Usuários temem risco de contágio em ônibus lotados de JF

Após apontar queda de mais de 70% do número de usuários do transporte coletivo urbano e reduzir a frota de ônibus, quando começaram a valer medidas restritivas para o enfrentamento à pandemia de coronavírus, a Secretaria de Transportes e Trânsito (Settra) da Prefeitura de Juiz de Fora voltou a registrar aumento de circulação de passageiros. O maior volume foi verificado após a adoção do programa estadual Minas Consciente, em 16 de maio, a partir de quando uma média de 28 mil pessoas voltou a utilizar as linhas de ônibus diariamente.

Com isso, parte dos usuários relata superlotação de algumas linhas, principalmente em horário de pico. Os passageiros dizem estar temerosos em relação à exposição ao coronavírus, uma vez que, apesar da maioria utilizar máscaras e de haver janelas e saída de ar, é alta a concentração de pessoas em um mesmo ambiente fechado.

“Eu fico muito chateada com a situação porque realmente os ônibus estão muito cheios. Achei muito errado tirarem ônibus agora, sendo é que para evitar aglomeração, está uma situação muito difícil para quem precisa trabalhar”, lamenta a secretária Gleicianny Paola de Carvalho Silva. Ela utiliza as linhas 226 (Guaruá) ou 325 (Solidariedade) todos os dias para ir até o Centro, onde trabalha. De acordo com Gleicianny, ambas ficam cheias, e, por isso, ela optou por ir a pé algumas vezes para evitar aglomeração. “Quando saio do trabalho e vou para a casa da minha sogra, pego o 305 ou 315 (Jardim Esperança), que já eram cheios e agora piorou. E todas essas linhas só tem um ônibus de cada rodando por horário. No Jardim Esperança, por exemplo, que é um bairro muito longe, muitas vezes não consigo chamar carro por aplicativo”, relata.

A moradora do Bairro Santa Cruz, Zona Norte, Maria Aparecida de Souza, utiliza a linha 722 (Santa Cruz) duas vezes ao dia, três vezes por semana, para se deslocar até o trabalho. Em relato à Tribuna, ela conta que tem observado superlotação nos ônibus, principalmente por volta das 8h, horário em que grande parte dos moradores do bairro deixam suas casas e utilizam a condução até seus trabalhos. De acordo com Maria Aparecida, na sexta-feira (19), a lotação do veículo era tamanha, que os passageiros persuadiram o motorista a tomar providências para que parte dos usuários fosse transferida para outro ônibus. “Nesse dia, o ônibus estava muito lotado, tinham muitas senhoras e crianças, daí os passageiros convenceram o motorista a passar parte das pessoas para outro ônibus. Tivemos que ir até a garagem (da empresa) para depois seguir até o Centro, atrasando os compromissos, mas foi a solução”, conta.

Estratégia

Gabriel Areias, morador de Bicas, trabalha em Juiz de Fora, no Bairro São Pedro, Cidade Alta. À reportagem, ele afirmou que chega na Praça da Estação por volta das 7h45. No entanto, tem optado por esperar a linha 530 (São Pedro) até 8h30, uma vez que a aglomeração de pessoas tem sido maior nas linhas 532 e 540. “Eu poderia até pegar o ônibus para o trabalho aqui na Praça da Estação, mas estrategicamente tenho optado por ir até o ponto da Getúlio (Avenida Getúlio Vargas), para conseguir ônibus mais vazio.” Dessa forma, Gabriel diz conseguir uma poltrona vazia e evitar o contato próximo entre as pessoas que vão em pé. Na avaliação dele, os ônibus continuam cheios porque houve redução da frota, mas o número de pessoas que utiliza o transporte público no percurso que faz diariamente não sofreu grande alteração. “O ônibus vai cheio e continua tendo uma grande demanda para aquela região, porque na entrada do Bairro São Pedro (próximo à estrada Engenheiro Gentil Forn) há muitos condomínios”, observa. Apesar de fazer uso de máscara, Gabriel se diz apreensivo com a situação. “Além de cheio, já aconteceu de um usuário não respeitar, entrar sem máscara e sentar ao lado de outra pessoa, e o ônibus seguiu normalmente. Tem muitas pessoas que usam a máscara no queixo também.”

Apesar de não observar superlotação na linha que utiliza, Jardim Gaúcho (106), a auxiliar de serviços gerais Adriana dos Santos Augusto relata que só há um ônibus por horário o que tem feito com que o bairro em que ela mora, Jardim Gaúcho, Zona Sul, fique desassistido em alguns horários. A exemplo de Adriana, a diarista Sandra Cristina Gomes também conta que a redução da frota também afetou o bairro em que ela reside, o Jardim Cachoeira, Região Norte. “Antes, o 726 (Igrejinha) passava em vários horário pela manhã, direto. Agora passa em uma hora e tem ido lotado para o Centro. Fico apreensiva porque, apesar de todo mundo estar de máscara, o ônibus está indo lotado, e a gente corre risco de pegar o coronavírus.”

Redução média de passageiros é de cerca de 60%

Procurada pela Tribuna, a Settra alega que tem trabalhado para equacionar a situação, uma vez que, no seu entendimento, embora o número de usuários esteja aumentando, a demanda continua baixa. De acordo com o gerente de Departamento de Transporte Público, Luciano Braida Ribeiro, os dados apontam que, após a adesão de Juiz de Fora ao Minas Consciente, em 16 de maio, uma média de 28 mil usuários voltou a utilizar as linhas de ônibus diariamente. O número corresponde a 8,2% do total de passageiros que utilizam o transporte público urbano diariamente antes da pandemia (340 mil). Com o aumento, a média atual de pessoas que utiliza o transporte público por dia é de 125 mil, número quase três vezes menor do que o total que costumava circular antes da pandemia.

“No início, quando a gente começou a fazer a redução de linhas, nós estávamos trabalhando com uma média de passageiros em torno de 97 mil passageiros/dia, houve dias em que observamos redução de quase 72% da demanda de usuários. Hoje, nós estamos trabalhando com uma média diária de 125 mil passageiros. Já teve dia que deu mais que isso, por exemplo, no quinto dia útil, em que há maior circulação de pessoas, chegamos a 138 mil passageiros, mas não é uma constante. Atualmente, essa média é de 125 mil, que corresponde a uma redução em torno de 62%”, informou Braida.

Em relação à frota, o gerente informou que hoje o sistema opera com 317 veículos, 59% do total; a redução, portanto, foi de 41%. Braida observa que o percentual de diminuição está abaixo da queda da demanda e afirma que a Settra levou em consideração a saúde pública para realizar as alterações no número de veículos em circulação. “Não podemos reduzir na mesma proporção da demanda (em 62%), a frota, porque entra o problema da saúde, não podemos deixar o ônibus muito lotado”.

Questionado sobre parte dos ônibus que, no entanto, têm ficado cheios, Braida reconheceu que isso tem acontecido em algumas linhas, mas pontuou que a pasta tem trabalhado diariamente para contornar a situação. “Entendemos que, dependendo da linha, um ônibus ou outro anda cheio (…) mas trabalhamos o máximo possível para ir equacionando”, diz. Ele explica que os técnicos da Settra analisam dados da bilhetagem eletrônica e o centro de controle dos motoristas. Dessa forma, segundo ele, é possível identificar quais linhas e horários têm tido maior demanda.

Foto: Fernando Priamo

Reforço de linhas no entrepico

Ainda conforme o gerente de Transporte Público, Luciano Braida, no último dia 22, a Settra reforçou linhas que apresentaram grande demanda nas últimas semanas: Parque Independência/Cidade Nova/Vale Verde (118), Bandeirantes/Ipiranga/Arco-Íris (133), Parque Guarani/Sagrado Coração de Jesus (135), Floresta (302), Santo Antônio (440), São Benedito (432), Aeroporto (520), São Pedro/Caiçaras (532), Santos Dumont (534), Amazônia (610), Benfica (717), Nova Era (739) e Santa Cruz (733).

“Inicialmente, a demanda estava concentrada no horário de pico, das 5h às 8h e das 17h às 20h, então o reforço foi para o horário de pico e também buscando atender os trabalhadores de hospitais. Mas com os horários escalonados de funcionamento do comércio, o entrepico passou a ter um aumento maior também. Então, dessa vez, nós reforçamos as linhas durante os horários de entrepico”. De acordo com Braida, os dados da Settra apontam aumento da demanda no entrepico de 9,5%, enquanto no pico a alta foi de 4,5%.

O gerente pontua, ainda, que como foi preciso mexer em muitas linhas e tirar muitos veículos de circulação, parte da população perdeu a referência de qual linha e em qual horário esperar seu ônibus. “Com isso, muitos pegam o primeiro que aparece, então, costuma o primeiro carro que passa andar muito cheio e outro muito vazio”, avalia. Para evitar esse tipo de situação, Braida sugere que a pessoa verifique as linhas disponíveis e, caso seja possível, opte por algum outro horário. Os horários estão disponíveis no site da Prefeitura e também pelo aplicativo CittaMobi, que mostra os ônibus que estão se aproximando do local em que a pessoa está em tempo real. A medida também, segundo o gerente, contribui para que não haja aglomeração de pessoas nos pontos de ônibus.

Braida afirma que a Settra, em parceria com a Guarda Municipal e demais pastas da Prefeitura, tem feito trabalho de conscientização da população, com distribuição de máscaras para aqueles que estão sem o equipamento de proteção.

“A gente também acompanha as reclamações que são feitas por meio do canal Settra Atende. Muitas pessoas reclamam em redes sociais, mas é preciso que a pessoa faça um registro oficial para que a gente tenha esses dados e analisar qual linha pode ser reforçada, o que pode ser alterado e ser útil, porque não adianta eu colocar um carro a mais em determinada linha se ele for andar vazio”. As reclamações e sugestões podem ser feitas por meio dos números de telefone 3690-8218 e 3690-7319 ou pelo endereço eletrônico:[email protected].

Resposta

Em resposta à Tribuna, o Consórcio Via JF ratificou que as empresas vêm atuando junto à Settra em relação ao monitoramento das lotações e informou que tem aumentado a oferta “nas linhas com situações mais críticas”. “É importante ressaltar que esse é um problema muito complexo de ser resolvido. Mesmo que os consórcios estivessem com 100% das linhas (em operação) o problema ainda persistiria, pois o sistema tem inúmeras linhas que contam com apenas um carro. Mas onde é possível, tem sido feito o aumento da oferta”, pontua o texto.

Foto: Fernando Priamo

Empresas apontam déficit milionário

A queda de usuários de transporte coletivo urbano impactou fortemente o sistema no município. Segundo dados repassados pela Astransp à Tribuna, o déficit entre março e maio é de mais de R$ 22 milhões. Já o Consórcio via JF alega prejuízos da ordem de R$ 60 milhões nos último cem dias. “(O aumento do número de usuários nas últimas semanas) é muito pouco significativo, visto que também houve aumento de oferta e que, principalmente, ainda continuamos com uma demanda de 35% do total de passageiros que transportávamos. Isso representa uma perda de arrecadação de R$ 60 milhões em 100 dias, e a nossa oferta está em 65% de nossa frota. Essa equação não tem solução sem uma subvenção dos governos”, diz texto do consórcio Via JF enviado à reportagem.

A Prefeitura de Juiz de Fora já sinalizou que trabalha para efetivar a concessão de subsídio de cerca de R$ 2 milhões para a manutenção do sistema, valores que deverão ser utilizados exclusivamente para auxiliar no pagamento dos salários e benefícios trabalhistas. À Tribuna, a Secretaria de Governo informou que o Município trabalha nos ajustes técnicos finais para que o projeto de lei seja encaminhado à Câmara, mas não precisou prazos. O projeto pretende solicitar autorização para a cessão dos recursos que terão como origem o Fundo Municipal de Transporte e Trânsito.

A Astransp informou que entende que, se aportados, os R$ 2 milhões não seriam suficientes para aliviar a crise, já que o valor “mal cobre metade da folha (já reduzida) num dos meses de prejuízo.” Para a Via JF, o valor irá auxiliar para “manter o sistema de transporte de Juiz de Fora em operação neste momento”. “O consórcio vem alertando incessantemente para que se tenha uma conscientização de toda a população das consequências que podem ocorrer caso não haja tal subvenção.”

PJF descarta alterar preço fora do reajuste anual

Após o Consórcio Via JF apresentar estimativa, no último dia 17, de que as circunstâncias atuais, somadas à revisão anual de custos fixos e variáveis, poderiam elevar a passagem de ônibus dos atuais R$ 3,75 para R$ 5, correspondente a acréscimo de 33%, a antecipação da revisão tarifária, inicialmente prevista para novembro, foi ventilada. Segundo o Consórcio Via JF, caso a revisão tarifária tivesse ocorrido em junho, o valor da tarifa poderia subir para R$ 4,20. Neste caso, a alta seria de 12%. Apesar disso, a Prefeitura, até o momento, descarta a possibilidade.

“Essa estimativa feita pelo Consórcio do valor que a passagem estaria hoje (R$ 4,20) é muito próxima da que a nossa análise aponta para cobrir os custos. Nós temos um problema, em muitas cidades do Brasil, em que o sistema é financiado apenas pela tarifa, o transporte público não tem subsídio algum. Então, sempre que há algum problema, acaba sendo necessário um reajuste na tarifa. Mas o Município não trabalha com reajuste de tarifa agora, isso nem está em estudo. Nós temos o nosso controle porque há uma supervisão desses cálculos, mas, por enquanto, ter aumento agora não foi nem ventilado dentro da Prefeitura. O que é previsto é reajuste anual”, afirma Luciano Braida.

Apesar disso, a Astransp, que representa o Consórcio Manchester e a Viação São Francisco Ltda (uma das integrantes do Via JF), informou que “está preparando solicitação de revisão tarifária à Prefeitura.” A Via JF, no entanto, informou que não é o objetivo da concessionária uma revisão tarifária neste momento, mas que se faz necessária um subvenção dos governos.

Postado originalmente por: Tribuna de Minas – Juiz de Fora

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