Psicoterapia como ferramenta de autoconhecimento e equilíbrio da saúde mental

O volume de buscas pelo termo ansiedade no Google em Minas Gerais se mantém em alta durante a pandemia, até, pelo menos, a segunda quinzena deste mês. Na escala de interesse pelo assunto, que tem a medida 100 como máxima, não houve nenhum momento em que o assunto apresentasse pontuação abaixo de 74. As buscas relacionadas indicam dúvidas sobre o que causa a ansiedade, tipos de ansiedade e os sintomas que ela pode provocar. Já o termo depressão manteve volume de buscas acima de 60 no estado, na maior parte dos últimos 12 meses. Juiz de Fora foi o município onde as pessoas digitaram a palavra depressão por mais vezes no buscador.

O interesse por esses assuntos, porém, pode ou não se converter em busca por ajuda fora do ambiente virtual, já que ainda há alguma resistência aos temas que se relacionam aos cuidados com a saúde mental. A professora e coordenadora do Curso de Psicologia da Faculdade Machado Sobrinho, Daniele Rangel, explica que a saúde mental no campo da psicologia é abordada de maneira mais ampla, com o objetivo de compreender a relação do indivíduo e o seu emocional. “Mesmo com algum tipo de transtorno, é possível viver com uma boa saúde mental, através do acompanhamento de um profissional.”

Qualquer pessoa que deseja melhorar sua qualidade de vida, sua relação consigo mesma e com os outros pode fazer terapia, de acordo com a professora Daniele Rangel. Entretanto, ela reforça que é importante estar atento se há a presença recorrente de pensamentos autodestrutivos, desânimos, alterações de sono e apetite, irritabilidade e isolamento. A manifestação desses sintomas, quando estão relacionados a um sofrimento com o qual a pessoa não consegue lidar, é sinal de que é preciso buscar ajuda especializada.

A iniciativa de buscar um profissional, entretanto, precisa ser acompanhada de cuidados. “É fundamental que ele seja formado na área e devidamente inscrito no Conselho Regional de Psicologia, e, se possível, deve-se buscar indicações sobre este profissional”, frisa Daniele.

A psicóloga explica que não há idade certa para começar o tratamento, entretanto, no caso dos menores de 18 anos, o atendimento precisa ter o consentimento dos responsáveis. Sobre a duração da terapia, ela comenta: “posso, metaforicamente, dizer que, para saber o tempo da caminhada, é preciso saber o tamanho e o ritmo dos passos. Com isso, a terapia normalmente não é tão rápida, porque transformar a si mesmo não é tarefa fácil e deve ser feita com responsabilidade.”

Atendimento on-line

Logo no início do surto de Covid-19, o Conselho Federal de Psicologia, observando as orientações a respeito do distanciamento social, possibilitou que os profissionais da Psicologia pudessem seguir prestando atendimento remoto. O intuito era amenizar o impacto dos efeitos da pandemia sobre a saúde mental da população. A preocupação com o tema foi tratada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como uma das principais áreas na qual os trabalhos precisariam ser reforçados.

A medida foi tomada em caráter excepcional e não deve substituir o contato presencial com os profissionais. Segundo a coordenadora do Curso de Psicologia do Centro Universitário Estácio Juiz de Fora, Adriana Woichinevski Viscardi, o atendimento remoto exige mais dos psicólogos. Além disso, pode não ser o caminho mais confortável, especialmente para quem está passando o período de isolamento com mais pessoas dentro de casa.

Como é o caso de uma paciente que preferiu não ser identificada. Ela comentou sobre a dificuldade de permanecer com seu acompanhamento no formato remoto, uma vez que está passando esse período de distanciamento com sua família, na avaliação dela, sem a privacidade necessária para realizar a sessão. “Não me sinto confortável para seguir o tratamento em casa, meus pais estão sempre por perto e fico apreensiva em me abrir e alguém acabar escutando algo.” A paciente comenta que sente falta das sessões, mas prefere esperar até a retomada dos encontros presenciais.

Já a universitária Mariana Campello fazia terapia muito antes de a pandemia começar. Ela continuou o tratamento por meio remoto. Os encontros virtuais com a psicóloga, comenta, a ajudaram também a passar pelas dificuldades enfrentadas nos últimos meses. Ela considera que, mesmo com o tratamento, enfrentar a pandemia tem sido difícil. Mariana mudou de cidade ainda adolescente e, naquela época, foi incentivada pela mãe a buscar terapia pela primeira vez. Desde então, segue o acompanhamento. “Tenho que agradecer aos meus pais, visto que eu não tinha noção de como era importante até fazer. A terapia revolucionou a minha forma de viver.” Assim como ela, muitas pessoas só entendem a importância do cuidado em saúde mental quando têm acesso a ele. “Mudou a forma de enxergar as coisas e lidar com as pessoas. Acho que é crucial para tirar o melhor de mim, para a saúde em geral, não só a mental. Também me influencia a fazer escolhas mais saudáveis para mim. Eu posso dizer que a terapia me ajudou a encontrar um amor próprio, que eu nem sabia que poderia ter.”

A universitária Mariana Campello faz terapia desde antes da pandemia e segue com as sessões remotas. “Revolucionou a minha forma de viver” (Foto: Fernando Priamo)

Mudança de ponto de vista

Os relatos que a coordenadora Adriana Woichinevski Viscardi recebe dos psicólogos indicam que há aumento na procura de 40% a 50%. Movimento que pode estar diretamente relacionado com a pandemia. As questões que têm sido abordadas com maior frequência nas sessões tocam em temas que foram afetados pelo momento, como o trabalho, campo que experimentou muitas mudanças. Adriana lembra que, antes, as pessoas tinham os locais de trabalho e de casa bem delimitados. Agora, eles se confundem. “Antes as pessoas iam para casa descansar. Agora, que o trabalho está em casa, não há mais o lugar do descanso.”

Há, ainda, o isolamento, que é um dos elementos de predisposição para o adoecimento. Outros fatores também podem ser citados, como a sensação de impotência diante da Covid e de aprisionamento, a angústia e o medo de morrer.

Adriana: ‘Ainda existem pessoas que reduzem o trabalho terapêutico a uma escuta’ (Foto: Divulgação)

Nesse período, muitas barreiras culturais de acesso ao tratamento precisaram ser revistas, em função de questões emergenciais. “De repente, se instala o pânico, e a pessoa vai buscar ajuda para lidar com ele. A necessidade gerou uma mudança de olhar para a terapia. Às vezes, porque os sintomas vieram fortes. Em outros casos, porque a pessoa está sozinha e não consegue dividir, não tem como se distrair ou ter outras interações que a tirem daquele pensamento.”

Conforme a psicóloga, também é possível perceber um movimento de reflexão sobre questões existenciais, que tem levado as pessoas a repensarem suas vidas e a tomar atitudes para promover mudanças. Adriana destaca que não é a dificuldade de expor as questões mais íntimas que pode dificultar o acesso ao cuidado em saúde mental, mas a noção de que será preciso promover uma mudança. Ela ressalta que todos os problemas não serão resolvidos na sala do terapeuta. As alterações ocorrem na vida. “É isso que dá medo. Reconhecer todas as coisas que incomodam. As pessoas vão aos consultórios buscar recursos para mudar a situação em que estão. Não só para reclamar. Então, essa dificuldade está muito relacionada ao medo da mudança.”

Escuta especializada

Outra confusão persistente é sobre o processo de escuta na terapia, conforme a psicóloga Adriana Woichinevski Viscardi. “Ainda existem pessoas que reduzem o trabalho terapêutico a uma escuta, como se esse profissional pudesse ser substituído por um amigo, um parente, um padre. Mas não é um mero desabafo. Essa fala será recebida por uma escuta técnica. Essa fala será conduzida por uma técnica para chegar a certos resultados.”

Adriana ressalta que, assim como a fala com o psicólogo não é uma fala comum, a escuta também não o é. “Trata-se de uma escuta preparada para identificar qual é a questão, porque a pessoa chega com o sintoma, porque algo não vai bem. A terapia ajuda o sujeito a não repetir o sintoma, a compreender porque ele está sentindo aquilo e a modificar a origem desse problema.”

Para a profissional, a contribuição do cuidado em saúde mental é que, mesmo quem está caminhando bem, pode melhorar. Nem todas as pessoas precisam de terapia, mas todos se beneficiariam com ela, avalia. Adriana destaca que o autoconhecimento nunca é dispensável. “O processo terapêutico pretende gerar autonomia para o indivíduo. Chega um ponto em que você sabe o terreno em que está pisando, já se conhece um pouco. Mas também encontramos situações sobre a falta desse autoconhecimento, que é o mínimo que a terapia proporciona. Pode estar tudo bem, mas não custa se conhecer melhor.”

Há situações, comenta, em que as pessoas não conseguem sequer dar nome ao que sentem. O trabalho comportamental e, às vezes, até medicamentoso, pode mudar a vida da pessoa completamente. “Tem gente que pensa que alguns problemas são da natureza dela e que são assim e ponto. Mas tem muitas coisas que podem ser mudadas, como timidez excessiva, ansiedade e dependência. Com isso, a qualidade de vida fica melhor”, pontua.

Em algumas fases cruciais da vida, avalia, a terapia também apresenta ferramentas para que se possa fazer escolhas mais conscientes, como profissão, relacionamento amoroso e início da vida sexual. “São algumas das questões para as quais seria muito bom estar preparado para tomar uma boa decisão. A terapia também atua sobre isso: organizar as ideias e fazer uma boa decisão.”

O post Psicoterapia como ferramenta de autoconhecimento e equilíbrio da saúde mental apareceu primeiro em Tribuna de Minas.

Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

Pesquisar