Sob sombra de abstenção recorde, professores comentam primeiro dia de Enem

Após meses de indefinições e disputas judiciais, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2020 teve o primeiro dia de provas neste domingo (17) em Juiz de Fora e praticamente todo o país. Ainda sob a influência da proliferação do coronavírus pelo Brasil, a abstenção recorde de 51,5% dos inscritos, revelada pelo Ministério da Educação (MEC), despertou mais discussões entre os especialistas do que o conteúdo da prova. A Tribuna perguntou ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), organizador do exame, sobre as abstenções e eventuais ocorrências na cidade. Até a publicação este texto, os questionamentos não tinham sido respondidos.

No primeiro dia, os candidatos foram submetidos aos exames das disciplinas de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (Língua Portuguesa, Literatura, Educação Física, Artes e Língua Estrangeira) e Ciências Humanas e suas Tecnologias (Filosofia, Geografia, História e Sociologia), com 45 questões em cada caderno, além da redação. No próximo domingo (24), serão realizadas as provas de Matemática e suas Tecnologias e de Ciências da Natureza e suas Tecnologias (Biologia, Química e Física), também com 45 questões para cada.

Se a composição dos cadernos de prova seguiu a tradição, foram adotadas uma série de medidas de biossegurança para a realização do Exame. A utilização de máscara facial foi obrigatória a todos os participantes, além do distanciamento teoricamente obrigatório entre os candidatos e a adoção de uma sala especial para os estudantes que compõem o grupo de risco do coronavírus. 

Apesar do índice sem precedentes de não comparecimento, o titular do MEC, Milton Ribeiro, considerou bem sucedido o primeiro dia. “No meio de uma crise, numa pandemia, nós conseguirmos mobilizar milhões de pessoas de maneira segura. Para mim, foi um sucesso”, disse. O ministro atribuiu a taxa de abstenção ao medo de contaminação pelo coronavírus e ao trabalho da “mídia contra, falando e criticando a realização do exame”.

Abstenção surpreende; provas, não

O diretor-geral do Colégio dos Jesuítas, Edelves Luna, chamou atenção para o alto número de ausências de candidatos inscritos. “Isso significa que necessariamente essas abstenções impedem o candidato de seguir na segunda avaliação, ou seja, pouco mais da metade dos inscritos no Enem esse ano não realizaram a prova”, lembra. Os efeitos da abstenção serão sentidos durante os processos de submissão das notas aos programas de ingresso às universidades, segundo o diretor. “Os impactos disso, seguramente, se traduzirão em uma menor disputa pelas vagas que utilizarão as notas do Enem”, analisa.

O coordenador de cursos pré-vestibulares do Colégio Apogeu, Tiago Bernardes, considerou a abstenção como um dos motivos que garantiram o devido distanciamento obrigatório em diversos locais de prova. “O volume de ausência trouxe uma certa tranquilidade para quem estava fazendo a prova, com salas mais vazias. Em alguns pontos de prova, as salas estavam com quase a capacidade máxima. Se 100% dos alunos tivessem comparecido, geraria um incômodo absurdo”, reflete. 

Sobre o conteúdo deste ano, o professor Ivan Bilheiro, do Colégio dos Jesuítas, afirmou que não houve grandes surpresas. “Especificamente nas Ciências Humanas, a prova foi equilibrada e com temáticas clássicas. Tivemos uma pequena mudança de recorrência de assuntos, o que pode ser uma mudança pontual, mas merece observação nos próximos anos”, afirma.

O coordenador Tiago Bernardes avaliou a prova de Ciências Humanas como “tranquila”, mas também apontou alterações sensíveis na composição das questões. “Não foram questões complexas, mas exigiu muita interpretação dos alunos, com análise de textos. Apenas duas questões eram bem conceituais”, diz.

Tema da redação também foi dentro do esperado

Um dos momentos mais aguardados do primeiro dia foi a redação. No Enem de 2020, o tema foi “O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira”. Para o professor especialista em redação do curso Aporia, Waldyr Imbroisi, ao contrário de anos anteriores, o assunto não pegou os alunos desprevenidos. “Nos últimos três anos de Enem, foram temas muito específicos e surpreendentes. Mas saúde mental está em um conjunto de temas que nós trabalhamos todo ano, porque uma hora cairia”, afirma Imbroisi.

O professor lembrou que a questão da saúde mental pode ser trabalhada inclusive na perspectiva da pandemia. No entanto, segundo o especialista, a temática ainda reserva particularidades que podem interferir negativamente nas notas. “A gente pode esperar alunos que discutam apenas saúde mental, e acabem tendo penalização por conta disso. Uma particularidade pequena do tema pode interferir na nota”, analisa.

A professora de redação do Colégio dos Jesuítas, Claudia Vitoretti, também tratou como previsível a temática da saúde mental, mas avaliou positivamente a escolha. “O tema do Enem tem muita visibilidade, não só no Brasil, e dá mais visibilidade a este assunto, que são as doenças mentais na sociedade brasileira. Gostei muito da escolha”, pontua.

“Ao fazer a prova, nós corremos risco de vida”, afirma estudante

A estudante Milena Gava, do Colégio dos Jesuítas, fez as provas no prédio da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). A candidata afirmou que a abstenção na sala em que estava foi alta, o que possibilitou o distanciamento entre os candidatos. “Se todos os alunos que foram chamados na hora da entrega das provas tivessem comparecido, a sala estaria super lotada”, diz.

A candidata Isadora Gonçalves, do Colégio Apogeu, destacou a maior dificuldade em controlar o aspecto emocional, pelo risco sanitário envolvido na execução das provas. “Ao fazer a prova, nós literalmente corremos risco de vida. Podendo ser contaminada durante o exame, não conseguiríamos comparecer às provas da próxima semana. Sem contar o risco de contaminar os próprios familiares”, lamenta. Isadora ainda lembrou da desigualdade entre os candidatos do Enem 2020, após um ano de dificuldades no acesso ao ensino por conta da pandemia de coronavírus.

As duas estudantes destacaram positivamente a temática da redação, mas apontaram discordâncias nas questões da prova de Ciências Humanas. “Eu senti falta das questões mais conteudistas de História. Eu quase não consegui identificar questões do conteúdo de História, foi uma prova muito intertextual”, comenta Isadora. “Tiveram poucas questões de História, e senti falta de geopolítica”, complementa Milena.

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Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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