Polícia Civil indicia ex-direção de João Penido no caso de paciente desaparecido

Quatro anos e sete meses depois de o pedreiro Carlos Henrique Leandro, na época com 51 anos, desaparecer do Hospital Regional João Penido, a Polícia Civil concluiu a investigação do caso. Ele foi reaberto no final de agosto do ano passado pela delegada Ione Barbosa, logo depois que a polícia localizou uma ossada, identificada como sendo a do homem. As apurações não conseguiram apontar o que causou a morte do pedreiro, mas a principal hipótese é que Carlos Henrique tenha evadido da unidade de saúde e seguido para o matagal, onde seus restos foram encontrados – cerca de um quilômetro distante do hospital, no meio de dois troncos de árvores.

Crucifixo usado por Carlos Henrique ajudou a identificar a ossada (Foto: Arquivo Pessoal)

O diretor da unidade de saúde à época, Renê Mattos, foi indiciado pelo crime de exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo direto e iminente. Para a delegada, houve omissão da unidade, no que diz respeito à responsabilidade sobre a tutela do homem. À Tribuna, Renê Mattos afirmou que não estava ciente do indiciamento. “Não cabe a gente se posicionar sobre isso. Não reconhecemos culpa nenhuma. É uma estrutura do hospital, que é antiga, que não tinha condição de controlar as portas. A direção, naquele momento, se sentia responsável, mas não culpada”, afirmou. A reportagem fez contato com a família de Carlos Henrique, mas seus parentes prefeririam não se manifestar.

A família do pedreiro estava em busca de respostas pelo seu desaparecimento desde 24 de julho de 2016, quando foi ao hospital e não encontrou Carlos Henrique. O homem havia dado entrada no João Penido no início da noite do dia anterior. Ele estava internado em Matias Barbosa por conta de crises convulsivas repetitivas e precisou ser hospitalizado, sendo depois transferido para Juiz de Fora. A falta dele foi notada por parentes no horário de visitas. Desde então, eles fizeram uma verdadeira peregrinação em busca de notícias, que inclui a rota de Juiz de Fora e de cidades vizinhas.

Em janeiro de 2017, a Tribuna fez uma matéria sobre o andamentos do caso, a delegada responsável pelo inquérito à época, Carolina Guimarães, disse que não havia materialidade que provasse que houvesse crime, e ela apurava a responsabilidade do hospital. A Polícia Civil havia constatado que o homem não tinha nenhum desafeto. À reportagem, Carolina disse que concluiria o caso em 30 dias e remeteria o procedimento à Justiça. Mas isso não ocorreu.

Crucifixo dado por mãe ajuda a identificar ossada

Em 28 de agosto do ano passado, a 4ª Delegacia de Polícia Civil, chefiada pela delegada Ione Barbosa, assumiu a investigação sobre uma ossada humana encontrada dentro do buraco de uma árvore, no Bairro Grama, Zona Nordeste de Juiz de Fora. A árvore fica na Rua Maria Belo da Silva, nas proximidades do Hospital Regional Doutor João Penido. O episódio incomum foi descoberto depois que uma testemunha achou os restos mortais quando passava pelo local, por volta do meio-dia, e acionou a corporação. A ossada estava queimada.

A princípio, a linha de investigação apontava para que a ossada fosse de um jovem, mas depois surgiu a hipótese de ser do pedreiro. “A perícia voltou ao local cinco vezes e, na última, encontrou um cordão com um crucifixo idêntico ao que Carlos Henrique usava, presente dado pela mãe dele, com o nome do filho gravado na parte de trás. A idosa comprou o objeto em Aparecida do Norte. A família esteve na delegacia e reconheceu o objeto”, disse. Em uma foto disponibilizada pela família de Carlos Henrique à Tribuna, em 2017, o homem aparece usando um cordão muito parecido com o apreendido pela polícia. Na fotografia, um bebê, curiosamente, aparece segurando o acessório.

A Polícia Civil também enviou os restos mortais do pedreiro ao Instituto Médico Legal de Belo Horizonte para exame de DNA. Familiares de Carlos Henrique colheram material para confrontar com o da ossada. Porém, os ossos estavam tão destruídos pelo fogo, segundo Ione, que não sobrou material para coleta de DNA. “A partir daí, busquei com a família alguma radiografia antiga dele, para que pudesse ser comparada ao crânio. Mandamos para Belo Horizonte um raio-X de face, foi feita confrontação com o crânio da ossada, constatando que todos os pontos são coincidentes. Não houve nenhum ponto dissonante na sobreposição”, disse, destacando que, diante disso, foi constatado que os restos mortais são de Carlos Henrique.

Falta de materialidade para crime violento

Apesar de todo o tempo de investigação, ainda não é possível saber o que causou a morte de Carlos Henrique. Segundo Ione, sobre o fato de a ossada estar queimada, a hipótese é de que tenha ocorrido um incêndio na vegetação da área, atingindo os restos mortais. “Nós não descartamos de forma categórica, mas a nossa ida até o local, na terça-feira (18), nos induziu no sentido de que a vítima teria evadido e ninguém viu, devido ao hospital ser um local que favorecia a fuga, uma vez que tinha várias saídas. Em nossos relatórios, apontamos que várias evasões ocorreram à época. O local em que a ossada foi encontrada propicia a entender que ele saiu do hospital em direção a este local. Descartamos quase que por completo que tenha ocorrido um crime”, afirmou Ione.

Possíveis falhas em hospital

Depois de ter certeza que a ossada era do pedreiro de Matias Barbosa, a Polícia Civil voltou ao João Penido. Foram identificadas falhas que podem ter contribuído para a morte de Carlos Henrique. “Detectamos, realmente, que à época dos fatos, a direção do hospital não tomou o cuidado necessário para a segurança do paciente, não só a dele, como a dos demais. Há várias declarações nos autos de enfermeiros que trabalhavam lá, na época, e de pessoas que viram a precariedade da segurança. Existe uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que fala que hospital tem que ter plano de segurança, e esse plano não era observado. O diretor da época, em sua declarações à polícia, fala que era humanamente impossível controlar a entrada e saída de todos”, disse a delegada.

Segundo Ione, ficou constatado que várias medidas de segurança foram tomadas depois do episódio, como a colocação de portas em saídas que antes eram livres. Além disso, os pacientes usam roupas diferente das dos acompanhantes e também crachás de identificação, por exemplo, o que para ela dificulta a evasão. “Entendemos que houve omissão imprópria, no sentido de que ele teria obrigação de zelar pelo paciente, não só pela administração de remédios, mas também zelar pela segurança do paciente, o que não ocorreu efetivamente”, comentou. Por este motivo, ela indiciou Renê Mattos com base no Artigo 132, do Código Penal, que é expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente. A pena é detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave. Ele responde em liberdade

À Tribuna, Renê Mattos afirmou que já havia sido dito por ele, durante as investigações, por várias vezes, que não havia um controle efetivo em relação as saídas do hospital. Ele refirmou que, no dia do sumiço, um domingo, não havia ninguém da direção no local. “É uma estrutura do hospital que é antiga, que não tinha condição de controlar as portas. A direção, naquele momento, se sentia responsável, mas não culpada.”

Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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