Comunidades rurais do Vale do Jequitinhonha querem revisão fundiária

Comunidades e povos tradicionais do Vale do Jequitinhonha reivindicam revisão no processo de regularização fundiária envolvendo seis municípios da região e denunciam a privatização da terra e dos recursos hídricos a partir das ações das empresas que exploram a monocultura do eucalipto para produção de carvão e aço.

Em audiência pública da Comissão de Participação Popular da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta terça-feira (19/11/19), trabalhadores rurais, lideranças comunitárias, prefeitos, vereadores e a maioria dos pesquisadores presentes condenaram a destruição do meio ambiente na região por grandes corporações, como a Aperan e a Arcelor Mital, e a intervenção das empresas no modo de vida das comunidades.

Conforme as denúncias, os problemas socioambientais surgiram com a instalação na região, nos anos 1970, de empresas de exploração de florestas, e se agravaram posteriormente, a partir de acordo de demarcação de terras firmado entre elas e o Governo do Estado, sem consulta à população.

No início do processo a situação envolvia a estatal Acesita, depois transformada em empresa de economia mista e mais tarde vendida ao capital estrangeiro, assumindo o nome de Aperan. As comunidades questionam o processo, alegando que a situação fere a soberania nacional, por se tratar de uma empresa de capital estrangeiro, e pedem revisão da situação fundiária.

“Queremos nossa chapada protetora das águas de volta, queremos nossas veredas protegidas, elas são nossa herança. Não temos para onde ir. É lá que é nosso chão”, clamou, em um discurso emocionado, a líder comunitária Faustina Lopes da Silva, trabalhadora rural de Turmalina, um dos seis municípios envolvidos na polêmica, ao lado das cidades de Capelinha, Minas Novas, Itamarandiba, Veredinha e Carbonita.

Pesquisadores denunciam monopólio das águas

Pesquisadores como a antropóloga Flávia Maria Galizoni, professora associada da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), atribuem o agravamento da escassez de água na região à ação das madeireiras, que estariam privatizando as terras e os recursos hídricos.

“A partir dos anos 70, todo o Cerrado foi alvo de um processo de privatização seletiva da chapada de veredas, afetando diretamente as comunidades tradicionais”, afirma Flávia, que denuncia “a privatização e o monopólio das águas e o alto nível de concentração de terras na região”.

Segundo ela, 25% do município de Veredinha, hoje, estão sob o domínio da Aperan; em Itamarandiba, 21%; e em Turmalina, 7%. Em Carbonita, disse, o índice é de apenas 1%, porque lá predomina a empresa Arcelor Mital. Esses números, explicou, não contabilizam outras empresas de menor porte, que também destroem as matas nativas para plantação de eucalipto.

As companhias se defendem alegando que levam progresso e desenvolvimento à região, garantindo emprego e renda para a população. De acordo com os pesquisadores, porém, esses dados são irrelevantes. Dados da própria Aperam, segundo a professora, atestam que em 2016 a empresa empregou 1.036 trabalhadores, o que representa não mais que 0,78% da população, correspondendo a um emprego para 125 hectares de eucalipto plantados. “A agricultura familiar gera um emprego a cada quatro hectares e o café, um a cada cinco”, argumenta.

“A região tinha um ambiente biodiversificado, complexo, agora transformado em um ambiente homogêneo de monocultura, que seca rios, nascentes e lagoas e destrói o modo de vida das comunidades”, lamentou, denunciando que 52% das famílias da região recebem menos de 75 litros de água por dia e que mais de 22% dependem inteiramente de caminhões-pipa. Em Turmalina, relatou, o poder público gasta em média, por ano, cerca de R$ 350 mil reais para abastecer as comunidades de água, “recursos que poderiam ser investidos em áreas como saúde e educação”.

Com ela, fazem coro, também, os pesquisadores Aderval Costa Filho, antropólogo da UFMG e coordenador do Projeto de Mapeamento de Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais, o engenheiro agrícola Vico Mendes Pereira Lima, e Clebson Souza de Almeida, professor do Curso de Licenciatura em Educação do Campo da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).

Empresas se defendem e apontam avanços

Já o professor de Política Florestal e Legislação da Universidade Federal de Viçosa (UFV) Sebastião Renato Valverde defende que as empresas, hoje, produzem “de forma sustentável, ambientalmente correta, com respeito às comunidades locais e com preocupação social”.

“Temos que entender as circunstâncias em que se iniciaram os empreendimentos. Hoje, a dinâmica é outra. Se temos problemas, vamos corrigir. Há 40 anos não tínhamos apoio de antropólogos e sociólogos. Hoje temos”, sustentou.

Daniel Alexander Fernandes Coelho e Renato Pirfo Diniz, gerentes-executivos da Aperam BioEnergia, também contestam as denúncias. Segundo Renato, “é um equívoco associar a Aperam a terras devolutas, porque a empresa adquiriu legalmente todas as terras que ocupa”. Além disso, recorda que pelo acordo firmado com o governo em 2011, a empresa abriu mão de 32 mil hectares de terras para acomodar quilombolas e posseiros.

No desenrolar do processo, a empresa recorreu à Justiça Federal e recebeu sentença favorável, cabendo ao Estado o compromisso de devolver terras à Aperam, explicou.

Seu colega Daniel Alexander rejeita a acusação de que a empresa é responsável pela escassez de água na região, atribuindo o fenômeno “à crise hídrica”. “Nunca, nos últimos 45 anos, tivemos uma crise de desabastecimento tão grande como agora”, afirmou.

Parlamentares se dividem 

Natural da região, o presidente da Comissão de Participação Popular, deputado Doutor Jean Freire (PT), defendeu o ponto de vista das lideranças comunitárias e da maioria dos pesquisadores. “Sou filho e morador do Vale, conheço a difícil convivência com a seca e os problemas enfrentados pela população local”, disse.

Já o deputado Gustavo Valadares (PSDB) e a deputada Rosângela Reis (Pode) conclamaram todos a buscarem o diálogo e o consenso, ressaltando que a situação, hoje, é muito diferente dos anos 1970. “Sugiro que a empresa se aproxime dos municípios e crie um fórum permanente com prefeitos e vereadores”, disse Valadares, para quem “não existe correlação única e exclusiva da escassez de chuva com a monocultura do eucalipto”.

Presidenta da Comissão de Assuntos Municipais e Regionalização, na qual a questão fundiária também é recorrente, Rosângela Reis disse que é possível uma convivência harmônica entre as empresas e a população, citando como exemplo o Vale do Aço, onde estão instaladas a Usiminas, a Aperan e a Cenibra, que empregam grande parte dos trabalhadores da região.

José Ricardo Ramos Roseno, da Subsecretaria de Assuntos Fundiários da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, disse que o governo está empenhado na regularização fundiária, já tendo entregue mais de 300 títulos ao município de Minas Novas e mais de 50 em Turmalina (mais de 50). Até o final de novembro disse que deverá estar concluída a regularização na região.

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Postado originalmente por: Aconteceu no Vale

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