Sindicato descumpre liminar, e ônibus continuam sem rodar em JF

A despeito de decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região que, na última quarta-feira, determinou que fosse mantido percentual mínimo de 60% da frota do transporte coletivo urbano de Juiz de Fora durante a atual greve de motoristas e cobradores, a cidade teve mais um dia de paralisia do sistema nesta quinta-feira (20). Nem mesmo a determinação de multa diária de R$ 50 mil ao Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário de Juiz de Fora (Sinttro/JF), em caso de descumprimento da liminar, resultou na retomada parcial das atividades. O município viveu mais um dia de mobilidade urbana comprometida, com reflexos no trânsito, e de manifestações da categoria, que reivindica melhores condições de trabalho após amargar perdas, incrementadas pela crise financeira provocada no setor pela pandemia da Covid-19.

Nesta sexta-feira, a greve, que já se arrasta desde terça-feira, deve seguir na ordem do dia. Pela manhã, a Câmara Municipal realiza audiência pública para debater a situação. Para o compromisso, além dos vereadores, foram convidados representantes do trabalhadores, das concessionárias e da Prefeitura. Presidente da Casa, o vereador Luiz Otávio Coelho (Pardal, PSL) conversou com os rodoviários em frente ao prédio do Legislativo na tarde desta quinta. Em sua fala, destacou que os vereadores buscam garantir os direitos de toda a população. “É fundamental que a gente busque soluções. Devemos cobrar do Executivo para tomar medidas diante desse momento que vocês (rodoviários) vivem.”

A pedidos do grupo, Pardal afirmou que irá pedir a anulação da última licitação do transporte coletivo urbano, aprovada em 2016. A anulação do processo licitatório também já havia sido pleiteada por uma comissão parlamentar de inquérito instalada na Câmara, que, em agosto do ano passado, pediu a realização de novo certame. Quem também conversou com o grupo foi o vereador Wanderson Castelar (PT). “Obriguem o prefeito a abrir mão do Fundo Municipal de Transporte. Fiz o que está ao meu alcance com a categoria.” Apesar disso, um manifestante disse que está “cansado de palavras”. O parlamentar foi recebido inicialmente de forma confusa, mas, em seguida, os ânimos acalmaram.

Por sua vez, a Prefeitura voltou a reforçar que se mantém disposta a auxiliar nas negociações, mas que o imbróglio se trata de uma questão trabalhista entre as empresas e seus empregados. O Município ressalta que têm recorrido às vias legais para que o serviço, que é alvo de concessão, seja prestado, já tendo peticionado o TRT e também notificado as empresas, que têm alegado disposição em manter a frota na rua, mas têm esbarrado em forças externas, com as ações de grevistas que impedem as saídas dos ônibus de garagem.

TRT aplica multa e determina bloqueio nas contas do sindicato

Pelo segundo dia seguido, a Secretaria de Dissídios Coletivos e Individuais do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região se manifestou sobre a greve. Na nova decisão, o desembargador do Trabalho Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto cita o fato de o Sinttro ter descumprido liminar expedida na última quarta, que determinava a manutenção de percentual mínimo de 60% da frota em atividade.

O não cumprimento da decisão liminar proferida anteriormente pelo mesmo desembargador foi classificada como “inequívoca afronta”. Assim, o juiz afirmou que, diante da “gravidade dos fatos”, não caberia deixar sem resposta “grave conduta do Sinttro”. Assim, determinou “imediata cobrança da multa fixada no valor de R$ 50 mil”. Em caso de novo descumprimento da ordem judicial, o desembargador decidiu ainda pela majoração do valor da multa, para R$ 70 mil por dia, uma vez que a quantia anteriormente fixada “não se mostrou suficiente para impedir o sindicato profissional e a categoria por ele representada de descumprir a determinação judicial”.

Com a decisão pela aplicação imediata da multa, o desembargador determinou ainda a expedição, com urgência, de ordem de bloqueio do montante nas contas bancárias do Sinttro. Caso os recursos não estejam disponíveis nas contas do sindicato em sua integralidade, também fica determinado a restrição de veículos da entidade.

“Embora já tivesse ciência da decisão, a assembleia da categoria deliberou pela manutenção da paralisação total e que, se preciso fosse, pagariam a multa, resta patente o desrespeito à determinação deste Tribunal. O desacato à ordem judicial, no caso, além de ocasionar sérios danos à sociedade pela sonegação de serviço essencial, afronta a Constituição Federal e fere gravemente o Estado de Direito. Cumpre ressaltar que o instituto da astreinte visa a dar efetividade à tutela de urgência, de modo a garantir o seu cumprimento, no caso, com a preservação de percentual mínimo no serviço de transporte público essencial à coletividade”, diz a sentença expedida pelo TRT.

Trabalhadores, que lutam por salários e manutenção de benefícios, não pretendem interromper paralisação até que exista acordo com as empresas que atuam no setor (Foto: Leonardo Costa)

Recursos do Fundo Municipal em debate

Na noite de quarta, Castelar apresentou projeto de lei que autoriza o uso do Fundo Municipal de Transportes para o pagamento dos salários e benefícios aos trabalhadores. Para acesso ao recurso, a empresa deverá comprovar insuficiência financeira; manutenção de salários integrais, além de gratificações e direitos; e devolução da verba “tão logo seja restabelecido o equilíbrio do sistema e haja suficiência de fundos para tal”. A deliberação ainda iniciará tramitação na Casa.

Por sua vez, o vereador Júlio Obama Jr. (Podemos) afirmou que irá retirar proposição de sua autoria que sugeria alterações na legislação que cria o Fundo Municipal de Transportes, com acréscimo de trecho que veda a utilização dos recursos “para pagamento de qualquer remuneração aos funcionários das empresas prestadoras de serviço de transporte público municipal”.

Recentemente, todavia, a Prefeitura afirmou que abortou, ao menos no momento, a possibilidade de repassar R$ 3 milhões constantes no Fundo, na forma de subsídio, para as empresas pagarem motoristas e trabalhadores. A medida teria se tornado inócua diante do atual impasse que se dá entre as partes.

Sinttro teria se recusado a assinar notificação

Ainda pela manhã, uma oficial de justiça do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) compareceu à manifestação dos trabalhadores para notificar, pessoalmente, o Sinttro/JF sobre a decisão judicial que determina o retorno de 60% da frota de ônibus no município, emitida no dia anterior. Segundo a oficial, no entanto, os líderes sindicais teriam relutado em assinar o documento. A liminar prevê o pagamento de multa diária de R$ 50 mil por descumprimento.

A representante do TRT chegou ao ponto de concentração dos manifestantes por volta das 8h20. Inicialmente, a Justiça tentou notificar os líderes sindicais por telefone, mas as ligações não foram atendidas. Quando da chegada da oficial, houve confusão, e os trabalhadores resistiram à assinatura da notificação. “Eu vim entregar pessoalmente (a ordem judicial) e ele (presidente) se recusou a assinar. Mas já está intimado e ciente de todo o teor da decisão”, conta a oficial de justiça do TRT Ana Paula Ribeiro.

O presidente do Sinttro, Vagner Evangelista, afirmou que os grevistas já sabiam da ordem de retorno parcial, mas, em assembleia com os trabalhadores, foi decidido que a paralisação total seria mantida. “O trabalhador está recebendo picado, e isso é inadmissível. Infelizmente, não é culpa nossa, mas das empresas que tratam os trabalhadores com descaso. As autoridades têm que fazer a parte delas”, protesta o líder sindical, que negou a alegação de recusa de recebimento da notificação da Justiça.

Evangelista assegurou que, se for necessário, o Sinttro vai pagar a multa estipulada pelo TRT, mas, segundo ele, não há possibilidade, neste momento, de circulação de nenhuma linha do transporte público. “Não vai rodar nenhum ônibus.”

Vans nas ruas e aglomerações nos pontos

Com os ônibus nas garagens, vans escolares continuam autorizadas a efetuar o transporte de passageiros e cobrar o mesmo valor praticados na tarifa – R$ 3,75. Pela manhã, com o protesto de rodoviários na Avenida Rio Branco, os veículos tiveram dificuldades para utilizar a faixa exclusiva dos ônibus. “Nós não estamos contra eles, mas, na pista de ônibus, não vão rodar”, disse um manifestante.

Por volta das 17h, algumas delas passavam pela Avenida Getúlio Vargas recolhendo, principalmente, trabalhadores que saíam de seus serviços. Em relação à quarta e terça-feira, a quantidade de veículos em circulação era maior, mas ainda insuficiente para absorver o número de passageiros que aguardava nos pontos a chegada da van e, ainda, a sorte de conseguir um assento disponível. “Tem muito movimento e falta vans”, constatou o motorista Lucianderson Rebelo. Rodando há dois dias, ele tem feito viagens à Zona Norte, onde identifica maior demanda.

A maioria dos pontos de ônibus da Getúlio estava com muitos passageiros e, na chegada de uma van, muitos se aglomeravam na porta do veículo na tentativa de uma vaga e, nem sempre, a fila era respeitada. Diante da frustração de chegar e não ver nenhum assento vago, houve quem tentasse convencer o motorista a ir em pé. Proposta que, no entanto, foi recusada. “Se a fiscalização pegar, a gente perde a licença”, respondeu o motorista.

Outras pessoas amargavam a espera, e a volta para casa ainda era incerta. O enfermeiro Joel Silva estava indignado com a situação. “Nenhuma van está atendendo o Bairro Vila Ideal. Estou aqui há um tempão e não passa uma van para eu ir para casa.” Ele contou que, nesses três dias de paralisação, ele tem ido a pé de sua casa até o Centro. Caso não conseguisse um veículo que o levasse até seu bairro, teria de, novamente, caminhar até sua casa.

Moradora do Bairro Industrial, a estudante Patrícia Cruz se diz contra a greve nos atuais moldes do movimento. “Eu sou contra, porque eles tinham que garantir que pelo menos 30% da frota circulasse. Acho que precisam reivindicar seus direitos, mas parar tudo é um descaso com quem precisa, isso nos prejudica muito.” Grávida, ela faz acompanhamento da gestação três vezes por semana no Hospital Universitário (HU/UFJF) e diz ter encontrado dificuldades em se deslocar, além de ter gasto cerca de R$ 150 com aplicativos de carros. “Esses dias todos eu chamei carro e fui colocando no cartão, mas agora já não posso gastar mais, está dando R$ 32 até minha casa. Por isso estou aqui esperando uma van, mas, por estar grávida, não posso pegar uma muito cheia”. A estudante também observa que o número de vans rodando é baixo e não dá conta de absorver a demanda. “São poucas vans, e também não param em vários pontos. Às vezes não estão cheias e passam direto, porque estão parando só em determinados locais.”

Táxi compartilhado e transporte irregular

Nesta quinta, a solução para a aposentada Alayze Rispoli se deslocar até o Centro foi dividir o valor do táxi com outros moradores do Vila Ideal, onde reside. “O motorista cobrou R$ 5 por pessoa e nos trouxe. Lá não está passando van, e, se passa, são em poucos horários”, relata ela, que tentava a sorte de conseguir uma que a levasse pra casa.

Há quem também tenha feito transporte de passageiros por conta própria. A Tribuna flagrou, também na Avenida Getúlio Vargas, uma senhora oferecendo viagens por conta própria até a Zona Norte. “Tenho levado o pessoal pra Benfica, Barbosa Lage, e feito umas dez viagens por dia”, contou rapidamente à reportagem. Ela estava cobrando R$ 10 por pessoa.

A doméstica Márcia Cristina, moradora do Santa Cruz, contou à Tribuna que teve de faltar ao trabalho na quarta. “Não consegui van, o patrão não quis pagar Uber, então tive que faltar, não teve como eu ir.” Como as vans não passam em horários predeterminados, muitas pessoas chegam aos pontos sem a certeza de que o veículo irá passar, ou mesmo, se irá passar. “Eu estou aqui há 40 minutos e nada. Vou continuar aguardando”, conforma-se Márcia, que, apesar de prejudicada, se diz favorável ao movimento grevista.

Astransp defende racionalização de sistema e isenção de ISS

A Astransp afirmou, nesta quinta-feira, que os riscos à continuidade do atual modelo de transporte vão além da questão salarial e a greve de motoristas e cobradores. A associação cobra da Settra uma racionalização do sistema, com relação à quantidade de linhas, horários, pontos e veículos.

“O sistema atual está muito inchado, e tudo isso, somado à crise gerada pela pandemia, tem impacto direto na tarifa, que é 100% regulada pelo edital de licitação. As empresas não têm nenhum poder decisório sobre o dimensionamento do sistema, mas seguem as ordens da Settra. A demanda já vem caindo sistematicamente 5% ao ano nos últimos dez anos”, considera a Astransp, que diz que tem trabalhado para enxugar custos.

Segundo a associação, o sistema já computou cerca de dez milhões de bilhetes utilizados por mês no passado, mas já observava redução significativa no fluxo de passageiros mesmo antes da atual crise sanitária. “Antes da pandemia, estava em 6,5 milhões apenas, sendo que a quantidade de ônibus, nesse período, aumentou ao invés de diminuir para acompanhar a queda na demanda”, diz nota, que sugere ainda ao Município a isenção total do ISSQN. “Só isso geraria 5% de redução, hoje, equivalente a quase R$ 0,20 na tarifa.”

Sobre as tratativas com motoristas e cobradores, a Ansal destacou que, pelo “fato de a empresa não fazer parte da Astransp e conduzir as suas negociações separadamente da associação, esclarecemos que a Ansal não tem nenhuma dívida quanto às suas obrigações legais relativas a salários e benefícios até o momento. Todos os compromissos estão devidamente em dia, apesar da situação caótica vivenciada, devido à brusca queda de receita, insuficiente, até mesmo, para suprir a folha de pagamentos”, afirma a empresa, que integra o Consórcio Via JF e é responsável por 50% do sistema.

Em comunicado direcionado a seus trabalhadores e à população de Juiz de Fora, a empresa afirma que, recentemente, “realizou várias reuniões com o seu grupo de colaboradores nas quais ficou aprovado, por maioria absoluta, um acordo coletivo válido até dezembro de 2020”. Com a alegada sinalização de um entendimento entre as partes, a Ansal considera que o acordo foi inviabilizado por movimentação do Sinttro. “Por escolhas arbitrárias pautadas por interesses que aparentam ser políticos, o sindicato não aceitou o acordo da Ansal, o que pode levar a consequências graves, como a perda de inúmeros empregos.”

A empresa afirma que se coloca contrária às posições ora apresentadas pelo Sinttro e diz que o sindicato “já vinha descumprindo a lei de greves, a qual define um mínimo de 30% do serviço e, agora, descumpre uma decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Minas Gerais”.

Em nota, a Ansal disse ainda que repudia supostas ameaças recebidas por seus funcionários. “Iremos acionar a justiça para reaver todas as perdas ocasionadas pela greve irregular. Apoiamos todo e qualquer tipo de manifestação, desde que seja legítima e cumpra as normas legais, respeitando decisões judiciais.” Até a noite desta quinta, a reportagem tentou contato com a direção do Sinttro para repercutir o posicionamento manifestado pela empresa, mas não obteve retorno.

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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