De Condenado à mártir: como a república criou um herói

Foto – Pedro Dória

Nascido em 12 de novembro de 1746, na então Capitania de Minas Gerais, durante o Brasil Colonial, Joaquim José desempenhou várias profissões. Entre elas, estava a de dentista amador, por isso foi apelidado como Tiradentes. Além de dentista, Tiradentes também tentou a sorte como tropeiro (condutor de tropas de animais, transportadoras de mercadorias), minerador e mascate (mercador ambulante), mas fracassou em todas. A única profissão que lhe rendeu estabilidade foi o posto de alferes – patente abaixo da de tenente – da cavalaria de Dragões Reais de Minas, a força militar atuante na Capitania de Minas Geras e subordinada à Coroa Portuguesa.
Foi para o Rio de Janeiro, onde ficou morando um ano. Fez, na cidade, uma série de importantes projetos políticos, embora jamais tivesse recebido autorização para realizar qualquer uma de suas propostas de obras. Começou a nutrir um crescente desejo por ver o país libertado do jugo da metrópole e, ao retornar para Vila Rica, faz com que suas ideias tomem um vulto mais forte entre as pessoas, agitando e incitando-as a buscar a independência da província. O movimento político no qual Joaquim se envolve, inclui importantes nomes como: Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, além de José de Alvarenga Peixoto; todos fazendo parte da elite mineira.  A independência dos Estados Unidos fez com que o rastilho de pólvora de acendesse e os ânimos ficaram, definitivamente, alvoroçados.
O motivo principal que animava Tiradentes e os outros envolvidos na Inconfidência a se levantarem contra o governo de Visconde de Barbacena e o Império Português era a constante retirada das riquezas da região por meio de impostos excessivos. Do ouro produzido na Capitania de Minas de Gerais, a Coroa Portuguesa cobrava o chamado quinto, isto é, o equivalente a cerca de 20% do total extraído. Ocorreu que, a partir da década de 1760, a extração de ouro regrediu consideravelmente, mas não o valor do imposto. A taxa do quinto continuou a ser exigida dos mineradores locais, e o governador Barbacena, para fazer valer a lei, chegava até a impor agressões físicas O problema agravou-se mais ainda quando, para reverter a margem defasada dos quintos recolhidos, a Coroa Portuguesa autorizou a implementação da chamada derrama. A derrama obrigava os mineradores a cobrirem com suas posses, isto é, tudo aquilo que lhes pertencia como objeto de valor, o que faltava na quantia do quinto. Isso significava que o rombo provocado no pagamento do imposto à Coroa, resultante do declínio da mineração, acabou tendo que ser pago com outras formas de obtenção de dinheiro, como pedágios cobrados sobre o uso das estradas, escravos etc. Todos eram forçados a pagar a derrama.
O que impediu que os planos de Tiradentes e seus companheiros tornassem-se reais foi a delação, por Joaquim Silvério dos Reis, às autoridades da coroa, no mês de março de 1789.
Preso no Rio, Tiradentes e os outros inconfidentes foram julgados por longos três anos, até que saiu a sentença, que determinou a morte de um grupo e outros deveriam ser degredados. Entretanto, D. Maria I determina que a sentença fosse revogada e apenas Tiradentes fosse morto, provavelmente por que ele era o mais pobre dos rebeldes, sem condições de ter amparo para pedir a revogação da pena à coroa.  Em 1792, bem no Largo da Lampadosa no Rio, Tiradentes foi morto por enforcamento e posteriormente esquartejado, tendo seus despojos sido expostos ao público, para servir de exemplo à população, sobre o que ocorreria com os traidores da coroa.
República cria um mártir e herói nacional
A imagem clássica de Tiradentes projeta-se sobre a imagem do Cristo, ambos martirizados. No entanto, pelos costumes da época, especialistas refutam a barba e os cabelos longos que remetem de imediato a várias imagens clássicas de Cristo martirizado na cruz.
O quadro que melhor retrata essa junção de personagens é o Tiradentes esquartejado, de Pedro Américo, datado de 1893 e que está no Museu Mariano Procópio. A pintura foi confeccionada logo após a Proclamação da República (1889).
O professor de história do Brasil da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) da Unesp de Bauru, Célio Losnak analisa que essa imagem reforçou a aproximação entre o martírio do defensor da liberdade, Tiradentes, com a Paixão, o martírio de Cristo.
Tiradentes era alferes, patente de oficial abaixo de tenente na hierarquia militar antiga. Na condição de militar não era comum barba e cabelo compridos. Ainda no período de prisão, os pelos eram cortados como prevenção a piolhos e, no momento da execução, aqueles condenados à forca deveriam ter a cabeça e a barba raspadas. Uma imagem que em nada lembra o pintura de Pedro Américo.
Losnak explica que, no século 19, Tiradentes não era reconhecido como um herói.Discorrendo sobre a pesquisa de Carvalho, Losnak comenta que os republicanos, na primeira década após a Proclamação, difundem valores propagandísticos e cívicos que convencessem os outros setores da sociedade de que o projeto republicano tinha importância social. A propaganda destaca os símbolos, como a bandeira, o hino nacional, o ideário positivista de “Ordem e Progresso” e a recuperação de Tiradentes. Tiradentes é oficialmente patrono cívico do Brasil e Patrono da Polícia Militar, título determinado pela lei federal número 4.897, de 9 de dezembro de 1965, no governo do general Humberto Castello Branco. A legislação manda que Tiradentes seja cultuado pelas Forças Armadas, estabelecimentos de ensino, repartições públicas entre outros segmentos da sociedade.
 

Postado originalmente por: VinTV

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