa muito o tato, quando estão na rua e vão atravessar, depende de alguém para ajudar, depende do contato e do toque, e esse risco fica na cabeça e causa medo. A vida social de alguns usuários era na associação, fazendo cursos, e esse isolamento acaba prejudicando a saúde mental. Escutei muitos relatos de crise de ansiedade, até por não saber quando vai acabar a pandemia”, observa. Ainda segundo a psicóloga, as práticas de cultos religiosos presenciais também fazem falta, apesar de as pessoas poderem acompanhar as celebrações por rádio ou TV.

Depressão e ansiedade

As entidades assistenciais têm buscado maneiras de continuar apoiando a população, de forma a proteger os assistidos do coronavírus sem deixar de atendê-los. Pensando nisso, desde março, a Associação dos Cegos adotou a prática de rodízio de funcionários e interrompeu as atividades com os assistidos externos. Ao mesmo tempo, alguns dos pacientes que moram na instituição foram liberados para ir para casa com os familiares. Dos cerca de 25 internos, somente cerca de dez ficaram na associação, recebendo assistência 24 horas.

Em abril, entretanto, os setores de psicologia e assistência social passaram a fazer um acompanhamento do estado emocional dos atendidos por telefone, para contornar quadros de ansiedade provocados ou intensificados pelo isolamento social. No entanto, para os profissionais do espaço, parte do trabalho que vinha sendo feito com os usuários foi perdido.

“Somos uma instituição de reabilitação, onde tentamos incluí-los na sociedade, gerando autonomia e independência. Mas com essa pandemia, percebemos a preocupação e redução da frequência, com medo de sair de casa. Os externos estão sendo atendidos em número muito reduzido. Antes da pandemia, as aulas de artesanato chegavam a ter até sete pessoas, hoje há, no máximo, três, com distanciamento e uso de máscara. Higienizamos as bengalas usadas nas aulas de mobilidade, temos sempre esse cuidado. As aulas de informática foram suspensas, e a roda de conversa está sendo feita on-line para evitar aglomeração”, explica Júlio Cézar Ferreira Elias, instrutor de orientação em mobilidade.

A roda de conversa é fruto de uma parceria com o projeto de iniciação científica Sentir o Sorriso, do curso de Odontologia da Estácio JF. Com o isolamento, as conversas passaram a acontecer por meio do aplicativo WhastApp, onde cerca de 50 pessoas participam de discussões e palestras sobre diversos temas, semanalmente. Além de questões odontológicas, outros assuntos, como alongamento, atividade física e compulsão alimentar durante o isolamento social, a relação da diabetes com a deficiência visual, e até higiene do sono já foram trabalhados.

“Tentamos fazer de uma forma com que eles continuassem se sentindo acolhidos”, afirma a assistente social Maria Raquel Miranda. “(Com a pandemia), todo o trabalho que a gente vinha desenvolvendo teve uma regressão. Muitos usuários caíram em depressão de novo, e precisei me reinventar, fazendo muitos atendimentos por telefone. Porque a vida deles é a Associação dos Cegos, era o momento em que interagiam, e perderam isso de repente”, lamenta.

Dicas para manter a saúde mental

Apesar de os cegos atendidos externamente estarem com a saúde mental mais abalada, a psicóloga Marjory Neves observa que, por outro lado, os usuários que precisaram permanecer morando na associação estão mais saudáveis psicologicamente, pois puderam manter sua rotina de atividades e continuam tendo a companhia de outros internos e funcionários, dentro das normas de segurança contra a Covid-19.

Por isso, a profissional orienta que, quem puder, deve tentar desviar o pensamento daquilo gera ansiedade, aproveitando-se de atividades de interesse de cada um. “O que a pessoa gosta de fazer? Gosta de escutar uma novela, ou se exercitar, ler livros em braile? Colocamos essas coisas na rotina para ajudar pelo menos a passar o tempo”, indica.

O conselho é o mesmo dado por Carlos Alberto Pereira. Acostumado a praticar goalball e a ter aulas de informática, ele solicitou o retorno às aulas de braile e artesanato na Associação dos Cegos para se manter ativo. Mesmo assim, ele conta que não é a mesma coisa, e sente falta dos amigos que não encontra faz tempo. “Modificou muito a minha vida, estamos muito parados”, diz. Entretanto, ele dá uma dica: “Quem tiver oportunidade de fazer atividades, deveria fazer, para tirar a mente do foco da pandemia”.

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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