UPA Santa Luzia vai testar tratamento contra Covid-19

Ministro explica que há dois protocolos, paralelamente, em coordenação pelo ministério (Foto: Leonardo Costa)

O ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, visitou Juiz de Fora, nesta terça-feira (30), para apresentar o ensaio clínico com a utilização da nitazoxanida para o enfrentamento à Covid-19. O protocolo de estudos será aplicado nas próximas cinco semanas, em um grupo de 500 pacientes com sintomas gripais na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Santa Luzia, cuja gestão é do Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus (HMTJ). Os voluntários serão acompanhados entre oito e 14 dias pela equipe médica à frente do estudo. O Município de Juiz de Fora será o segundo do país a receber o protocolo de terapia clínica da nitazoxanida.

De acordo com Pontes, a nitazoxanida mostrou 94% de eficiência na inibição de carga viral em células em testes in vitro – fase preliminar de pesquisa em ambientes controlados de laboratório. “Esta droga entrou em um processo de testes com outras duas mil e está na terceira fase, que é a final. Primeiramente, a nitazoxanida foi testada in sílico no Laboratório Nacional de Biociências (LNBio), ou seja, em com a utilização de inteligência artificial e modelos matemáticos. Depois, cinco das duas mil drogas foram selecionadas para testes in vitro, ou seja, com células reais, mas em laboratório – inclusive a cloroquina. E, destas cinco, a nitazoxanida teve 94% de redução de carga viral com a utilização normal da dosagem. Então, entramos na terceira fase, que são os testes clínicos para a comprovação com o organismo inteiro, não só uma célula. Precisamos ver como funciona no corpo humano.”

O ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações explica que há dois protocolos, paralelamente, em coordenação pelo ministério. “O primeiro protocolo diz respeito a pacientes que já estão com o desenvolvimento de sintomas como a pneumonia. Temos cerca de 200 voluntários até agora. E o segundo protocolo, este em desenvolvimento em Juiz de Fora, diz respeito a pacientes com sintomas de síndrome gripal, mas diagnosticadas como positivas, isto é, com a carga viral (do coronavírus) para que possa ser reduzida. Estamos no início do sistema deste protocolo e precisamos dos 500 voluntários, ressaltando que não há nenhum risco e há todo o acompanhamento médico – maior do que o normal. Uma vez que tenhamos os 500 voluntários, o resultado sairia em 15 dias.”

Questionado pela Tribuna sobre a dosagem a ser ministrada na UPA Santa Luzia, Pontes ponderou que prefere mantê-la sob sigilo para evitar a corrida às farmácias em busca de automedicação. “Temos sempre que lembrar que, qualquer tipo de medicamento, mesmo uma aspirina, por exemplo, deve ser prescrito por médicos, por especialistas. Prefiro não revelar a dosagem para evitar a tentativa de automedicação, embora seja um medicamento que não tenha efeitos colaterais, mas é importante que seja feito com médicos. É importante que as pessoas participem dos testes.” Conforme o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, o protocolo de terapia clínica é aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), subordinada ao Ministério da Saúde.

‘Controle especial’

Os estudos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações com a nitazoxanida foram revelados por Marcos Pontes em abril. À época, no entanto, em meio à campanha do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para a utilização da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19, o ministro confirmou, em entrevista no Palácio do Planalto, estudos com uma nova droga, mas sem citá-la. Após o anúncio, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) incluiu a nitazoxanida na lista de substâncias entorpecentes, psicotrópicas e precursoras sob controle especial. A substância, então, passou a ser vendida nas farmácias apenas com receita médica.

Sem eficácia comprovada

Apesar do desenvolvimento de protocolos de ensaios clínicos com a nitazoxanida, a eficácia da substância – o princípio ativo de dois antivirais mais conhecidos como Azox ou Anitta – não é comprovada. Em artigo publicado em fevereiro pela revista especializada Nature, um grupo de pesquisadores de Wuhan, China, atestou os mesmos 94% de eficácia da droga em testes in vitro informada pelo ministro Marcos Pontes. Entretanto, os cientistas chegaram à conclusão de que o índice de toxicidade da nitazoxanida era de 50% nas células testadas. No mesmo experimento, drogas como a cloroquina e o remdesivir, por exemplo, apresentaram índices de toxicidade de, respectivamente, 0,5% e 15%. Além disso, ambas apresentaram eficácia superior à da nitazoxanida – 95%.

Questionado pela Tribuna sobre o elevado índice de toxicidade da nitazoxanida, Pontes respondeu que, caso os resultados tenham sido, de fato, comprovados, tal artigo deve ter sido analisado pela Secretaria de Políticas para Formação e Ações Estratégicas do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. “Eu te garanto que os nossos pesquisadores são excelentes, e esse estudo, se é que existe e é comprovado, também já deve ter sido analisado. Temos toda a sequência de testes que têm sido feitos com a nitazoxanida. Ela não tem essa toxicidade (de 50%), e a dose que utilizamos não tem esse tipo de risco. (…) O protocolo da nitazoxanida é apenas um dos protocolos que estamos adotando. O fato é que nenhuma das drogas testadas tem eficácia 100% comprovada. É o que nós estamos fazendo aqui em Juiz de Fora. Nós precisamos ter a comprovação científica para que a droga possa ser utilizada pelas pessoas com eficiência e segurança. E, até chegar lá, qualquer suposição é apenas suposição.”

De acordo com o secretário de Políticas para Formação e Ações Estratégicas, Marcelo Marcos Morales, a aplicação da nitazoxanida é apenas um dos protocolos em estudo pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. “Temos outras estratégias, como o ABCG, que é um outro projeto para estímulo da imunidade em pacientes para o combate à Covid-19; a soroimunização, que é um protocolo financiado pelo Ministério com os hospitais Sírio Libanês e Albert Einstein, além da Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), para pacientes que já estão com um problema mais sério, como pneumonia. Há outros antivirais, anti-inflamatórios, anticoagulantes, e, também, um protocolo inovador com a hidroxicloroquina em pacientes que são trabalhadores da saúde preventivamente”, disse, também durante a apresentação do protocolo.

Unidade já tem 28 voluntários

O responsável pela coordenação dos ensaios clínicos com a nitazoxanida em Juiz de Fora será o infectologista da UPA Santa Luzia, Marcos Moura. Conforme o médico, o ensaio piloto já foi iniciado pela equipe responsável pelo estudo. Dos 500 voluntários necessários, a unidade de saúde captou, até o momento, 28, conforme Moura. Os materiais coletados junto aos pacientes serão analisados e enviados para Brasília, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.

De acordo com o infectologista, o horário de coleta de material da UPA Santa Luzia é das 8h às 13h, e os pacientes tomarão a droga em suas próprias casas. “O primeiro grupo de voluntários já está tomando o medicamento em casa. O outro vai começar ainda nesta semana. A cada semana, um novo grupo entra para o projeto. O grupo não pode entrar aleatoriamente. Há o dia de fazer o diagnóstico, os dias para tomar o remédio e o dia para retornar para os exames. (…) É importante que tenhamos voluntários, porque quanto mais voluntários, mais testes conseguimos fornecer para a população. Se não tivermos voluntários, o projeto acaba. Ele tem um período. Temos que dar uma resposta rápida ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações.”

Questionado sobre eventuais efeitos colaterais da nitazoxanida, Moura explicou que, embora a substância ainda não esteja vinculada ao Sistema Único de Saúde (SUS), é muito utilizada. “É um medicamento recomendado no mundo todo, desde às crianças até aos adultos. Ele tem poucos efeitos colaterais. Na verdade, estamos buscando identificar um efeito a mais do medicamento, porque a Covid-19 é uma coisa nova. Não existe nenhum estudo que diz que o medicamento é 100% bom ou ruim. A doença não tem nem seis meses ainda. (…) A gente não acredita que haja efeitos colaterais esperados, a não ser os efeitos imponderáveis, como alergia ao próprio medicamento.”

De acordo com o ministro Marcos Pontes, o infectologista Marcos Moura foi um dos motivos pelos quais Juiz de Fora foi escolhida para sediar a terapia clínica com a aplicação da nitazoxanida. “Muitas cidades apresentaram-se como alternativa, mas a escolha por Juiz de Fora, sem dúvidas nenhuma, tem muita influência do Marcos (Moura). Os profissionais ofereceram a estrutura e se colocaram como brasileiros para a gente desenvolver este projeto. Vai ser bom para a população e para todos no fim das contas. E eu aproveito para agradecer muito a participação”, pontuou.

Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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